Acórdão nº 08P2856 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | SANTOS CARVALHO |
Data da Resolução | 23 de Outubro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
A (nascido em 19/11/1988) foi julgado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 600/07.8SJPRT da 2ª Vara Criminal do Porto, sob a acusação de ter cometido um crime de homicídio qualificado, mas veio a ser condenado, por acórdão de 29/05/2008, na pena de 11 anos de prisão, pela prática dum crime de homicídio, p. e p. no art.º 131.° do Código Penal.
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Inconformados com a decisão condenatória, recorrem para o Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público e o arguido.
O Ministério Público extrai da sua motivação as seguintes conclusões: 1 - Revelam especial censurabilidade do agente as circunstâncias de ausência de sentimentos demonstrada pelo arguido bem como a insistência em tirar a vida à vítima, espetando-lhe sete facadas no tórax e abdómen, atingindo-o no coração e fígado, pelo que deverá o arguido ser condenado pelo crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art.º 132.º n.º 1 do CP.
2 - Resultando dos factos provados que a culpa do arguido é muito elevada, a má formação da sua personalidade, o total desprezo pela vida da vítima, o grau elevadíssimo da ilicitude dos factos, razões de prevenção geral e especial muito elevadas e o pouco significado das atenuantes, 3 - É de considerar adequada e ajustada à conduta do arguido a pena de 18 (dezoito) anos de prisão.
4 - Mesmo que se entenda que o arguido não pode ser punido como autor de um crime de homicídio qualificado, mas apenas como autor de um crime de homicídio simples, atendendo à sua culpa, à sua personalidade, às exigências de prevenção geral e especial e em face dos factos provados, considera-se adequada e justa à conduta do arguido a pena de 14 (catorze) anos de prisão.
5 - Violou o acórdão recorrido os art.ºs 71.º, 131.º e 132.º do CP.
Por sua vez, o arguido conclui do seguinte modo: 1 - Decidiu o Tribunal não proceder à atenuação especial da pena, recusando aplicar ao Arguido o regime penal especial para jovens instituído pelo Dec.-Lei n.º 401/82, condenando o mesmo na pena de 11 anos de prisão pelo crime de homicídio simples.
II - O Arguido não se conforma com esta decisão, defendendo que o regime especial lhe deve ser aplicado, só assim se cumprindo a Lei e se servindo a justiça.
III - Entende assim o Arguido que o Tribunal, ao recusar a aplicação do regime penal especial para jovens violou a Lei, nomeadamente o art.º 4° do Dec.-Lei 401/82 e, ao fixar-lhe a pena concreta de 11 anos de prisão, violou os art.ºs 73° e 74° do C.P.
IV - Decidiu o Tribunal não aplicar o regime especial com o fundamento de que, in casu, se fazem "... sentir particulares exigências de prevenção da criminalidade e de defesa da sociedade", invocando a necessidade de prevenção da criminalidade "... ligada aos estabelecimentos de diversão nocturnos, à existência de grupos de jovens que banalizam a agressividade e a falta de respeito do próximo, ...".
V - O Tribunal interpretou a norma do art. 4° do Dec.-Lei 401/82 no sentido de que o regime da atenuação especial só é de aplicar quando seja de prever que ela terá efeitos socializantes positivos e facilitará a inserção social do jovem delinquente, impondo-se por isso a ponderar a personalidade do agente, o seu comportamento anterior e posterior ao crime, a natureza e gravidade do ilícito praticado e todo o circunstancialismo que rodeou o seu cometimento.
VI - Apesar de citar e transcrever parcialmente o Douto Acórdão STJ de 14/11/02 e apesar de reconhecer que o direito penal especial para jovens é um direito que tem uma vertente mais reeducadora do que sancionadora, o Tribunal acaba por opinar, contraditoriamente com aquela Jurisprudência, que esta vertente reeducadora tem de ceder perante os "interesses fundamentais da sociedade".
VII - O art. 4° do Dec.-Lei 401/82 impõe ao juiz o dever de atenuar especialmente a pena de prisão e o preâmbulo da lei explica que esta visa "exigir" que a pena seja sempre especialmente atenuada quando o crime é cometido por um jovem delinquente.
VIII - O único limite legal deste dever de atenuação especial é a inexistência de sérias razões para o julgador crer que da mesma resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
IX - Ou seja, ao contrário do defendido pelos Meritíssimos Juízes, a decisão de atenuação especial não depende da culpa do agente nem das exigências de prevenção geral, mas tão só e exclusivamente a verificação de sérias razões para crer que daquela resultem vantagens para a reinserção social do jovem.
X - Portanto, não é o "modo como os actos decorreram", nem quaisquer "particulares exigências de prevenção da criminalidade e de defesa da sociedade" que podem legitimamente levar o tribunal a decidir pela não aplicação da atenuação especial.
