Acórdão nº 1185/09.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2013
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 22 de Maio de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Proc.1185/09.6TVLSB.L1.S1.
R-412[1] Revista.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, em 31.5.2009, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, com distribuição à 2ª Vara, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB Pedindo que seja declarada judicialmente a dissolução da união de facto que existiu entre ambos e que lhe seja atribuído o direito à titularidade da casa de morada de família.
Citado, veio o réu contestar por impugnação e excepção, invocando a este título a incompetência material do tribunal para a acção que diz caber à jurisdição administrativa.
Na réplica apresentada, sustentou a autora a competência dos tribunais civis para a acção.
Foi proferido despacho que considerou ser o processo de jurisdição voluntária o adequado à pretensão deduzida e que negou a competência das Varas Cíveis de Lisboa para a sua apreciação, ordenando a remessa dos autos aos Juízos Cíveis de Lisboa.
Aqui veio a determinar-se que os autos seguissem como acção especial para atribuição de morada de família, ao abrigo do artigo 1413.° do Código de Processo Civil.
Gorou-se a conciliação tentada na diligência a que aludem os artigos 1407.° e 1413.° do Código de Processo Civil.
Realizaram-se várias diligências e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas.
Julgou-se improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal, deduzida pelo réu e teve-se como não verificada a também por ele invocada excepção inominada de irregularidade do patrocínio por parte da patrona da autora.
*** A final, foi proferida sentença, julgando-se a acção procedente: a) - Reconheceu-se a dissolução da união de facto mantida entre a Autora e o Réu, com efeitos reportados ao período de Julho e Agosto de 2006; b) - Atribuiu-se à Autora o direito à casa de morada de família, correspondente ao fogo municipal T2 sito na Rua ..., Lt. …, …, ..., em Lisboa, objecto de cedência pela Câmara Municipal de Lisboa.
*** Inconformado, o Réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 24.4.2012 – fls. 220 a 237 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
*** De novo inconformado, recorreu o Réu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo a Formação a que alude o art. 721º, nº3, do Código de Processo Civil admitido a revista excepcional.
*** Alegando formulou as seguintes conclusões: I – O presente recurso vem interposto do acórdão proferido nos autos de apelação pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual confirmou, sem voto de vencido, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
II – A acção que, após algumas vicissitudes, tomou a forma de processo de jurisdição voluntária, foi proposta pela Autora ora Recorrida, consistindo o seu pedido na atribuição da morada de família, com fundamento na cessação da União de Facto entre a mesma e o Ré ora Recorrente.
III – A sentença, em 1ª instância, considerando a acção procedente, atribuiu o direito à morada de família à Autora.
IV – O Recorrente não se conforma e, não obstante a “dupla conforme”, dada a improcedência da apelação, vem recorrer em revista excepcional, nos termos do n. °1 do art. 721.°-A do Código de Processo Civil, por se verificarem os requisitos da alínea a) e c) do mesmo.
V – Verifica-se a previsão da alínea a) porquanto, a questão de direito a apreciar, apesar da sua simplicidade, seja: se os dois anos previstos na Lei da união de facto, Lei 7/200] (1ª versão), art. 1°, nº1, podem ter decorrido no período de tempo em que, já vivendo juntos, um dos membros da união de facto esteve casado com pessoa diversa, mostra-se necessária para uma melhor aplicação do direito, sobretudo pela relevância social da união de facto na actualidade e sendo previsíveis frequentes situações equivalentes ao caso dos autos.
Sendo que a actual versão da Lei 7/2001 é igualmente equívoca, quanto à questão jurídica em causa, sendo que a sua apreciação tem interesse e repercussão geral na sociedade, sendo que a própria fundamentação de direito nessa matéria pela sua extensão quer no Tribunal a quo, quer na 1ª instância demonstra a amplitude da controvérsia e dificuldade de fundamentar a solução que vingou.
VI – Verifica-se a previsão da alínea c) porquanto, o acórdão ora em recurso, na mesma questão de direito enunciada no item anterior, ou seja na interpretação dos artigos 1º. 2.° e 3.° da Lei 7/2001, decidiu no sentido de que os dois anos previstos no art. 1º, n.°1, não têm de decorrer após o divórcio de um dos membros da união de facto, sendo suficiente, que no momento da cessação qualquer deles não se encontre casado, e tenham vivido juntos em condições análogas a cônjuges por período superior a dois anos.
