Acórdão nº 180/05.9JACBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução18 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 180/05.9JACBR, da vara de competência mista de Coimbra, por acórdão de 17/03/2011, foi decidido, além do mais: 1.1.

Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de corrupção passiva [situação fáctica descrita no acórdão sob os pontos 2. e 8.] e de um crime de corrupção passiva para acto ilícito [situação fáctica descrita no acórdão sob o ponto 9.]; 1.2.

Condenar o mesmo arguido, AA pela prática, na forma consumada e em concurso real, de um crime, na forma continuada, de corrupção passiva para acto ilícito [o qual abrange as situações descritas em 1., 3., 4., 5., 6., 7.,10. da matéria de facto provada], p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 372.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, alínea c), 30.º, n.º 2, e 79.º, todos do Código Penal, na pena de 4 anos e 5 meses de prisão, e pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão [situação descrita sob o ponto 11. da matéria provada].

E, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenar o arguido AA, na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão, com execução suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova.

1.3.

Condenar a BB à perda das vantagens obtidas, nos termos dos artigos 111.º, n.

os 1 e 4, e 112.º, n.º 2, do Código Penal, no pagamento ao Estado do montante equitativo de € 200.000,00, após trânsito em julgado da decisão.

2.

Tinham sido interpostos recursos interlocutórios pelo Ministério Público e pelo arguido, admitidos a subir a final, e foram interpostos recursos do acórdão pelo Ministério Público e pelo arguido.

  1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30 de Maio de 2012, foi decidido, no que, agora, interessa considerar: 3.1.

Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido.

3.2.

Conceder parcial provimento ao recurso da decisão final interposto pelo Ministério Público, alterando a decisão recorrida na parte relativa à(s) pena(s) aplicada(s), e condenar o arguido AA pela prática, na forma consumada e em concurso real, de um crime, na forma continuada, de corrupção passiva para acto ilícito [relativo às situações descritas nos pontos 1., 3., 4., 5., 6., 7. e 10. da matéria provada], p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 372.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, alínea c), 30.º, n.º 2, e 79.º, todos do Código Penal, na pena de cinco 5 anos e 10 meses de prisão, e, pela prática de um crime de abuso de poder [relativo à matéria de facto descrita sob o ponto 11. da matéria provada], p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão.

E, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenar o arguido AA, na pena única conjunta de 6 anos de prisão.

3.3.

Negar provimento ao recurso da decisão final interposto pelo arguido.

3.4.

Manter, em tudo o mais, a decisão final recorrida.

4.

Do acórdão da relação interpuseram recursos para o Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público e o arguido AA.

4.1.

O Ministério Público, no recurso interposto para este Tribunal, formulou as seguintes conclusões: «1.º Na esteira do Professor Eduardo Correia é pressuposto do crime continuado a existência de uma relação que, de "fora" e de uma maneira considerável, facilite a repetição da atividade criminosa, tomando menos exigível ao agente que se comporte de acordo com o direito.

«2.º Não é, pois, qualquer solicitação que serve para dar apoio ao conceito de crime continuado, sendo necessário que ela seja tal que facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa.

«3.º No caso em análise, não vislumbramos quaisquer circunstâncias exógenas que tenham facilitado a repetição das atividades criminosas levadas a cabo pelo arguido AA e que diminuam consideravelmente a sua culpa.

«4.º Não houve nomeadamente o aproveitamento da mesma oportunidade susceptível de atenuar a culpa, sendo certo que circunstâncias exteriores conscientemente procuradas e criadas para concretizar a intenção criminosa não poderão ser consideradas como facilitadoras da reiteração criminosa.

«5.º Mesmo o facto de em certo período de tempo, designadamente entre o início do ano de 2004 e o final de 2005, o arguido ter acumulado, em simultâneo, as funções de D… M… da A… do T… na C… M… de C… e de P… da A… (AA...-OAF) não tem, a nosso ver, a virtualidade de ter precipitado e facilitado a repetição da atividade criminosa.

«6.º Muito pelo contrário, pois estando em causa, no âmbito do primeiro daqueles cargos, o exercício de funções públicas, das quais são apanágio requisitos como a isenção, a imparcialidade, a probidade e a integridade, incumbia ao arguido um especial dever de se abster da prática dos factos que foram dados como provados e se, porventura, o exercício dessas funções podia servir-lhe de tentação, então tinha a obrigação de ser firme e resistir, com tenacidade, a essa tentação.

«7.º Aliás, na nossa ótica, longe de uma menor exigibilidade, só encontramos razões para censurar ainda mais a conduta do arguido.

«8.º Nesta perspectiva, revemo-nos, no essencial, na declaração de voto do Exmo. Senhor Desembargador Adjunto, constante de fls. 8090, que perfilha a tese do concurso efetivo de crimes de corrupção para ato ilícito e o consequente agravamento da pena unitária.