XI - O Douto Acórdão é totalmente omisso quanto à análise ou ponderação de "... sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
XII - E contudo, os autos têm elementos probatórios mais do que suficientes, certos e seguros, para que o tribunal ficasse plenamente convencido de que essas sérias razões existem e se verificam, nomeadamente as expressamente referidas sob Facto provado 13.
XIII - Factos relevantes, dados por provados e expressamente referidos no Douto Acórdão, os quais por si só são reveladores de que o Arguido é um jovem, que há data dos factos tinha 17 anos de idade, que está totalmente integrado no seu meio familiar e social, que sempre foi um bom filho, um bom estudante, com aproveitamento escolar total, com perspectivas de futuro profissional concretas, um cidadão cumpridor e que nunca antes havia delinquido ou tido problemas com a justiça.
XIV - Ou seja, os factos apontam, de forma segura, que o crime foi um episódio totalmente inesperado e trágico na vida do Arguido, em nada condizente com esta e com todo o seu percurso pessoal e social até então e que são suficientes para configurar as tais "sérias razões" necessárias para o tribunal acreditar que da atenuação especial da pena só podem resultar vantagens para a reinserção social do Arguido.
XV - O Douto Acórdão refere-se repetidamente ao fenómeno da criminalidade violenta de grupos e gangues e à pressão social no sentido de haver uma "forte resposta", deixando perpassar a ideia de que o Arguido seria um membro de um daqueles e que, face ao alarme social que tais grupos tem vindo a provocar, os tribunais têm de agir com "mão pesada", condenando a fortes penas de prisão, como forma de dissuasão e de prevenção geral.
XVI - O relatório social e os factos provados relativos à personalidade do Arguido desmentem totalmente tal facto e ou indiciam, de forma segura, que o crime foi um episódio trágico, totalmente atípico e inesperado na vida do Arguido e que, sendo-lhe aplicada uma pena justa, especialmente atenuada, este ficará plenamente apto a regressar à convivência social e a retomar a sua vida de forma ordeira e cumpridora, tal como sempre fez.
XVII - A pena aplicada de onze anos de prisão ao Arguido, que é um jovem que tinha 17 anos de idade à data dos factos, em nada poderá contribuir para a sua reinserção social, dada a sua medida excessiva, fortemente estigmatizante pelo seu peso e longa duração, que só poderá resultar em desvantagens e inconvenientes para a sua reeducação.
XVIII - Atendendo assim a que existem sérias razões para crer que da atenuação da pena resultarão vantagens seguras para a reinserção social do Arguido, deve esta, em cumprimento do disposto no art. 4° do Dec.-Lei 401/82, ser atenuada especialmente nos termos dos artigos 73° e 74° do Código Civil e, como tal, fixada em quatro anos de prisão.
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O Excm.º P.G.A. no Supremo pronunciou-se, em circunstanciado Parecer, pela manutenção do crime de homicídio como simples: «...Ora, as circunstâncias reveladas pela matéria de facto provada são a meu ver algo escassas para permitirem tal juízo.
Com efeito, apenas se apurou que em determinada hora e local arguido e o ofendido se envolveram numa contenda no decurso da qual o arguido munido de uma navalha desferiu sete facadas ao ofendido causadoras de lesões físicas devidamente descrita que foram causa directa e necessária da morte do ofendido.
Provou-se ainda, na parte que agora interessa, que o arguido agiu do modo descrito, conjugando e concertando a sua conduta, com a intenção de matar o ofendido, propósito que logrou alcançar e que fazia parte de um grupo de jovens que em momento anterior se envolvera em agressões físicas com pessoas das relações do ofendido, um dos quais fora atingido com o copo na cara, e que o arguido actuou por razões de mera vingança.
Pode então dizer-se que se é certo que no caso vertente o arguido quis tirar a vida da vítima com utilização de uma arma e com uma persistência que denota a existência de um dolo directo e intenso, também não pode deixar de ter em conta o contexto em que se produziu o crime (após a existência de agressões entre dois grupos de que resultou ferimentos num dos amigos do arguido e no decurso de contenda entre arguido e ofendido, ocorrendo tudo num espaço de tempo relativamente curto).
Tanto quanto é possível depreender dessa mesma matéria de facto, o lapso de tempo em que foi formulada e concretizada a intenção de matar não reflecte a existência de calma, reflexão ou sangue-frio na preparação do ilícito e, seguramente por falta de prova, a carência da própria descrição factual, nem sequer permite saber o circunstancialismo exacto em que decorreu a agressão, se foi pelas costa e traiçoeira, se houve alguma reacção ou essa reacção foi impossibilitada pelo ataque de surpresa, ou mesmo se o arguido procurou através da surpresa uma diminuição da capacidade de defesa de vítima etc., tudo circunstâncias que enfim poderiam justificar aquele "plus" necessário à agravação do ilícito.
Assim, ainda que os factos mostrem que o arguido agiu com ilicitude e culpa elevadas, quer pelo modo de actuação, quer pela intensidade do dolo, tal não imporá a afirmação da sua especial censurabilidade ou...
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