Acórdão nº 07B4692 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelBETTENCOURT DE FARIA
Data da Resolução09 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA moveu a presente acção ordinária contra BB e marido CC e contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo que os réus fossem condenados a, solidariamente, pagarem-lhe a quantia de € 276.035,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, derivados dum acidente de viação ocorrido quando era transportada gratuitamente como passageira num veículo automóvel, conduzido pela 1º ré e propriedade do 2º réu.

Alegou que tal acidente foi causado pela condução negligente da 1ª ré e do condutor de um outro veículo que não chegou a ser identificado, sendo certo também que o veículo onde se fazia transportar não tinha, à data, seguro válido, cobrindo a responsabilidade civil pelos danos que pudesse causar.

Apenas contestou o FGA, que impugnou os factos, questionou o montante exagerado das quantias peticionadas por alguns dos danos e a ressarcibilidade de outros, acabando por invocar a franquia legal, que, a proceder a acção, sempre teria de ser descontada no montante dos danos patrimoniais.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação entendido que o acidente fora devido a culpa da condutora, onde aquela se fazia transportar e, consequentemente, julgando parcialmente procedente o recurso, condenou a 1ª ré e o FGA a pagarem à autora a quantia de € 161.972,56, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação. Mais absolveu do pedido o 2º réu.

Recorrem, agora o réus FGA e a autora, os quais, nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões: recurso do réu FGA 1 A alteração pela Relação da resposta ao quesito 11º de "não provado" para "provado" traduz errada apreciação dos documentos juntos aos autos e de incorrecta aplicação da lei, com violação do disposto nos artºs 7º e 8º do DL 142/00 de 15.07 e 342º do C. Civil.

2 Na data do acidente o condutor do veículo BV tinha um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº 7066244, que garantia a responsabilidade civil pelos danos provocados a terceiros, emergentes da circulação desse veículo.

3 A Seguradora - Companhia de Seguros Mundial Confiança - informou ter resolvido esse contrato, com efeitos a partir de 15.08.99, por falta de pagamento do respectivo, mas não juntou aos autos a carta enviada ao tomador do seguro, a que alude o artº 4º nºs 1 e 2 do DL 105/94 de 23.04, alegadamente por já o não poder fazer.

4 A existência do contrato de seguro prova-se com a apólice e actas respectivas, ou mediante qualquer das situações previstas no artº 20º do DL 522/85 de 31-12, isto é, prova-se apenas por documento escrito, pelo que aquela resposta da Relação ao quesito 11º traduz ofensa de disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixa a força de determinado meio de prova (artº 722º nº 2 do C. P. Civil), sendo fundamento de revista.

5 Era sobre a autora lesada que impendia o ónus de provar os pressupostos da obrigação de indemnizar por parte do FGA, incluindo o de que o veículo circulava sem cobertura de nenhuma apólice de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e que era um dos elencados no artº 21º daquele DL 522/85.

6 O tribunal a quo, face à prova de que o réu CC é o proprietário do veículo causador do sinistro e sujeito da obrigação de segurar, deveria ter julgado a acção também procedente contra este réu, condenando-o, nos precisos termos em que condenou a ré BB e o FGA, como decorre do disposto no nº 3 do artº 25º do citado DL 522/85.

7 Não o fazendo, violou o dito tribunal o disposto nos artºs 2º, 20º,21º,25º e 29º deste DL e o artº 567º do C. P. Civil 8 A indemnização de € 100.000,00, atribuída à autora a título de danos patrimoniais futuros, é excessiva, devendo ser fixada, segundo a equidade, em € 40.000,00.

9 Ao fixá-lo naquele montante, a Relação violou o disposto nos artºs 483º, 562º e 564º nº 2 do C. Civil.

10 A indemnização arbitrada à autora, a título de danos não patrimoniais por ela sofridos, não deveria, em juízo de equidade, ultrapassar € 10.000,00.

11 Com a sua fixação em montante superior, o acórdão recorrido violou os artºs 483º, 562º nº 2 e 493 nº 3 do C. Civil.

12 A título de compensação pelo sofrimento da perda do filho, é justo e adequado, em critétio de equidade, atribuir à autora a quantia de € 5.000,00.

13 Ao entender justificado um montante superior, o acórdão recorrido violou os artºs 483º, 562º, 566º nº 2 e 496º nº 3 do C. Civil.

14 Quando o valor da indemnização se reporta à data da sentença de 1ª instância, como no caso em apreço, apenas são devidos juros de mora a partir dessa data e não desde a citação.

15º A decisão recorrida violou, neste particular, os artºs 566º e 805º nº 3 do C. Civil.

recurso da autora 1 O artº 24ºda Constituição protege o direito à vida e integridade física e psíquica do ser humano, englobando nessa protecção o nascituro.

