Acórdão nº 186/10.6TBCBT.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA intentou, em 12-04-2010, no Tribunal Judicial de Celorico de Basto, acção declarativa de condenação, sob a forma do processo ordinário, contra Construções BB, Lda., Construções CC, Lda., Companhia de Seguros DD, S.A., e Oficina FF, peticionando delas o pagamento da quantia de € 300 000 (trezentos mil euros) como compensação dos danos que sofreu em acidente de viação ocorrido em Espanha, em 02-05-2007.

Para fundamentar a sua pretensão indemnizatória, invoca que seguia como passageiro no veículo automóvel de matrícula espanhola 0000-000, propriedade de uma das primeiras Rés (não conseguindo determinar qual delas é a verdadeira proprietária do veículo), conduzido por GG, quando se dirigia para uma obra que a segunda Ré estava a realizar em León, Espanha.

Ao Km 15 da Auto -Via A/52 (em Benavente/Zamora), o condutor despistou-se, acabando o veículo por se precipitar em terreno adjacente à estrada em que circulava, sofrendo o Autor múltiplos traumatismos, tendo sido conduzido para o Hospital de Léon, onde esteve internado, e obtido alta clínica em 10-02-2008.

Contestou, apenas, a Ré DD, enquanto seguradora da responsabilidade civil por acidentes ocasionados com aquela viatura, juntando a respectiva apólice e invocando a excepção peremptória de prescrição: aduz que seria aplicável ao caso a legislação espanhola, na qual se prevê o prazo de 1 ano para propositura da acção de responsabilidade civil extracontratual, há muito esgotado à data em que a presente acção deu entrada em juízo – cf. fls. 50 a 55.

O Autor replicou, limitando-se laconicamente a pugnar pela aplicação da lei portuguesa, invocando os arts. 33.° do Código Civil (CC) e 3.º do Código das Sociedades Comerciais.

Foi proferido despacho saneador/sentença, em que se julgou procedente a excepção de prescrição invocada pela seguradora, por se considerar aplicável ao caso dos autos o Regulamento (CE) 864/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-07-2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”).

Inconformado, o Autor recorreu, per saltum, para este Supremo Tribunal, tendo a Ré seguradora, contra-alegado.

Por acórdão, proferido em 01-03-2012, o STJ concedeu provimento à revista, revogando o despacho saneador/sentença [na parte em que determinou o ordenamento jurídico aplicável com base no Regulamento (CE) 864/2007, por não ter cabimento na situação em discussão], e, em conformidade com o preceituado nos arts. 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), fixou como adequável ao caso a norma de conflitos do art. 45.º do CC.

Mais se ordenou, nesse acórdão, a ampliação da matéria de facto de modo a apurar-se do eventual preenchimento da regra especial constante do n.º 3 daquele art. 45.º, esclarecendo-se a quem pertencia o veículo causador do acidente, qual era a nacionalidade das empresas demandadas e se a execução da relação laboral com a 1.ª Ré implicava ou não uma permanência meramente ocasional em território espanhol.

Regressados os autos à 1.ª Instância, a Mma. Juiz convidou o Autor a suprir as insuficiências da petição inicial, em conformidade com o exarado no acórdão do STJ, no que aquele anuiu.

O tribunal a quo ordenou oficiosamente a realização de diligências adicionais, e, subsequentemente, foi proferido o despacho saneador/sentença recorrido, julgando-se, uma vez mais, procedente a excepção peremptória de prescrição do direito que o Autor pretendia fazer valer neste pleito, absolvendo as Rés do pedido.

Inconformado com esta decisão, vem o Autor interpor recurso per saltum para o STJ, ex vi do art. 725.º do CPC, suportando que o processo deve seguir os seus termos, por inverificada qualquer prescrição do direito reclamado, assinalando no final das alegações recursivas as subsequentes conclusões: “A. À matéria de facto dada como provada na sentença recorrida devem ser aditados os factos alegados no requerimento apresentado em 18.05.2012 porque não impugnados e, por isso, admitidos por acordo.

B. Na data do acidente, o Recorrente era transportado gratuitamente no veículo de matrícula espanhola 0000000, conduzido por GG e propriedade da firma Construções CC, Lda., com sede em Lamoso, freguesia de Moreira do Castelo, concelho de Celorico de Basto.

C. O Recorrente trabalhava ocasionalmente em Espanha na construção civil como empregado da referida firma Construções CC, numa obra que esta executava naquele País.

D. A dada altura do percurso o veículo conduzido pelo referido GG despistou-se e como consequência do embate que se lhe seguiu o Recorrente sofreu vários danos físicos e morais.

E. Tanto o Recorrente, como lesado, como o referido GG, como agente do facto lesivo (despiste), têm a nacionalidade portuguesa, e por isso, por força da 1.ª parte do n.° 3 do art. 45.° do CC, a lei aplicável ao caso é a lei portuguesa.

F. A circunstância da ocasionalidade em país estrangeiro só é exigida na hipótese prevista na 2.ª parte do referido normativo, ou seja, na falta da mesma nacionalidade de lesado e agente.

G. Todavia, e sem prescindir, mesmo que assim não fosse, a verdade é que o Recorrente trabalhava ocasionalmente em Espanha, uma vez que a sua residência permanente é, juntamente com seu agregado familiar (esposa e dois filhos), no lugar da Mota, freguesia de Fervença, concelho de Celorico de Basto, H. Onde ele vinha passar todos os fins de semana, já que ocasionalmente trabalhava naquela obra, mas constantemente mudava de local de trabalho, umas vezes nesse País, e outras, as mais habituais, em Portugal, sendo que em Espanha dormia num local fornecido pela entidade patronal.

  1. Embora a responsabilidade civil seja da firma proprietária do veículo e, consequentemente, da respectiva seguradora, o que importa, para efeito do citado n.° 3 do art. 45.°, não é a pessoa do civilmente responsável, mas sim a pessoa do agente do facto, que pode ser ou não a mesma pessoa, e no caso presente não é.

J. Assim, a sentença ora recorrida faz uma errada interpretação e aplicação da lei, o referido n.° 3 do art. 45.° do CC, pelo que deve ser revogada e, consequentemente, ordenado o prosseguimento dos autos com elaboração do saneamento da matéria de facto, K. Uma vez que, nos termos da lei portuguesa, a aplicável, a prescrição só ocorre decorridos que sejam três anos após o facto lesivo, nos termos do art. 498.° do CC”.

Contra-alegando, a Ré DD defende a manutenção da sentença recorrida concluindo na parte aqui relevante: “1. É manifesta a falta de razão do Recorrente.

  1. Entende o recorrente que se verificam as excepções previstas no artigo 45.°, n.° 3 do Código Civil para ser aplicada a lei portuguesa ao caso em apreço.

  2. Nos termos do n.° 3 do artigo 45.° do Código Civil, é necessário, para a aplicação da Lei Portuguesa, a verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber: a) Que o agente e o lesado tenham a mesma nacionalidade; b) Que o agente e o lesado se encontrem ocasionalmente em país estrangeiro.

  3. No que diz respeito ao primeiro pressuposto, desde logo, o responsável civil pela regularização do sinistro é a recorrida, a qual tem sede em Espanha. O veículo causador do sinistro é espanhol e a sua proprietária também o é. Significa isto que, no caso em apreço, o primeiro pressuposto não se aplica.

  4. Por outro lado, e ainda que assim não se entenda, também o segundo pressuposto não se aplica ao caso em apreço.

  5. Com efeito, na altura da ocorrência do acidente, o Autor estava a trabalhar em Espanha, regressando a Portugal apenas aos fins de semana.

  6. O Autor não se encontrava ocasionalmente em Espanha. Estava lá a trabalhar e residia lá pelo tempo que fosse necessário, regressando apenas aos fins de semana a Portugal. Não se trata de uma ida a Espanha ocasional, mas sim uma ida a Espanha com carácter de permanência para lá exercer a sua profissão.

  7. Outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que a lei aplicável ao caso em apreço seja a lei espanhola por força do número 1 do artigo 45.° do Código Civil, implica isto que o direito do Autor já prescreveu por força da lei espanhola”.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    A. Vem fixada da 1.ª Instância a seguinte matéria de facto: 1. No dia 2 de Maio de 2007, cerca das 7.00 horas, na Auto-Via A/52, em Benavente-Zamora (Espanha), ocorreu um despiste da carrinha de marca Citroën Jumpy, de matrícula espanhola 0000-000, segurado pela Ré Companhia de Seguros DD, S.A., com sede em Madrid, Espanha, e conduzido por GG.

  8. O Autor circulava como passageiro desse veículo.

  9. Do embate resultaram danos físicos para o Autor.

  10. O Autor teve alta clínica no dia 10 de Fevereiro de 2008.

  11. A presente acção deu entrada em juízo no dia 12 de Abril de 2010.

  12. A entidade que, à data do acidente em causa nestes autos, processava os salários do Autor era a Ré Construções CC, Lda.

  13. Na apólice de...

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