Acórdão nº 08B1914 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução09 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram, na Vara Mista de Coimbra, contra CC, DD e EE, acção com processo ordinário, que qualificaram como "acção negatória, de defesa do seu direito de propriedade, adquirido por usucapião".

Alegaram, em síntese, ser os legítimos e exclusivos donos de uma parcela delimitada de terreno, abrangida pela inscrição matricial sob o art. 2106 da freguesia de Cernache e descrita sob o n.º 3896 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, que se encontra ainda inscrita fiscalmente, no seu todo, em nome dele, demandante, de AS e de AG, na fracção de 1/3 para cada um deles.

O seu invocado direito de propriedade sobre essa parcela, designada por "Olival" (dita parcela "A") resulta de terem adquirido a posse, em termos de direito de propriedade plena e exclusiva, com os correspondentes actos de usufruição, desde o ano de 1977 até inícios de Março de 2006, na sequência de uma divisão e partilha verbal dos bens que integravam a herança de JB e mulher VG, entre os respectivos herdeiros.

Esse acordo apenas por erro formal não foi integralmente respeitado na escritura de partilhas correspondente, celebrada em 13 de Dezembro de 1977; mas, detectado o erro, os interessados em causa, entre os quais o antecessor dos ora réus, o dito AG, comprometeram-se a respeitá-lo, como o AG sempre o fez enquanto vivo foi, no sentido de a este caberem efectivamente as outras duas parcelas desse mesmo terreno (ditas parcelas "B" e "C").

Acresce que, por força de um outro acordo quase contemporâneo do primeiro, vertido numa outra escritura de partilhas celebrada em 22 de Dezembro de 1977, os autores ficaram titulares em exclusivo da quota do AS na parcela ajuizada (a "A").

Contudo, a partir de Março de 2006 começou a ser afirmado pelos réus que também eram comproprietários da dita parcela, vindo inclusivamente a inscrever registralmente a fracção de 1/3 dela na descrição predial correspondente.

Em consonância com o alegado, pedem os autores que a) seja reconhecido o seu direito de propriedade plena e exclusiva, adquirido por usucapião, sobre a parcela delimitada de terreno em causa, denominada o Olival; b) se declare a inexistência, na esfera jurídica dos réus, de um qualquer direito sobre a referida parcela de terreno; c) se condenem os réus a absterem-se de consumar todo e qualquer acto que se traduza na violação do direito de propriedade plena e exclusiva dos autores sobre a indicada parcela de terreno.

Em contestação, os réus sustentaram, em síntese, que o prédio inscrito na matriz sob o art. 2106º é apenas composto pela parcela que os autores designam pela letra "A", pertencendo-lhes 1/3 enquanto herdeiros de MRG, que fora herdeira testamentária por parte do AG antes referido, em conformidade com o que havia sido adjudicado na escritura de partilhas de 13 de Dezembro de 1977.

Só em Março de 2005, após advertência das Finanças para "legalização" de todos os seus prédios, tomaram conhecimento deste seu direito de propriedade sobre 1/3 do prédio, pelo que a antecedente actuação dos autores, ao longo do tempo, não o foi em termos de proprietários plenos e exclusivos, antes se aproveitaram da tolerância dos titulares do direito.

Assim, enquanto "detentores precários" que eram, não podiam os autores adquirir, para si, por usucapião, também não o podendo fazer enquanto "comproprietários", pois que, por definição, cada comproprietário é possuidor em nome alheio relativamente ao que excede a sua quota.

Concluem pugnando pela improcedência da acção e a consequente absolvição do pedido.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente.

Inconformados, interpuseram os réus recurso de apelação.

Sem êxito, porém, pois a Relação de Coimbra, em acórdão oportunamente proferido, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Desse acórdão trazem agora os réus, a este Supremo Tribunal, o presente recurso de revista.

E, no remate das alegações que produziram, formularam as seguintes conclusões: 1ª - O acórdão recorrido fundou o seu entendimento - de que os autores adquiriram a parcela em causa por usucapião - além do mais, num mero acordo verbal prévio à escritura de partilhas de 13.12.77, pelo qual os intervenientes estabeleceram que a aludida parcela de terreno ficaria a pertencer, em exclusivo, aos demandantes; 2ª - Não teve, assim, em conta as excepções ao princípio da livre admissibilidade dos meios de prova, estabelecidas nos arts. 393º/2 e 394º/1 do Cód. Civil, e não defendeu a autoridade e a estabilidade da prova documental contra a falibilidade da prova testemunhal; 3ª - A ponderação dos interesses em jogo postula uma interpretação dos arts. 351º, 393º/2 e 394º/1 que não ponha em causa a ratio desses preceitos, nem chegue ao ponto de sobrepor à certeza da prova documental a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal; 4ª - Qualquer outro pensamento legislativo não tem, na letra dos mencionados preceitos, um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso, pelo que não pode ser compreendido entre os seus possíveis sentidos (art. 9º do CC).

5ª - Os recorrentes comprovaram a existência, a seu favor, de registo sobre a parcela em questão, além do mais confessado, admitido e reconhecido pelos recorridos nos arts. 112º e 113º da petição inicial; 6ª - Não fora os documentos autênticos que possuíam, nunca os recorrentes teriam obtido, como obtiveram, registo a seu favor de 1/3 da parcela em causa; 7ª - Os autores não possuíram, em termos de propriedade plena e exclusiva, a totalidade da dita parcela - apenas se aproveitaram da tolerância dos recorrentes, que desconheciam, até Março de 2005, ser os reais proprietários de 1/3 dela; 8ª - Assim, os autores/recorridos são meros comproprietários da aludida parcela, sendo certo que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à que detém; 9ª - Sendo possuidor em nome alheio relativamente ao que excede a sua quota, não pode o comproprietário adquirir por usucapião, não podendo, por isso, os autores, ter adquirido a mencionada parcela por essa forma de aquisição originária; 10ª - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 9º, 351º, 393º/2, 394º/2, 1253º e 1290º, todos do CC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre agora conhecer e decidir do mérito do recurso.

  1. São os seguintes os FACTOS PROVADOS: I - Na matriz rústica da freguesia de Cernache encontra-se inscrito, na 1ª Repartição de Finanças de Coimbra, o prédio rústico, com 5.308 m2, sito nas ..., em Orelhudo, constituído...

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