Acórdão nº 1565/10.4TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO O Autor AA, casado, residente na Avenida ..., nº …, Edifício ... .., …º, …, ..., ..., intentou, em 03-05-2010, no 5º. Juízo Cível da Comarca de ..., acção declarativa, constitutiva, com processo comum, sob forma ordinária, contra os Réus BB, casado, residente na Avenida ... nº …º, …, ..., e CC, casado, residente na Rua ..., nº …, ..., ....

    Formulou o seguinte pedido: “deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada a anulação do testamento outorgado pelo falecido DD, no dia 7 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de EE, sito em ..., com todas as legais consequências, nomeadamente a de condenar os réus a restituírem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, todos os bens que integram o respectivo acervo patrimonial hereditário, tal como se esse testamento nunca tivesse existido.” Invocou como causa de pedir: Incapacidade (acidental) do testador, no momento da outorga do testamento, para entender o sentido da sua declaração e falta do livre exercício da vontade.

    Alegou, em fundamento, que seu Tio paterno, DD, outorgou testamento instituindo únicos e universais herdeiros ambos os Réus (irmãos) e, no caso de algum destes não lhe sobreviver, como substitutos, a respectiva mulher e filho (cunhada e sobrinho), tendo-o feito em momento em que estava incapacitado de entender o sentido e de querer o que no acto declarou e ficou exarado, e, por isso, contrariando a vontade que sempre manifestou de não testar em tais termos, pois sofria de doença de Alzheimer, já numa fase adiantada e de demência, e para tal disposição tendo sido induzido.

    Uma vez citados, os RR contestaram, conforme fls. 38 a 53, por impugnação, defendendo que o de cujus manifestou a sua vontade de forma livre, esclarecida, consciente, e segundo o seu propósito, pugnando pela improcedência da acção.

    Replicou o autor, a pretexto de os RR terem excepcionado, refutando a versão fáctica daqueles e concluindo como na petição inicial.

    Proferido saneador tabelar, organizou-se o rol dos “Factos Assentes” e enumeraram-se, na Base Instrutória, os controvertidos (fls. 71 a 82) – sem reclamação.

    Após realização da audiência de julgamento, foi respondida a matéria de facto que tinha ficado controvertida e pendente de prova – cfr. fls. 224 a 241 – após o que foi prolatada decisão – cfr. fls. 243 a 262 – em que foi decido julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver os Réus do pedido. Irresignado, interpôs o demandante recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 15 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 316 a 424 – decidido: A) – [Alterar] a matéria de facto nos termos sobreditos, prevalecendo a fixada no elenco organizado sob o número 6., supra; B) – [Revogar] a sentença recorrida e julga-se procedente, por provada, a acção, e, por isso, declara-se anulado o testamento outorgado pelo falecido DD, no dia 7 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de EE, sito em ..., com todas legais consequências, nomeadamente condenando-se os RR a restituírem à herança aberta por óbito dele todos os bens integrantes do acervo patrimonial hereditário.” Da decisão cujo decreto quedou extractado, recorrem os demandados, tendo condensado os fundamentos – cfr. fls. 433 a 523 – no epítome conclusivo que a seguir queda extractado. I.A. – Quadro Conclusivo.

    “I. O Venerando Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, salvo situações de excepção legalmente previstas, contudo, o modo como a Relação fixou os factos materiais não deixa de ser sindicável por este Venerando Tribunal ad quem se foram aceites factos sem produção do tipo de prova legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.

  2. As regras do ónus da prova constituem matéria de direito sindicável pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, porquanto neste conspecto estamos perante uma questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir (por força da aplicação das regras de direito) no caso de não se provarem determinados factos.

