Acórdão nº 813/09.8YXLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução08 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - O Ministério Público propôs, ao abrigo do disposto nos artigos 24º e seguintes do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, a presente ação inibitória contra: AA, S.A.

Alegou, em síntese, que: A cláusula segunda n.º4 onde os clientes renunciam a qualquer ação contra o AA é absolutamente proibida nos termos do artigo 21.°, alínea h), do Dec-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, já que exclui ou limita de antemão a possibilidade dos consumidores/aderentes requererem tutela judicial por quaisquer situações litigiosas que possam surgir entre os contratantes.

A cláusula oitava n.º1 onde se estipula que “O AA poderá declarar vencidas todas as obrigações (…) sempre que se verifique (…) o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos; (…) omissão de informação por parte do Cliente, bem não pagamento por parte do Cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras Instituições de Crédito.” provoca um desequilíbrio desproporcionado em detrimento dos aderentes/consumidores, penalizando-os gravemente com a resolução do contrato e com o vencimento das suas prestações, quer em situações que podem não revestir especial gravidade, quer em situações de todo em todo alheias ao contrato em questão, quer ainda quando a Ré entenda que os consumidores/aderentes tenham omitido qualquer informação, sendo, portanto, uma cláusula nula nos termos dos artigos 15.º e 16° do Dec. Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, por ofensiva dos valores fundamentais do direito, defendidos pelo princípio da boa fé.

A cláusula décima segunda, n.° 2 que estabelece que : “Serão (…) da exclusiva responsabilidade do Cliente todas as despesas ou encargos inerentes à execução do presente contrato as quais, a título de cláusula penal. se fixam desde já em 12,5% (doze e meio por cento) sobre o valor em dívida.” é abusiva por inviabilizar qualquer relação causal entre as despesas e aquela indemnização e por conseguinte viola “valores fundamentais do direito”, como o princípio da boa fé consagrado nos artigos 15° e 16°, alínea a), do mesmo diploma legal.

Pediu, em conformidade: 1. A declaração de nulidade das cláusulas 2.ª, n.º 4, 8.ª , n.º 1 e 12.ª, n.º 2 inseridas nos contratos intitulados “Financiamento Para Aquisição a Crédito” que no exercício da sua atividade a ré celebra com os seus clientes.

  1. A condenação da ré a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais acima referidas em todos os contratos que no presente e no futuro venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição.

  2. A condenação da Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade; 4. A remessa ao Gabinete de Direito Europeu de certidão da sentença.

    Contestou a ré, sustentando o seguinte: Quanto à cláusula segunda, o contrato de aquisição de bens que é celebrado aquando do contrato de mútuo, em causa, nesta ação é distinto e autónomo, não tendo o réu qualquer acordo de colaboração e/ou exclusividade com os fornecedores de bens ou prestadores de serviço que permita concluir pela existência de uma coligação funcional que faça impender sobre o réu a responsabilidade emergente de tal contrato, pelo que os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços emergentes do contrato de compra e venda ou prestação de serviços não podem ter qualquer influência no contrato de crédito, nem o Réu poderá ser responsabilizados por eles.

    No que se refere à cláusula oitava, n.º 1, a cláusula não é desproporcionada em virtude de prevenir as situações graves que podem levar à rutura do contrato.

    Relativamente à cláusula 12.º, n.º 2 está em causa uma verba desprovida de qualquer relação com as despesas em causa que torne impossível, numa perspectiva abstrata formular qualquer juízo de proporcionalidade, pois a “pré-fixação” é efetuada em função do montante em dívida e só este é suscetível de provocar tais despesas e honorários.

    Por fim e sem prescindir pede seja julgado improcedente o pedido de condenação a dar publicidade à sentença, se nesta forem declaradas nulas algumas cláusulas, por considerar uma pena desproporcionada.