2 A ofensa do direito à vida intra-uterina constitui um facto ilícito gerador de responsabilidade.

3 Para reparar a perda do direito à vida do filho nascituro da autora é ajustada a quantia de € 50.000,00.

4 Deve ser fixada no montante peticionado a indemnização para reparar o sofrimento do filho da autora entre a data do acidente e a morte.

5 A não se entender assim, ou seja, que o artº 66º do C. Civil o não permite, será tal interpretação materialmente constitucional, porque ofensiva do disposto no artº 24º da Lei Fundamental.

6 O montante da indemnização pelo dano patrimonial futuro a atribuir à autora não deve ser inferior a € 150.000,00, provado que esta ficou com uma incapacidade de 10% para o trabalho em geral e de 50% para o exercício da profissão que exercia.

7 Deve ser atribuída à autora uma indemnização autónoma pelo dano estético, de afirmação pessoal e sexual, não inferior a € 45.000,00.

8 Às peticionadas indemnizações devem acrescer juros legais desde a citação.

9 O acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 66º e 483º do C. Civil e 24º da Constituição da República.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II As instâncias deram por assentes os seguintes factos, consideradas já as alterações introduzidas pela Relação: 1 No dia 07.11.99, pelas 5H15M, na EN nº 15, em Marecos, concelho de Penafiel, a ré BB conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, Citroen AX, de matrícula ...-...-BV, no sentido Paredes-Penafiel.

2 Ao chegar próximo do km 29,3 da EN 15, a ré saiu da hemi-faixa direita por onde circulava, atento o seu sentido de marcha, entrando na berma direita e seguindo pela ravina abaixo existente desse lado da berma e indo embater numa árvore existente ao fundo da mesma ravina, onde o veículo ficou imobilizado.

3 Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o piso estava seco, estava nevoeiro, a estrada era alcatroada e a faixa de rodagem tinha 6,40 metros de largura.

4 A autora seguia como passageira, gratuitamente, ao lado da condutora.

5 O veículo de matrícula ...-...-BV, à data do acidente, pertencia ao réu CC.

6 O réu CC autorizou a ré BB a conduzir esse veículo, visando o transporte desta para casa, depois de uma noite de trabalho num pub/bar, "Convívio", sito em Frazão, Paços de Ferreira, que ambos exploravam com o intuito de lucro.

7 A autora, sendo empregada dos réus CC e BB como animadora do "Convívio", regressava a casa depois de uma noite de trabalho.

8 A ré BB estivera a trabalhar na discoteca denominada "Convívio".

9 A ré BB não conseguiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, entrando na berma e seguindo por uma ravina abaixo, quando lhe apareceu um veículo em sentido contrário.

10 O condutor que circulava em sentido contrário não parou, não permitindo a sua identificação.

11 A autora foi transportada para o Hospital de Padre Américo - Vale do Sousa - e deste para o Hospital de S. João, no Porto.

12 No Hospital de S. João do Porto, foi a autora submetida, de urgência, a tratamentos, exames auxiliares de diagnóstico e análises, mormente a uma operação cirúrgica (cesariana), para remoção do feto de seu filho, que falecera em consequência do acidente e que estava morto no seu ventre.

13 Depois, foi a autora transferida de novo para o hospital de Padre Américo - Vale de Sousa, onde veio a ser objecto de tratamentos, análises e intervenções cirúrgicas à anca, às duas pernas e ao braço esquerdo.

14 Mais tarde, veio a ser novamente operada no mesmo hospital, para retirar o material de osteossíntese que havia sido implantado nas pernas.

15 A autora andou 414 dias em tratamento ambulatório, fez 64 viagens de ambulância de Paços de Ferreira ao hospital de Penafiel e vice-versa e esteve 32 dias internada no Hospital.

16 Ficou com as seguintes sequelas: cicatriz na face externa do braço esquerdo, no seu terço superior, medindo cerca de 3 cm por 1 cm de superfície; cicatriz na face externa da raiz da coxa direita, rectilínea, de direcção vertical, medindo cerca de 14 cm de comprimento por 0,5 cm de largura; cicatriz na face externa do terço distal da coxa direita rectilínea, de direcção vertical, medindo cerca de 9 cm de comprimento; cicatriz na face anterior do joelho direito, de direcção horizontal, medindo cerca de 4 cm de comprimento; cicatriz na face externa da raiz da coxa esquerda, de direcção vertical, medindo cerca de 13 cm de comprimento; cicatriz na face externa do terço médio da coxa esquerda, de direcção vertical, medindo cerca de 5 cm de comprimento; cicatriz na face externa do terço distal da coxa esquerda, de direcção vertical, medindo cerca de 3,5 cm de comprimento; cicatriz na região púbica, de direcção horizontal, medindo cerca de 11 cm de comprimento; encurtamento aparente do membro inferior direito de cerca de 1,5 cm, quando comparado com o contra lateral, ambos medidos entre a espinha ilíaca antero-superior e o maléolo interno; sobreponível mobilidade dos diferentes segmentos...

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