  3. Ainda que se admita, legitimamente, o recurso a presunções judiciais, como elementos de formação da convicção, por forma a revelar a verdade judiciária, não é através da mera elaboração teórica que tal deve ser alcançado, mas antes através da relacionação e interligação de factos indirectos, mas objectivos, cuja prova se mostrou segura, que, pese embora, serem factos meramente circunstanciais, instrumentais e indiciários, através de uma operação de raciocínio lógico-dedutivo, norteada e sustentada nas regras da experiência, conduzam a juízos convincentes com o grau de certeza que as provas devem proporcionar, sob pena do recurso a essas presunções judiciais se transformar em mera arbitrariedade ou reconduzir a meros juízos especulativos.

  4. Para que opere a inversão do ónus da prova, de acordo como disposto no art.º 344.º, do Código Civil, é necessário que: - Exista presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida ou disposição legal nesse sentido; Ou que, - A contraparte tenha, culposamente, tornado impossível a prova ao onerado.

  5. O tribunal a quo, através do recurso a presunções judiciais, numa operação lógico-dedutiva pretensamente assente nos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários e na prova indirectamente produzida, alterou a decisão da 1.ª instância sobre o concreto ponto da matéria de facto alinhado na Base Instrutória sob o quesito 7, de "Não provado" para "O falecido DD registava uma diminuição do pensamento abstracto".

  6. O pensamento abstracto é a capacidade que temos de idealização de determinado corpo, objecto, forma ou conceito, isto é, de relacionar e associar ideias às coisas, de conceptualizar ideias ou representações mentais, através de estímulos externos recebidos pelos órgãos sensoriais ou de lembranças evocadas da memória ou simplesmente de mensagens provenientes de locais indeterminados nos recônditos da mente e sem qualquer traço de lembrança consciente.

  7. O tribunal a quo extraiu o seu juízo e assentou a sua conclusão em factos que não estão directa ou sequer indirectamente ligados à capacidade ou dificuldade do indivíduo operar conceptualmente e de cogitar relações dessa índole, factos esses que nem sequer indiciariamente permitem sustentar com um mínimo de certeza e de segurança a pretensa perda ou diminuição do pensamento abstracto.

  8. Dos factos indirectos (circunstanciais e instrumentais) a que o tribunal a quo recorreu para sustentar a sua decisão no que concerne ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em questão, não é possível aferir ou extrair, com segurança e um mínimo de certeza, segundo as regras do raciocínio lógico escoradas em juízos de experiência e de normalidade, a verificação ou demonstração do respectivo e concreto ponto da matéria de facto em apreço.

  9. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em apreço – quesito 7 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada ao concreto ponto da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação.

  10. O tribunal a quo, através do recurso a presunções judiciais, numa operação lógico-dedutiva pretensamente assente nos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários e na prova indirectamente produzida, alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre o concreto ponto da matéria de facto alinhado na Base Instrutória sob o quesito 23, de "Provado apenas que chegou a perder a noção dos dias da semana" para "Provado, apenas, que chegou a perder a noção das horas e dos dias das semanas".

  11. Os factos indirectos ou indiciários a que o tribunal a quo recorreu para estear a sua decisão sobre o concreto ponto da matéria de facto em causa, de acordo com o raciocínio lógico e segundo as regras da experiência que se impõem, não permitem, de forma segura e com um mínimo de certeza, concluir pela verificação da respectiva realidade fáctica.

  12. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em apreço – quesito 23 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada ao concreto ponto da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação.

  13. O tribunal a quo alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os concretos pontos da matéria de facto alinhados na Base Instrutória sob os quesitos 55, 56 e 57, de "Não Provado" para "Provado", "Provado", "Provado, apenas, que nem conseguia preparar um acto notarial".

  14. Os factos indirectos ou indiciários a que o tribunal a quo recorreu para estear a sua decisão sobre os concretos pontos da matéria de facto em causa, ainda que conjugados e interligados do modo como o tribunal a quo considerou, de acordo com o raciocínio lógico segundo as regras da experiência que se impõem, não permitem, de forma segura e com um mínimo de certeza, concluir pela verificação da respectiva realidade fáctica.

  15. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi...

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