Acórdão nº 08S2273 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução29 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 5 de Janeiro de 2006, no Tribunal do Trabalho do Funchal, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra M...P...F..., HERDEIROS, pedindo: (i) se declare a ilicitude da cessação do respectivo contrato de trabalho; (ii) a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da atinente categoria e antiguidade, ou, caso assim venha a optar, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a um mês e meio de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de serviço ou fracção, e, em todo o caso, a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir «desde o dia três de Dezembro de 2005 até ao trânsito em julgado da douta decisão a proferir pelo Tribunal».

Alegou, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré, em Maio de 1970, para desempenhar as funções de mecânico, tendo estado doente, entre 14 de Janeiro de 2005 e 5 de Fevereiro de 2005 e, igualmente, entre 10 de Fevereiro de 2005 e 1 de Setembro de 2005, sendo certo que a ré lhe comunicou, em 23 de Fevereiro de 2005, a denúncia do contrato de trabalho por «ter-se ausentado do serviço desde 10 de Fevereiro do corrente ano, ou seja, por prazo superior a 10 dias úteis, sem que tenha esta entidade patronal recebido qualquer comunicação ou justificação desta ausência, [o que] equivale a abandono de trabalho [...]»; porém, os documentos comprovativos de doença nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2005 foram entregues, em mão, por seu filho, BB, no estabelecimento comercial da ré.

A ré contestou, alegando que o autor só trazia os documentos comprovativos de doença, «quando vinha trabalhar e, por vezes, nem comunicava, não obstante sempre ter sido alertado de que a empresa não prescindia do cumprimento da lei», e que, desde 10 de Fevereiro de 2005, deixou de comparecer ao serviço, não tendo comunicado o motivo dessa ausência, acrescendo que, no período de ausência, «foi visto por diversas vezes ingerindo bebidas alcoólicas num bar próximo à sua residência»; em 28 de Fevereiro de 2005, «o A. autor apresentou-se à R. a fim de receber os montantes salariais a que tinha direito por denúncia do contrato», tendo a ré pago «todos os valores a que o A. tinha direito, e este recebeu», e que, «cerca de um mês depois, estranhamente, o A. passou a enviar à R. o certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença», que lhe devolveu.

Realizado o julgamento, tendo o autor declarado optar por indemnização em substituição da reintegração, foi proferida sentença que julgou procedente a acção, declarando «ilícito o despedimento do A. por ausência de processo disciplinar» e condenando «a ré no pagamento ao A. das retribuições vencidas desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão e, bem assim, no pagamento de uma indemnização por antiguidade equivalente a € 560,60 por cada ano de antiguidade ou fracção até à data do trânsito em julgado da decisão».

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, aduzindo que «a decisão de não ir trabalhar acompanhada da não comunicação do motivo da ausência e da justificação formalizada da ausência, quando o poderia fazer por qualquer meio ao seu dispor [artigo 15.º da fundamentação de facto] consubstancia, por parte do trabalhador, a adopção de um comportamento que traduz inequivocamente a intenção de não retomar a prestação de trabalho e caracteriza o animus extintivo do trabalhador relativamente ao vínculo laboral».

    Acrescentou que «[n]ão pode proceder a conclusão do Juiz a quo de que os muitos anos anteriores de uma prática eventualmente aceite pela anterior gerência justificam, por parte do trabalhador, um comportamento contrário às novas orientações, que resulta provado existirem, sob pena de se pugnar pela inércia das decisões de mudança» e concluiu que, «ainda que, por mera hipótese, se considere não existir o animus extintivo da relação laboral do trabalhador, a verdade é que o trabalhador deixou operar no ordenamento jurídico a presunção legal do abandono de trabalho invocada pelo Recorrente quando não a elidiu, por qualquer meio, como era seu ónus, ao não fazer prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da sua ausência [...], deixando cessar o contrato de trabalho com efeitos reputados ao 1.º dia de ausência ao serviço».

    Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e absolveu a ré dos pedidos deduzidos.

    É contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões: «A - Para que a presunção de abandono do trabalho prevista no n.º 2 do artigo 450.º pudesse operar, a Ré, ora Recorrida, teria de provar não só a ausência do trabalhador ao serviço, mas também que não recebeu a comunicação do motivo da ausência, pois que se trata de um facto integrante da base da presunção. E a verdade é que, embora o tenha alegado, não logrou essa prova, conforme se constata pelo último ponto no elenco dos factos não provados em primeira instância (e que permaneceram inalterados).

    B - Por outro lado, o facto de o A., ora Recorrente, não ter logrado provar que de facto entregou comunicação do motivo da ausência (segundo ponto dos factos não provados) não equivale à prova do seu contrário, ou seja, de que não comunicou. E, de igual forma, essa falta de comunicação não decorre da factualidade dada como provada.

    C - Tendo falhado essa prova, a Recorrida não preencheu o segundo dos factos previstos no n.º 2 do art. 450.º, cuja demonstração cumulativa se exige para que ocorra a presunção do abandono do trabalho, com os inerentes efeitos (artigos 344.º, n.º 1, 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).

    D - À data em que a comunicação exigida pelo n.º 5 do artigo 450.º foi enviada não era lícito à Recorrida invocar a cessação do contrato de trabalho com base no abandono presumido, pois a ausência ao serviço por parte do Recorrente ainda não tinha atingido os dez dias úteis seguidos; somente se tinham completado nove dias de ausência.

    E...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
9 temas prácticos
9 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT