Acórdão nº 1269/09.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

No Tribunal da Comarca de Lisboa (3.ª Vara Cível), AA, intentou acção com processo ordinário contra BB e TAP Air Portugal, S.A.

Para tanto, e no essencial, alegou: CC, filho da autora, era comissário de bordo da TAP desde 19… e, ao abrigo dos acordos estabelecidos entre o Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil e aquela Companhia Aérea, no âmbito dos acordos colectivos de trabalho, todos os tripulantes de cabine passaram a estar cobertos por um seguro de vida e invalidez.

Para o efeito, a TAP celebrou com a R. "BB", um contrato de seguro de grupo para os seus trabalhadores tripulantes de cabine, tendo por objecto cobrir os riscos de morte e os riscos complementares, o qual ficou titulado pela apólice n.º …, abrangendo, designadamente, o filho da A.

No dia ……., o filho da A., que se encontrava ao serviço da 2.ª Ré, veio a falecer por doença, constando do certificado de óbito que a causa da morte foi Linfoma não Hodgkin, tipo B de alto grau, para o qual contribuiu o Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA).

Por informação da 2.ª R., a A. veio a participar a morte do seu filho à 1.ª R., no dia .. de …de .., para receber o capital seguro.

Só após muita insistência e decorrido muito tempo é que a A., através do seu advogado, para o efeito constituído, logrou obter informação sobre a apólice e as suas condições contratuais, ficando então a saber que o valor do capital seguro em caso de falecimento era de € 124.699,99, mas que este seria reduzido para € 24.939,89, no caso de falecimento por doença causada ou agravada por Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, de acordo com a acta Adicional n.º 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994, que ambas as RR. subscreveram, assim alterando as condições de cobertura dessa apólice.

A 1.ª R., de acordo com a garantia prestada pelo filho da A., liquidou directamente à Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 20.000,00, acrescida de € 600,00 de despesas, tendo ficado com o remanescente de € 4.339,89 que pretendeu entregar à A.

A A, no entanto, não se conformou com o valor do recibo de indemnização e recusou-se a receber tal quantia, esclarecendo que o seu filho nunca havia sido informado das condições gerais do seguro, tendo falecido na convicção de que a cobertura do seguro era igual à dos seus colegas, em caso de morte.

Considerando que as alterações introduzidas pela Acta Adicional n.º 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994, que alteraram as condições anteriormente estabelecidas, penalizam as pessoas seguras e constituem uma violação do princípio da igualdade e não discriminação consagrados na Constituição e, bem assim, os compromissos assumidos por Portugal nas Nações Unidas, na Declaração de Compromisso da Luta contra a SIDA, de 25 a 27 de Junho de 2001, expressou o entendimento de que essa acta deve ser declarada nula, nos termos dos artigos 280.º, 294.º e 405.º, todos do Código Civil.

Tendo a nulidade efeito retroactivo, nos termos do artigo 289.º do C.C., deveria ser pago à A. o valor de € 104.699,99, correspondente ao capital seguro de € 124.699,99, deduzidos da quantia de € 20.600,00 que a 1.ª R. pagou à Caixa Geral de Depósitos.

Em conformidade e, após requerer a rectificação da petição inicial, concluiu, peticionando: a) que seja reconhecida a nulidade, com efeitos retroactivos da Acta adicional n.º 291/22, condenando-se solidariamente as RR. a pagar à A. a quantia de € 104.699,99, acrescida de juros de mora, contados desde o falecimento do filho, quanto à 1.ª R, e desde a citação, quanto à 2.ª R.

  1. que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 124.699,99, igual ao capital do seguro, a título de indemnização por responsabilidade pré-contratual, também acrescida de juros de mora, contados desde o falecimento do filho, quanto à 1.ª R, e desde a citação, quanto à 2.ª R.

  2. a condenação solidária das R.R. a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por responsabilidade civil, a fixar nos termos do artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2006, de 25 de Agosto, atendendo à condição humilde da A. (rendimento anual de € 5.300,00), ao sofrimento e à angústia pelo acto de discriminação praticado pelas RR. contra o seu falecido filho, cujas sequelas persistem, e ainda ao facto de não ter beneficiado da quantia do capital seguro para fazer face à sua sobrevivência durante 3 anos, tendo ainda em conta o poder económico dos autores da infracção, tudo com juros de mora à taxa legal, contados desde a data da propositura da acção.

    Citadas devidamente, vieram as RR. contestar.

    A R. "BB" invocou a inadmissibilidade das alterações ao pedido e causa de pedir constantes da petição reformada e confirmou a celebração do contrato de seguro com o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAP), que, a partir de 1994, passou a ter como tomador do seguro a TAP, esclarecendo ainda as sucessivas alterações que foram acordadas em actas adicionais n.ºs 283/21, de 28.10.1993, 290/22, de 1.2.1994, e 291/22, de 2.2.1994, que incidiram muito particularmente sobre o âmbito de cobertura e capital seguro.

