Acórdão nº 2076/04.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução24 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A associação denominada AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado Português e a Casa Pia, alegando, em síntese, ter sido fundada em 26/05/26, com aprovação oficial do Governador Civil de Lisboa e reconhecida em18/02/46, como a.................., por despacho ministerial de 2/03/46; em 1949, foram promulgados a Lei 2033 de 27/6 e o DL 37045 de 8/9, que se ocuparam da regulamentação do exercício do ensino particular, determinando o referido decreto lei que as associações que tivessem actividades de carácter pedagógico ou científico deveriam submeter os seus estatutos à homologação do Ministro da Educação Nacional, o que aconteceu com os estatutos da autora, cuja aprovação/homologação foi recusada por despacho ministerial de 19/06/53, que homologou o parecer anterior do Conselho Permanente da Acção Educativa, datado de 3/06/53, contrário à aprovação dos estatutos da autora, após o que se seguiu outro despacho do Senhor Sub-Secretário da Educação Nacional, de 18/11/53, que considerou ilegal o funcionamento da AA e, finalmente, o despacho de 27/06/62, do Ministro do Interior, determinando o encerramento das instalações da F..... e o arrolamento dos seus bens, relegando para decisão futura o destino a dar a estes últimos, não tendo, porém, nenhum destes despachos dissolvido a F....., dissolução essa que só poderia ocorrer nos termos dos artigos 4o e 5o do D. L 39660 de 20/05/54.

Mais alegou que, depois do 25 de Abril de 1974, a F..... manteve a sua actividade e outorgou uma escritura pública em 21/03/83 para alteração dos seus estatutos, tendo possuído cartão de pessoa colectiva desde 4/07/83 até 31/03/88, - pelo que a associação que se veio a constituir em 1986, com o mesmo nome de AA, não é a autora e o seu nome é ilegal.

Alegou também que, mesmo que se entenda que a F..... de 1926 está extinta, sempre haveria que reconhecer a personalidade jurídica dos seus órgãos sociais, ao abrigo do artigo 184º do CC, para os actos conservatórios necessários para a liquidação do seu património e que a mesma é dona de bens móveis e de dois imóveis, tendo, no arrolamento de 1962, sido entregue um desses imóveis a uma depositária, a ora ré Casa Pia de Lisboa, a qual, em 27/01/98, outorgou escritura pública de justificação notarial desse imóvel, onde falsamente declarou ser possuidora do mesmo, quando este pertence à ora autora, que nunca desistiu de recuperar o seu património, sendo a Casa Pia uma mera detentora ou possuidora precária, nunca tendo havido inversão do título de posse antes de 1998, não se verificando por isso a usucapião.

Esclareceu ainda que, em 1999, foi intentada acção de impugnação judicial da escritura de 1998 por outra associação, com o mesmo nome da A., constituída em 1986, que desistiu do pedido, sendo, porém, tal associação entidade juridicamente diferente da ora autora.

Concluiu pedindo que: - seja declarada a existência legal da AA constituída em 26 de Maio de 1926; - seja julgada nula a escritura notarial celebrada em 1998; - seja declarada a AA, constituída em 1926, proprietária do prédio entregue à Casa Pia de Lisboa, condenando-se esta e o Estado Português a restitui-lo à autora; - seja o Estado Português condenado a restituir o restante património da F..... arrolado e que consiste no outro imóvel, respectivo recheio e demais bens móveis constantes do arrolamento.

Subsidiariamente, pediu a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de 1 250 000,00 €, a título de enriquecimento sem causa.

O réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou, arguindo as excepções de incompetência absoluta do Tribunal, de ineptidão da petição inicial e de cumulação ilegal de pedidos, de caso julgado, de falta de patrocínio judiciário , de falta de personalidade e de falta de capacidade judiciária da autora, alegando, quanto a estas, que a F..... foi extinta em 31/08/88, como resulta de informação do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, tendo a F..... "original" sido administrativamente ilegalizada em 1962, sem que tenha havido impugnação contenciosa desta decisão, não cabendo os pedidos formulados pela autora nas funções ainda permitidas pelo artigo 184° do CC; mais invocou a prescrição de qualquer direito a indemnização, a caducidade do direito de invocar a invalidade da escritura de justificação e a aquisição por usucapião dos bens reclamados.

Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção e a absolvição da instância ou do pedido.

A ré Casa Pia contestou, arguindo as excepções de caso julgado e de ilegitimidade activa e passiva e alegando, em síntese, que a F....., a quem pertenceram os prédios reclamados, foi extinta em 1962 e que a contestante desde esse ano que exerce a posse sobre aquele que lhe foi entregue, tendo adquirido o direito de propriedade por usucapião.

Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção e absolvição da instância ou do pedido.

A autora replicou, opondo-se às excepções deduzidas, e ampliou o pedido, pedindo o cancelamento do registo de extinção da F...... O réu Estado Português opôs-se à ampliação do pedido.

A fls. 435, foi formulado pela A. o pedido consequencial de cancelamento das inscrições no registo predial, existentes a favor da R.

Após os articulados, foi proferido despacho que admitiu a ampliação do pedido e que julgou improcedente a excepção de incompetência material do tribunal; e, após ter suspendido a instância ao abrigo do artigo 97° do CPC, para serem submetidas à apreciação dos tribunais administrativos as questões relacionadas com a validade dos actos do Estado Português, aceitou a competência para decidir essas questões, por não ter sido intentada a acção nos tribunais administrativos no prazo fixado.

Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de cumulação ilegal de pedidos, de ilegitimidade activa e passiva e de falta de patrocínio judiciário, procedente a excepção de erro na forma do processo quanto ao pedido de cancelamento do registo de extinção da autora - relegando para final o conhecimento das excepções de falta de personalidade e de capacidade judiciária da autora e de caso julgado, bem como das demais excepções peremptórias.

Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções e improcedente a acção, absolvendo os réus de todos os pedidos.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, impugnando, desde logo, o despacho que havia procedido à selecção da matéria de facto, na fase de saneamento e condensação, bem como a decisão proferida sobre a matéria de facto, no termo da audiência final; ambas as impugnações foram tidas por improcedentes, designadamente – no que concerne à deduzida sobre a matéria de facto apurada em audiência – por não terem sido adequadamente cumpridos os ónus impostos pela lei de processo ao recorrente que pretende pôr em causa o decidido em sede de livre apreciação das provas.

    No que respeita às questões de direito versadas na alegação da recorrente, foi a seguinte a apreciação feita pela Relação, para confirmar inteiramente o decidido em 1ª instância: Se a F..... constituída em 1926 está ou não extinta (personalidade e capacidade judiciária da autora).

    A sentença recorrida entendeu que a F..... constituída em 1926 se encontra extinta, sendo a ora autora uma associação diferente, embora com o mesmo nome.

    Já na tese da apelante F....., esta é a mesma F..... que foi constituída em 1926 e que nunca chegou a ser extinta.

    Façamos então uma síntese breve dos factos provados relevantes para a apreciação desta questão.

    Em 26 de Maio de 1926 foi fundada uma associação com o nome de "AA" (F.....), cujos estatutos foram aprovados na mesma data e obtiveram aprovação oficial do alvará do Governador Civil de Lisboa.

    Por despacho ministerial de 18 de Fevereiro de 1946, a F..... é reconhecida como a...................

    Mais tarde, foram os estatutos da F..... submetidos à homologação do Ministro da Educação Nacional, na sequência do que foi emitido parecer do Conselho Permanente da Acção Educativa, datado de 3 de Junho de 1953, contrário à aprovação dos estatutos, parecer este que foi homologado por despacho ministerial de 19 de Junho de 1953, o qual recusou a aprovação dos mesmos estatutos.

    Em 18 de Novembro de 1953 foi proferido despacho pelo Sub-Secretário de Estado da Educação Nacional ordenando o encerramento da F..... por a mesma não ter existência legal.

    Deste despacho de 18 de Novembro de 1953 a F..... interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que lhe negou provimento, por considerar que esse mesmo despacho era mero efeito e execução do despacho de 19 de Junho de 1953, que não havia sido impugnado.

    Com base no despacho de 18 de Novembro de 1953 e com base numa informação que se reportava a um requerimento da F....., de 3 de Outubro de 1953, no sentido de lhe ser homologado um projecto que atestava que a mesma ainda se encontrava a funcionar, o Ministério do Interior mandou proceder ao imediato encerramento da sede da F..... com aposição de selos na sua sede.

    Em 26 de Maio de 1960, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República aprovou um parecer, no qual entende que "pode ser dissolvida, ordenando-se a venda dos respectivos bens em proveito da assistência pública, a associação que, não tendo obtido aprovação dos seus estatutos, exigida por lei, e havendo sido suspensa a sua actividade com encerramento policial da sua sede, prossegue, não obstante, essa actividade no domínio do Decreto-Lei n°39 660 de 20/05/54".

    Em 27 de Junho de 1962 foi proferido um despacho pelo Ministro do Interior que, com base nos anteriores anima mencionados, determinou o arrolamento de todos os bens da F..... e ordenou o cumprimento do disposto no artigo 4o da Lei 1901 de 21/05/35, na sequência do que foi cumprido o encerramento das instalações da F..... e o arrolamento...

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