Acórdão nº 9268/07.0TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução15 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, SA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, SA, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 237.881,51, acrescida de juros de mora comerciais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Como fundamento, alegou, em síntese, que foi condenada a pagar uma indemnização a terceira pessoa, que lhe pediu que diligenciasse pelo transporte de um veículo automóvel para Itália para reparar, sendo que o mesmo foi furtado por incúria dos condutores do camião que efectuavam o transporte. Mais alegou que tem direito de regresso relativamente à ré, já que celebrou com esta um contrato de transporte internacional, que foi incumprido culposamente, ao que acresce que, por culpa desta, o veículo não estava segurado, conforme tinha sido pedido.

A ré contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em suma, que a não realização do seguro não foi por culpa sua, para além de que a ré nunca se obrigou a contratá-lo, sendo que, quanto ao transporte, não existiu qualquer dolo ou negligência grosseira dos motoristas e, a haver pagamento, está limitado pela Convenção CMR (8,33 unidades de conta por cada quilograma de peso bruto em falta e juros de mora a 5%), já que os condutores nenhuma culpa tiveram no furto.

Replicou a autora, mantendo a sua versão.

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 237.881,51, acrescida de juros de mora comerciais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por douto acórdão de 25/10/2012, na parcial procedência da apelação, revogou, em parte, a sentença recorrida e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a indemnização a liquidar em fase ulterior, equivalente à perda do veículo automóvel de matrícula 00-00-00, no montante que vier a ser apurado nos termos do artigo 23º da CMR.

Inconformada, recorreu agora a Autora para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O douto Acórdão recorrido julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ora Recorrida, revogando em parte a sentença recorrida e, em consequência, condenou a Recorrida a pagar à Recorrente uma indemnização no montante que vier a ser apurado nos termos dos n.

os 3, 7, 8 e 9 do artigo 23º da CMR.

  1. - Entenderam os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que o comportamento dos motoristas que realizaram o transporte, embora consubstanciando uma negligência consciente e grosseira, não se enquadra no conceito de "falta [...] que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente a dolo", para efeitos do n.º 1 do artigo 29º da CMR.

  2. - O que originou a condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização que não representará sequer 5% do valor em que a Recorrente foi condenada a indemnizar o proprietário do veículo.

  3. - A Recorrente entende, contudo, que o Tribunal da Relação do Porto, no douto Acórdão recorrido, errou ao determinar o cálculo da indemnização a pagar pela Recorrida à Recorrente dentro dos limites impostos pelo artigo 23º da CMR.

  4. - E errou porque, por um lado, o comportamento dos motoristas que realizaram o transporte se enquadra, inequivocamente, no conceito de "falta [...] que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente a dolo", para efeitos do n.º 1 do artigo 29º da CMR; e 6ª - Por outro lado, porque a responsabilidade da Recorrida emerge não apenas do incumprimento da obrigação de entrega da mercadoria, como, também, do incumprimento da obrigação de contratar o seguro de transporte, sendo que, a este título, nunca se colocaria qualquer limitação à indemnização; 7ª - Ao que acresce, ainda, o facto de estarmos no âmbito de uma acção de regresso, em que a Recorrente apenas pretende que lhe seja restituído, por quem efectivamente teve responsabilidade pelo dano, o montante que pagou ao proprietário da viatura.

  5. - Assim, a douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Maia não merece qualquer censura, pois fez uma apreciação jurídica e factual da causa inatacável.

  6. - Não existe qualquer elemento que permita limitar a responsabilidade da Recorrente no caso em apreço, pois houve um inequívoco incumprimento do contrato de transporte, com negligência consciente e grosseira, bem como uma clara violação da obrigação de contratar o seguro de transporte.

  7. - A ora Recorrente tem, por isso, direito a reaver (no âmbito da presente acção de regresso) da ora Recorrida a totalidade da quantia que aquela teve que pagar ao Sr. LL a título de condenação no processo n.º 620/97, que correu os seus termos na 14ª Vara de Lisboa, 2.ª Secção, pelo facto de a Recorrida ter incumprido, com negligência consciente e grosseira, a obrigação de entrega da mercadoria, incumprindo, por consequência, o contrato de transporte internacional de mercadoria e também por não ter contratado o seguro conforme o acordado com a Recorrida.

  8. - A Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de transporte internacional, para transportar um Lamborghini para Itália, com vista à sua reparação.