    Defendeu a ilegitimidade activa da A. para demandar por si só, uma vez que não era o único herdeiro do beneficiário do seguro.

    Invocou igualmente a excepção do âmbito de cobertura do contrato de seguro, pois o filho da A. teria efectivamente falecido por complicações emergentes do SIDA e, por isso, a R. só estaria obrigada a pagar o valor da indemnização convencionada.

    Sustentou também a legitimidade das alterações feitas ao âmbito de cobertura e dos capitais seguros, que foram negociadas pela associação sindical que representava o filho da A, as quais, do seu ponto de vista, não constituem qualquer discriminação ou violação ao princípio da igualdade, pois correspondem ao interesse das partes contratantes em função da constatação duma situação de agravamento do risco coberto, que foi comprovada por estudos actuariais, sendo o prémio acordado adequado às indemnizações previstas.

    Também invocou a inaplicabilidade da responsabilidade civil pré-contratual, uma vez que o filho da A. não era parte no contrato, mas mero beneficiário do seguro, não sendo por isso devida a indemnização de € 124.699,99 ou qualquer outra.

    Finalmente, também pugnou pela improcedência do pedido fundado na Lei n.º 46/2006, por não ter praticado qualquer acto discriminatório, sendo que essa lei não estava em vigor, quer à data da morte do filho da A, quer à data das alterações operadas no contrato de seguro.

    E concluiu pela inadmissibilidade das alterações ao pedido e causa de pedir constantes da petição reformada e pela procedência das excepções alegadas, com a consequente absolvição da R. da instância e do pedido.

    A TAP, na sua contestação, também suscitou a questão da inadmissibilidade das alterações ao pedido e causa de pedir constantes da petição reformada, impugnou os factos alegados pela A, realçando que todas as alterações ao contrato de seguro foram negociadas pelo sindicato que representava o filho da A, sendo certo que, do acordo de empresa celebrado com esse sindicato, apenas se estabelecia que a entidade patronal garantia a existência de um seguro que cobrisse o risco de morte e incapacidade permanente, sem garantir valores do capital seguro.

    Também sustentou que não tinha obrigação de divulgar as condições do seguro, mas que sempre prestou essas informações aos trabalhadores que manifestassem interesse nesse sentido, pelo que, se o filho da A. não conhecia as cláusulas do contrato de seguro, é porque não teve curiosidade para se inteirar do seu conteúdo.

    Defendeu ainda que o filho da A. não foi alvo de qualquer discriminação, porque as alterações ao seguro foram acordadas pelo sindicato que o representava e foram estabelecidas num momento muito anterior à descoberta da sua doença, ou da assunção do compromisso por Portugal junto das Nações Unidas, sendo que esse trabalhador nunca se opôs às alterações assim convencionadas.

    E concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

    A A. replicou e concluiu como na petição, dizendo que não se verificam as excepções invocadas.

    Findos os articulados, por despacho de fls. 245 a 250, foi admitida a "nova petição inicial aperfeiçoada, dando-se sem efeito a apresentada inicialmente".

    Foi deduzido o incidente de intervenção provocada de DD, pai e co-herdeiro do falecido CC, o qual nada requereu.

    No despacho saneador foram as partes julgadas legítimas.

    Procedeu-se a audiência de julgamento.

    Foram dadas as respostas aos vários artigos da B I, sem qualquer reclamação.

    Finalmente foi proferida a competente sentença, com a absolvição das rés de todos os pedidos: «por todo o exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em conformidade, absolvemos as R.R. dos pedidos».

    Dela recorreu a autora, tendo a Relação, na parcial procedência do recurso, decidido: «1. Declaram-se nulas as actas adicionais nºs 283/21, de 22.10.93, 290/22, de 01.02.94, e 291/22, de 02.02.94, na parte em que estabelecem que o capital seguro é reduzido para 10.000.000$ e 5.000.000$00, respectivamente, nos casos em que a morte da pessoa segura for provocada ou agravada pela SIDA.

    1. Condenam-se as RR a pagar à autora a quantia de € 104.699,99, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

    2. Absolvem-se as RR dos restantes pedidos.

    (…)» Desta decisão recorrem as RR. de revista, para este STJ.

    A Ré Seguradora conclui deste modo as suas alegações: A. O Tribunal a quo ao declarar a nulidade das cláusula 2.

    as das actas adicionais n.º 283/21, de 22/10/1993, e 290/22, de 01/02/1993, cuja nulidade não foi invocada ou peticionada pela Autora, negando eficácia aquelas cláusulas e, em consequência condenando as Rés a pagar à Autora o capital de € 104.699,99, incorreu numa nulidade por conhecer e condenar para além e em objecto diverso do pedido, violando o disposto nos artigos 661.º, n.º 1, e 668.º, alínea e), do CPC.

    1. A Recorrente discorda do entendimento...

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