«9.º As circunstâncias em que os valores foram encontrados e apreendidos ao arguido, associadas ao facto de este haver recebido montantes até ao final de 2005, altura em que cessou as funções públicas, é lícito intuir, na ausência de outros elementos de sentido diverso ou contrário, que ilidam a presunção do art. 7º da Lei n.º 5/2002, de 11/1, que aqueles valores eram provenientes de dádivas ilegais semelhantes àquelas em que se funda a condenação.

«10.º Por outro lado, para além de se não haver obtido prova acerca da situação de insuficiência patrimonial ou financeira do beneficiário dos produtos dos crimes, também não se justifica a redução da devolução se tais vantagens foram utilizadas para fazer face às obrigações decorrentes da atividade normal de um clube de futebol profissional.

«11.º Violou, assim, em nosso entendimento, o acórdão do Tribunal da Relação por incorrecta interpretação, entre outras, as normas, dos arts. 30º, 40.º, 71.º, 77.º, 78º e 79º e 112º, todos do Cód. Penal, e 7º da Lei n.º 5/2002, de 11/1.

12.º Deverá, por conseguinte ser revogado, na parte em que qualificou a conduta do arguido AA como um crime continuado de corrupção passiva para ato ilícito e ser o mesmo condenado pela prática, em concurso efetivo, de cinco crimes de corrupção passiva para ato ilícito e de um crime de abuso de poderes, na pena única, em resultado de um novo cúmulo jurídico a efetuar, não inferior a 8 anos de prisão, e não se proceder à redução do valor das vantagens do crime, com a perda dos montantes apreendidos, ao abrigo do art. 7º da citada Lei n.º 5/2002.

4.2.

O arguido AA formulou, no recurso para este Tribunal, as seguintes conclusões: «B1: É indúbio que ao regime especial da prova por declarações e, bem assim, ao das declarações das partes civis, não se aplica o artigo 145°- 3, no que toca a estes meios de prova produzidos em audiência. Ora, «B2: embora sem adscrição legal expressa ou implícita, o arguido, aquando da apresentação da contestação (artigo 315° CPP), optou pela formulação de quesitos, relativos à produção da prova pericial «B3: a qual, sem que se antolhe qualquer razão para tanto, à semelhança da documental, viram as respetivas produções indeferidas, quando se afigura que seria mister, no mínimo, a Mmª presidente e, posteriormente, o tribunal da relação de Coimbra, a prolação de um despacho convidando à retificação, se fosse justificadamente caso disso, sendo pois certo que a omissão de tal despacho inconstitucionalizou o artigo 315° do CPP, por violação do artigo 32°-1 da CRP. Ora, «B4: verifica-se mais uma omissão de jaez semelhante ao precedente, por as instâncias, "agarrando-se" acriticamente ao conteúdo do chamado "princípio da suficiência"— o qual bem vistas as coisas face às atuais exigências constitucionais e a legalização da suficiência da "insuficiência (art. 7º do CPP, por um lado e 32º-1 da CRP por outro) —, omitiram pronúncia acerca do princípio da "ordem jurisdicional administrativa", suscitado no recurso da decisão da 1ª instância é agora renovado, com a consequente violação do artigo 213º-3 da CRP e seus reflexos no citado artigo 7º e a já referida decorrente violação do artigo 32º-1 da CRP. Incorreu, destarte, o acórdão na nulidade do artigo 379º-2- c) do diploma penal adjetivo.

«B5: Escreveu-se no acórdão recorrido — conf. motivação supra A3.1.1. — a propósito do "timing" escolhido pelo agora suplicante para a prestação das declarações de arguido — no caso, finda a produção da demais prova em 1ª instância — que disso não retirou a instância qualquer "efeito probatório relevante" (mas adequou as declarações à demais produção de prova...). A despeito disso, a 1ª instância (pág. 79 do acórdão) dando o dito por não dito, sempre valorou as declarações do recorrente (pelo menos) no que tange os pontos 1.4. a 1.9., como expressamente reconhece.

«B6: Esta pretensa "adequação" das declarações do arguido em audiência e seu encarecimento, violadora na essência que é do disposto no artigo 61º-1-d) do CPP — norma que mais não é do que uma exemplificativa concretização do art. 32º-1 da CRP, no que toca o catálogo de direitos do arguido (conf. ainda artº 343º, em especial nº 1, norma violada), é defraudatória dos artigos 9º, al. b) e 2º da CRP.

«B7: O referido posicionamento jurisdicional é claramente demonstrativo do "pré-juízo" que ab ovo se apoderara dos senhores juízes e sob cujos contornos se discreteia largamente na motivação supra, sob A4 Apesar deste circunstancialismo ter materializado, na motivação anterior, uma...

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