  9. - Tratava-se de um serviço efectuado num transporte expresso (com dois condutores) em camião semi - reboque.

  10. - A exigência por um transporte exclusivo era legítima, pois "naquele tempo o transporte para Itália era considerado um transporte de risco".

  11. - Na noite de 6 para 7 de Março de 1997, em Monza (Itália), o camião que transportava o Lamborghini foi furtado, juntamente com toda a sua mercadoria, que afinal, sem que a Recorrente tivesse conhecimento, também foi transportada pelo camião.

  12. - O furto do Lamborghini ocorreu no momento em que o motorista e co - piloto se ausentaram, deixando o camião (e a sua valiosa carga) fora de um parque reservado e guardado.

  13. – É sobre o transportador que recai a obrigação de entregar a mercadoria no local acordado, tal como foi entregue na origem (obrigação de resultado).

  14. - No caso em apreço, a Recorrida tinha a obrigação de entregar em Itália o veículo automóvel, tal como o recebeu, presumindo-se culposa a inobservância desta sua obrigação de entrega (resultado), nos termos dos artigos 17º e 18º da CMR e do artigo 799º do Código Civil.

  15. - Verifica-se, assim, uma presunção de culpa do devedor pelo não cumprimento da prestação respectiva.

  16. - Presunção esta que a Recorrida não logrou ilidir.

  17. - O comportamento dos dois motoristas é altamente censurável, pois só levianamente poderiam pensar que a mercadoria em apreço não seria furtada.

  18. - Dúvidas não restam, portanto, que a conduta dos motoristas foi consciente, embora levianamente acreditassem que tal não sucederia.

  19. - E poderá designar-se consciente e grosseira, pois sendo dois motoristas, e ausentando-se ambos simultaneamente, ainda para mais num parque não vigiado, violaram as mais elementares regras de prudência e zelo, pelo que nenhum sentido faz aplicar aqui a limitação de responsabilidade invocada pela Recorrida.

  20. - Ora, para efeitos do n.º 1 do artigo 29º da CMR, não se pode deixar de considerar que a negligência consciente e grosseira equivale ao dolo.

  21. - Caso assim não fosse, estaríamos perante um estímulo ao não cumprimento do contrato pelo transportador e à entrega da mercadoria só quando lhe conviesse.

  22. - Isto mesmo entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, ao considerar que a "«falta...que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo», a que se reporta o artigo 29º da Convenção CMR, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional [...], a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa «lato sensu»" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/06/2011, processo n.º 437/05.9TBAGN.C1).

  23. - Caso assim não se entenda - o que só por hipótese de raciocínio se concede -, sempre se dirá que estamos perante uma situação de dolo eventual.

  24. - Perante os factos provados, não existe qualquer fundamento para a limitação da responsabilidade da Recorrida.

  25. - A responsabilidade da Recorrida decorre não só da violação do contrato de transporte, mas também do incumprimento da obrigação assumida por si quanto à contratação do seguro.

  26. - Após pedido do proprietário do veículo, no dia 3 de Março de 1997 (dia anterior ao carregamento), a Recorrente contactou telefonicamente a Recorrida, questionando se a Recorrida poderia tratar do seguro do Lamborghini, bem como, qual seria o respectivo preço.

  27. - Após a indicação do preço e da respectiva aceitação pelo proprietário do veículo, a Recorrente informou a Recorrida, no dia anterior ao carregamento, para que esta procedesse a contratação do seguro.

  28. - Só após lhe ter sido dada a garantia de emissão da apólice, o proprietário do veículo autorizou o transporte do Lamborghini para Itália, solicitando ao ACP a sua entrega nas instalações da Recorrente.

  29. – A Recorrida permitiu que o veículo fosse transportado sem estar coberto pelo seguro, incumprindo o que havia estipulado com a Recorrente e, consequentemente, impossibilitando o proprietário da viatura de ser ressarcido pela seguradora.

  30. - Pelo exposto, dúvidas não existem de que a Recorrida é responsável perante a Recorrente pelo prejuízo que esta suportou com a condenação no anterior processo, condenação esta que, aliás, considerou precisamente como evento danoso a não celebração do contrato de seguro.

  31. - Mas, além do mais, estando em causa uma acção de regresso, seria contrário aos princípios gerais do Direito que quem foi responsável pelo dano (a Recorrida) não ressarcisse integralmente quem teve que suportar o custo perante o proprietário do veículo (a Recorrente).

  32. - É que, na verdade, ao...

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