    II – A ação prosseguiu e foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: “Nestes termos e com os fundamentos expostos, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência: 1. Declaro nulas as seguintes cláusulas do “Contrato de Financiamento Para Aquisição a Crédito” usado pela Ré: - A cláusula segunda, n° 4° sob a epígrafe “Período de Reflexão, Direito de Revogação e Renúncia”, com o seguinte teor: “4. Os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços vendidos, que os desvalorize ou impeça a realização do fim a que são destinados, ou que não tiverem as qualidades asseguradas pelo Fornecedor identificado nas Condições Particulares ou necessárias para aquele fim, serão resolvidas entre este e o Cliente, renunciando desde já o Cliente a qualquer acção contra o AA.” - A cláusula oitava, n° 1 do contrato-tipo, sob a epígrafe “Vencimento antecipado”, com o seguinte teor: “1. O AA poderá declarar vencidas todas as obrigações decorrentes do contrato, e exigir o pagamento de todos os valores em débito, sempre que se verifique nomeadamente o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos; a inexactidão intencional ou omissão de informação por parte do Cliente, bem como o não pagamento por parte do Cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras Instituições de Crédito.” - A cláusula décima segunda, n° 2°, do contrato-tipo, sob a epígrafe “Despesas e Encargos “, que estipula o seguinte: “2. Serão, de igual modo, da exclusiva responsabilidade do Cliente todas as despesas ou encargos inerentes à execução do presente contrato e que o AA, S.A. faça para garantir a cobrança dos seus créditos, incluindo as judiciais, extra-judiciais, honorários de advogado, solicitador e procurador, bem como a subcontratação de serviços a terceiras entidades, as quais. A título de cláusula penal. se fixam desde já em 12.5% (doze e meio por cento) sobre o valor em dívida.” 2. Condeno a Ré a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais acima referidas em todos os contratos que no presente e no futuro venha a celebrar com os seus clientes (art. 30.º, n.º 1, do Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Outubro, na redacção introduzida pelo Dec-Lei no 220/95, de 31 de Agosto); 3. Condeno a Ré a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, a efectuar em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85 na redacção vigente), de tamanho não inferior a ¼ de página.

  3. Determino que após trânsito se dê cumprimento ao disposto no art. 34.º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Política Legislativa certidão da sentença.” III – Pede revista, per saltum, a ré.

    Restringiu o objeto do recurso à decisão sobre as cláusulas segunda, n.º4 e oitava n.º1.

    E concluiu as alegações como segue: A. É inquestionável que a presente acção é uma acção inibitória, proposta pelo Ministério Público, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 446/85; B. Tal acção tem por escopo, obter a condenação do Banco Recorrente, na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares - artigos 25.º e 26.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85; C. Pretende-se, assim, prevenir que as cláusulas contratuais gerais objecto de proibição por decisão transitada em julgado, não possam ser incluídas em contratos que o Banco Recorrente venha a celebrar no futuro, nem continuar a ser por este recomendadas; D . Na presente acção inibitória está em causa a aplicação da Cláusula Segunda n.º 4 (“Período de Reflexão, Direito de Revogação e Renúncia”) e a Cláusula Oitava, n.º 1 (“Vencimento Antecipado”), predisposta pelo Banco Recorrente, nos “Contratos de Financiamento para Aquisição a Crédito”, que celebra com os seus Clientes, na redacção do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro; E. Pela referida Cláusula Segunda n.º 4, o Banco Recorrente exclui a sua responsabilidade quanto à construção, instalação, funcionamento ou rendimento do bem financiado; F. Fá-lo por entender que os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços emergentes do contrato de compra e venda ou prestação de serviços, não podem ter qualquer influência no contrato de crédito, nem o ora Recorrente poderá ser responsabilizado por eles; G. O não cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda implica responsabilidade contratual nos termos gerais, levando à aplicação das regras do não cumprimento (artºs 798.º e segs. do C.C.); H. Trata-se, por via de regra, de um facto ilícito e culposo, presumindo-se a existência de culpa relativamente ao não cumprimento por parte de qualquer dos intervenientes, tanto do comprador como do vendedor (art.º 799.º, n.º 1); I. Ora, nos termos do artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, deverá ser observado, o que as partes convencionaram no contrato e o que vem prescrito na lei.

    J. Resulta do exposto, que o Recorrente não pode ser chamado a responder, pelos vícios dos bens ou serviços vendidos, que os desvalorize ou impeça a realização do fim a que são destinados, ou que não tiverem as qualidades asseguradas pelo vendedor do bem financiado, devendo o Cliente, atento o disposto, no n.º 2, da Cláusula 12.º, do DL n.º 359/91, de 21/09, demandar previamente o vendedor, o que indicia «a priori»...

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