Acórdão nº 254/08.4TBODM.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução08 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.254/08.4TBODM.E1.

R-409[1] Revista.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA BB e mulher CC propuseram, em 20.6.2008, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra: DD EE FF Pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 101.250,00 ao primeiro Autor e da quantia de € 67.500,00 ao segundo Autor, ambas as quantias acrescidas de juros de mora vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegaram em síntese, que são comproprietários de dois prédios, um denominado C... e outro denominado C….

No dia 19 de Julho de 2005, ocorreu um incêndio florestal que causou prejuízos nos seus prédios.

Este incêndio teve a sua origem nos trabalhos que estavam a ser efectuados por dois empregados do primeiro réu [segundo e terceiro réu] numa propriedade que lhe pertence, mais concretamente foi provocado ou pelo lançamento de uma faúlha do escape de um dos tractores utilizados ou pelo atrito existente entre as alfaias destes tractores e as pedras existentes no local.

O incêndio alastrou-se até às suas propriedade e causou diversos danos patrimoniais dos quais pretendem ser ressarcidos.

Contestaram os réus alegando, em síntese, que os autores são partes ilegítimas na medida em que vêm desacompanhados dos demais comproprietários.

Acresce que alegam meras hipóteses sobre o modo como se iniciou o incêndio e essas hipóteses são impossíveis pois os tractores estavam em bom estado de conservação, circulavam a descer para um local seguro e por caminhos de terra batida abertos recentemente e, por isso, não só os tractores não largavam faúlhas, como também se as largassem, estas cairiam a cerca de 50 centímetros e, desta forma, na terra batida onde não existia combustível para a propagação de um incêndio, acrescentando que se dirigiam para um local seguro e estavam em andamento, logo as alfaias iam levantadas e não podia haver contacto com pedras de modo a provocar o atrito referido.

Por outro lado, o Réu solicitou a uma associação florestal uma perícia para aferir qual foi a causa do incêndio e esta concluiu que o incêndio se terá iniciado em local diferente daquele onde os trabalhadores estiveram a trabalhar.

Sucede ainda que as autoridades florestais fizeram o levantamento dos danos em montante muito inferior ao pedido e procederam ao pagamento de metade desses danos, pelo que o montante pedido não tem sentido por ser excessivo.

Replicaram os autores, alegando que entretanto procederam à divisão dos prédios, sendo que os danos ocorreram nas partes que lhes couberam na divisão.

Saneado o processo, foi fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

*** Foi proferida sentença que decidiu: “Julgo verificada uma excepção dilatória de nulidade de todo o processo relativo ao pedido de fixação da indemnização em despacho complementar após audição das partes e, em consequência, absolvo os réus da instância quanto a este pedido; Julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno o Réu DD a pagar: - Ao autor AA a quantia de € 40 500,00 (quarenta mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora desde 19 de Julho de 2005 até integral pagamento; e - Aos autores BB e mulher CC a quantia de € 27 000,00 (vinte e sete mil euros) acrescida de juros de mora desde 29 de Julho de 2005 até integral pagamento.

Mais, absolvo os réus dos pedidos formulados.” *** Inconformados, o Réu DD e os Autores AA e BB e mulher CC apelaram para o Tribunal da Relação de Évora, que, por Acórdão de 30.11.2011, depois de ter recusado a apreciação da matéria de facto, concedeu parcial provimento ao recurso de Apelação do Réu, e provimento ao recurso de apelação dos Autores, revogando parcialmente a sentença recorrida nos seguintes termos: - a título de indemnização por danos patrimoniais condena-se réu DD a pagar, ao autor AA a quantia de € 81 000,00 (oitenta e um mil euros acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento; - e aos autores BB e Tiulher CC a quantia de € 54 000,00 (cinquenta quatro mil euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, mantendo-se o demais decidido.

*** Inconformado, o Réu DD recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, que, por Acórdão de 8.5.2012 – fls. 777 a 794 – decidiu conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Évora a fim de ser reapreciada a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, com subsequente julgamento de direito.

*** Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, foi proferido o Acórdão de 22.11.2012 – fls. 803 a 873 – que concedeu parcial provimento ao recurso de Apelação do Réu, e provimento ao recurso de apelação dos Autores, revogando parcialmente a sentença recorrida nos seguintes termos: - a título de indemnização por danos patrimoniais condena-se o réu DD a pagar, ao Autor AA a quantia de € 81 000,00 (oitenta e um mil euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento; - e aos Autores BB e mulher CC a quantia de € 54 000,00 (cinquenta e quatro mil euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, mantendo-se o demais decidido.

