Acórdão nº 08B2720 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução09 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 7 de Abril de 2005, contra C... de S... -S... A..., Ldª, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração de nulidade de identificado contrato de compra e venda de um veículo automóvel e a condenação da ré a restituir-lhe o preço no montante de € 67 500, acrescidos de juros e em indemnização baseada na má fé.

Motivou a sua pretensão na compra à ré do veículo automóvel com a matrícula nº ...-...-..., no pagamento de € 34 250 e na entrega de duas viaturas com as matrículas nºs ...-...-... e ...-...-..., com o valor global de € 33 250, na pertença do veículo a C... - Banco de C... ao C..., SA e na sonegação da informação sobre o veículo.

A ré, citada no dia 14 de Julho de 2005, invocou, em contestação, a incompatibilidade entre o pedido de nulidade e de anulabilidade do contrato de compra e venda, e referiu ter adquirido o veículo a C... S... e & J... P..., SA, sem saber que os documentos estavam em poder de terceiro ou que havia locação financeira registada, e chamou aquela a intervir acessoriamente a seu lado.

A autora, na réplica, afirmou não haver incompatibilidade de pedidos, por virtude de só ter formulado um.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença no dia 19 de Abril de 2007, por via da qual foi declarada a nulidade do contrato, e condenada a ré a pagar ao autor € 67 500 e juros à taxa anual de 4%, e ainda a quantia de € 2 500 a título de indemnização.

Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 1 de Abril de 2008, negou-lhe provimento.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a responsabilidade pela restituição integral do preço não recai sobre a recorrente, mas sobre a chamada, que agiu como se proprietária fosse do veículo, sem conhecer que ela não era a sua proprietária; - pagou-lhe o preço do veículo e ficou a aguardar a entrega dos documentos por ela prometida, e porque, quando os recebeu, os entregou ao recorrido, que depois disso foi desapossado por C... SA, é esta que lhe deve restituir o preço; - não estamos perante venda de bens alheios, prevista no artigo 892º e seguintes do Código Civil, mas face ao regime especial do direito mercantil do artigo 467º do Código Comercial, não tem a recorrente de restituir o preço, antes se sujeitando a indemnização por perdas e danos, nem o recorrido pode anular o contrato; - adquiriu a viatura legitimamente, sendo que a compra e venda de veículo automóvel não está sujeita à forma escrita; - como a chamada não contestou os factos da compra e venda da viatura, que só ela deles conhecia, deve este contrato ser dado como provado, adquirindo a recorrente a propriedade dela por mero efeito do contrato; - como isso não foi provado, há erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, violando-se o artigo 490º, nº 2, do Código de Processo Civil, do que se deve conhecer no recurso, nos termos do nº 2 do artigo 722º daquele diploma; - por virtude do regime de direito comercial, o comprador não pode anular o contrato, só podendo reagir contra o vendedor pelo facto de este não cumprir a sua obrigação contratual de aquisição e entrega do veículo; - proprietária do veículo após a sua compra à chamada, tinha legitimidade para o vender ao recorrido, sendo essa a sua legítima convicção, por desconhecer que ele não pertencia à chamada; - como adquiriu, pagando o preço, a viatura de forma titulada por contrato de compra e venda e de boa-fé a quem não era seu legítimo proprietário, a recorrente e o recorrido são terceiros de boa fé, não justificando a sua falta de zelo, ao não confirmar previamente os elementos constantes dos documentos da viatura a conclusão de que estava de má fé; - ao desconhecer que através da compra da viatura lesava o direito da C..., SA, a sua posse até vender o veículo ao recorrido era de boa fé; - o recorrido não tem direito a indemnização por danos não patrimoniais, porque o receio de apreensão do veículo só por si não merece tutela, porque dele não resulta um prejuízo efectivo; - a considerar-se que o dano do recorrido decorrente da diminuição do património, deve ter-se em conta, para uma justa e equitativa avaliação de prejuízo, o proveito que o recorrido retirou do veículo no tempo que dele usufruiu; - a recorrente deve ser absolvida do pedido nos termos dos artigos 1301º do Código Civil e 467º, nº 2, § único do nº 2 do Código Comercial, ou do pedido de indemnização, nos termos dos artigos 483º, 496º e 894º, nº 2, do Código Civil.