E, ao decidir nesse sentido, na mesma questão de direito e na vigência e aplicação das mesmas normas, está em contradição com a interpretação e o decidido no Acórdão de 18.01.2007, já transitado, proferido no âmbito do processo ordinário especial n.°9435/06-2, na 2ª Secção Cível do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, decidiu no sentido de que (Sumário) “O prazo mínimo de dois anos relevante para a união de facto, deve ter decorrido quando qualquer dos sujeitos envolvidos não tenha impedimentos de “casamento anterior não dissolvido”.
VII – O presente recurso tem por objecto matéria de direito e, não conhecendo o Supremo Tribunal de Justiça de matéria de facto, versa ainda sobre vícios da decisão que, a não terem ocorrido, levariam à procedência da apelação, tendo ainda por objecto matéria nova e alteração de circunstâncias relevantes.
VIII – Nos presentes autos, foi invocada e aplicada a Lei da União de Facto, Lei n.°7/2001, de 11 de Maio, na versão anterior à alteração pela Lei n.°23/2010 de 30 de Agosto, por ser essa versão que vigorava ao tempo da cessação e da propositura da acção.
IX – Na acção, a autora invocou a necessidade e interesse próprio e da filha de ambos.
X – O Recorrente contestou, invocando a não aplicação da Lei da União de Facto e direitos previstos na mesma, por não haverem decorrido dois anos após o divórcio do mesmo até à cessação da União.
XI – Invocou ainda, ser titular do arrendamento, reduzidos rendimentos, não ter outra morada.
XII – Invocou que a Recorrida constituiu outra união de facto.
XIII – E que propôs a acção mais de dois anos após a cessação da união.
XIV – De facto, a Recorrida propôs a presente acção em 25.05.2009, tendo a União cessado em Julho/Agosto de 2006.
XV – Ambos, cerca de catorze anos, viveram em condições análogas a cônjuges.
XVI – Porém, o Réu era casado, só vindo a divorciar-se em ……..20….
XVII – A morada em causa foi atribuída ao Recorrente na sequência de realojamento da sua família.
XVIII – O douto Acórdão em recurso, interpretou os artigos 1.º, n° 1, 2. ° al. c), 3º al. a) e 4º, nº4, da Lei n.°7/2001, de 11 de Maio, no sentido de que, apesar de não terem decorrido dois anos após o divórcio, a referida Lei é aplicável à situação, não havendo qualquer impedimento aos efeitos jurídicos, ou direitos que a mesma confere aos unidos de facto, nomeadamente os previstos no art. 3º e 4º da mesma Lei.
XIX – Na perspectiva do Recorrente, a Lei 7/2001, na versão original, que é sempre a que está em causa e se tem em vista, não é aplicável ao caso dos autos, por não estar preenchido o requisito de dois anos de união de facto, previsto no art. 1.º, n.°1, da mesma Lei, não tendo assim a recorrida direito à atribuição da morada, ao contrário do decidido no douto acórdão que sufragou a sentença proferida.
XX – Ao decidir dessa forma o, não obstante, douto acórdão não efectuou uma correcta interpretação dos preceitos legais em causa, nomeadamente do art. 1.º, n.°1, da Lei.
XXI – Por outro lado, já noutro âmbito, o Recorrente, viu rejeitado na apelação o Recurso da Matéria de Facto, com invocação de não admissibilidade, por não ter sido gravada a audiência e o Apelante não remeter para os concretos pontos da gravação que pretendia ver apreciados.
XXII – Porém, as provas indicadas pelo mesmo constam do processo, o que a testemunha disse está referido expressamente na fundamentação da sentença, e na apelação o Recorrente transcreveu exactamente essa parte da fundamentação, conforme indicou supra nas alegações.
XXIII – Assim, o Recorrente invocou o concreto meio de prova que está documentado no processo, o qual é insusceptível de ser destruído por quaisquer outras provas, nos termos do art. 712.° n.°1 b), pelo que, o recurso relativo à matéria de facto é admissível nos termos do art. 685.° - B do Código de Processo Civil, uma vez que a matéria impugnada consta do processo.
XXIV – Ao ter rejeitado o recurso o Tribunal a quo violou os artigos 685.°-B Código de Processo Civil e art. 712.º, n°1, b), que o admitiam, deixando de pronunciar-se sobre matéria que devia apreciar, preenchendo a causa de nulidade da decisão prevista no art. 668º, n.° 1 d), a qual se invoca.
XXV – Noutro âmbito, atento a matéria de facto dada como provada em 1ª instância, ou seja, que o Réu, titular do arrendamento, não tem outra morada e possui escassos rendimentos, donde resulta não ter possibilidade e ter necessidade, só por si justificava de forma notória a improcedência da acção, pois, o art. 1793.° Código Civil determina ter em conta as necessidades de cada um dos ex-membros da união de facto, pelo que, face à notoriedade mencionada, e pretensão do...
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