*** Inconformado, o Réu recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões: A) - Da violação do princípio do dispositivo, da estabilidade da instância e do princípio do contraditório: 1ª — Tendo os Autores afirmado na sua petição inicial que a faúlha ou faísca causadora do sinistro tinha sido emitida pelas máquinas no percurso que faziam, de cerca de 1Km, entre o local onde estavam a trabalhar e a carrinha de apoio, depois de terem cessado os trabalhos antes de almoço, este facto e circunstâncias delimitam a causa de pedir.

2ª- Tendo o Tribunal dado como provado que a faísca teria sido provocada pelo atrito entre uma pedra e uma lâmina de uma das máquinas enquanto estas estavam a laborar, há uma manifesta alteração à causa de pedir e consequentemente a violação do princípio da estabilidade da instância, com manifesto prejuízo para os Réus e violação do princípio do contraditório, uma vez que estes na sua contestação estavam limitados pelos factos e causa de pedir alegados pelos Autores na sua petição inicial.

3ª — O douto acórdão recorrido ao não julgar procedente tal vício violou os artigos 264°, 268° e , todos do Código de Processo Civil.

  1. - Enquadramento da Responsabilidade Objectiva do Autor: 4ª— Mesmo que assim se não entenda, sempre se verifica que o acórdão recorrido enferma de erro na determinação da norma legal substantiva aplicável ao apuramento da eventual responsabilidade objectiva do Réu, quando a subsume ao disposto no artigo 503°, nº 1, do Código Civil e não no artigo 500º, n° 1, do mesmo diploma. Com efeito, 5º— A situação material em causa nos autos — actividade de roça-matos — na qual eram utilizados dois corta-matos acoplados, um num tractor de lagartas e outro num tractor de rasto contínuo, não pode ser enquadrada na previsão do artigo 503° n° 1 do Código Civil, que dispõe sobre acidentes causados por veículos de circulação terrestre. Porquanto, 6ª — Da matéria dada como provada nos autos (Base 1ª) resulta que o incêndio teria sido causado durante e no desempenho da actividade agrícola própria destas máquinas, enquanto laboravam, dentro da propriedade ..., e não em resultado dos riscos inerentes à sua circulação enquanto incorporadas em tractores. De facto, 7ª - O risco que esteve na origem do acidente alegadamente provocado pela máquina corta-mato, nada teve a ver com o risco inerente à circulação desta máquina enquanto parte incorporada num veículo de circulação, mas com o risco inerente à sua laboração enquanto máquina agrícola corta-mato, no desempenho da sua actividade específica de roça-mato. Donde, 8ª— A responsabilidade do ora Recorrente, a existir, apenas pode ser apreciada à luz do artigo 500º n°1 do Código Civil, pelo que, para que o mesmo possa ser objectivamente responsabilizado, necessário se toma que o/os comissário (s) tractoristas tenham procedido com culpa, o que não resultou provado.

9ª— Consta dos autos, isso sim, que os tractoristas (comissários) eram tractoristas experientes e agiram com diligência e que, naquele dia, o risco de incêndio era moderado. Além disso, 10ª — Também não foi imputada a qualquer um dos comissários, em concreto, negligência na condução dos trabalhos, o que se impunha nos termos dos artigos 483° e 487°, ambos do Código Civil.

11ª — Ao ter concluído pela responsabilidade objectiva pelo risco do Réu Recorrente nos termos do artigo 503° n°1 do Código Civil, fez o acórdão recorrido errónea determinação da norma legal substantiva aplicável à situação material, devendo, também por esta razão, ser revogado.

II – Decisão proferida sobre a Apelação dos Autores.

12ª — A decisão recorrida agravou o montante indemnizatório atribuído na 1ª Instância aos Autores, por considerar indevido o recurso à equidade ali feito pelo Meritíssimo Juiz para a sua fixação.

13ª — Tendo sido adoptado pelo Tribunal como critério para a fixação dos danos sofridos o valor de venda da cortiça eventualmente perdida, e não sendo a cortiça um produto colhido ou apurado sem o investimento da tiragem, a levar-se em conta apenas o valor da cortiça, sem levar em conta os custos da tiragem e comercialização, bem como da conservação e manutenção dos sobreiros ao longo de 9 anos, que produzem o produto cortiça, estar-se-ia a indemnizar o lesado por um valor superior ao prejuízo efectivamente sofrido, o que redundaria num manifesto enriquecimento sem causa do mesmo. Daí que, 14ª — No seu prudente arbítrio, atenta a especificidade dos danos invocados (valor da cortiça perdida), o Meritíssimo Juiz da 1a Instância fixou, e bem, segundo a equidade, o prejuízo dos Autores, em metade do valor apurado, pois importava...

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