Respondeu o recorrido, em síntese útil de conclusão: - a recorrente intitulou-se vendedora e declarou isso para efeito de apresentação à autoridades policiais de transito sete meses depois da venda, sem que tivesse apresentado os respectivos documentos, não obstante a sua solicitação exaustiva; - ela sabia que tais documentos não tinham sido apresentados a registo a favor do recorrido e que a propriedade estava registada a favor de terceiro com encargo de locação financeira em nome de outrem; - ela vendeu automóvel alheio, pois bem sabia que não lhe pertencia, assumindo-se como proprietária do veículo, omitindo a verdade quanto à situação deste, com o objectivo, de má fé, de se locupletar à custa alheia, o que configura enriquecimento sem causa; - aquando da alegada entrega da documentação do veiculo, sabia a recorrente estar a enganar o recorrido, que estava de boa fé, pois o registo do veiculo a seu favor não existia, o que ela bem o sabia; - para além da privação do uso do veículo desde a sua apreensão, sempre manifestou à recorrente a sua preocupação e receio pelo facto de os documentos do veículo lhe terem sido sonegados e ela afirmava estar a documentação em repartições públicas em fase de concretização; - ficou sem o dinheiro e as viaturas que entregou, sofreu o trauma da apreensão do veiculo e não mais dele usufruiu, não há lugar à redução do preço, devendo manter-se o acórdão recorrido.

II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, segundo a respectiva ordem lógica e cronológica: 1. A ré uma sociedade comercial por quotas, de responsabilidade limitada, e tem como principal actividade ou objecto a "compra e venda de automóveis novos e usados, reparação e montagem de acessórios".

  1. O veiculo automóvel com a matrícula nº ...-...-... era objecto do contrato de locação financeira nº. 271, de 16 de Julho de 2003, com inicio a 25 de Março de 2003 e termo no dia 25 de Março de 2008, firmado por BB, correspondendo-lhe um encargo mensal de € 1 100, acrescido a final do pagamento de valor de € 3 500, este acrescido do imposto sobre o valor acrescentado no montante de € 735.

  2. A ré declarou adquirir o veículo com a matrícula nº ...-...-..., em Outubro de 2003, a C... S... & J... P..., SA, sociedade que se dedica à compra e venda de veículos automóveis, a qual se apresentou como proprietária do mesmo, e não facultou à primeira os respectivos documentos.

  3. O autor e o representante da ré declararam, por escrito, no dia 17 de Novembro de 2003, a última vender e o primeiro comprar, por € 67 500, o veiculo automóvel BMW, modelo X5, com a matrícula nº ...-...-... - ano 2003, sendo que o primeiro desconhecia a locação financeira mencionada sob 2.

  4. Para completo pagamento do ajustado preço de compra, o autor entregou para retoma duas viaturas usadas, uma com a marca Renault Kanbo, ano 2001, matrícula nº. ...-...-..., ano 2001, e a outra com a marca Mercedes, C - 200 K -, matrícula nº ...-...-..., ano 2001, ambas avaliadas no montante global de € 33 250.

  5. A ré recebeu, na integra, o preço acordado e procedeu à entrega ao autor da viatura, não acompanhada de livrete e de titulo de registo de propriedade, e emitiu uma declaração, datada de 5 de Julho de 2004, pela qual expressou ter vendido, no dia 18 de Novembro de 2003, o referido veiculo automóvel, cuja documentação se encontrava, em fase de regularização junto das repartições oficiais.

  6. Perante insistências do autor quanto à obtenção dos documentos da viatura, a ré insistia junto de C... S... & J... P..., SA.

  7. A ré declarou obrigar-se a efectuar o registo a favor...

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