Acórdão nº 338/11.1TVLSB.L1.S1. de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelSILVA GONÇALVES
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA (que, por ser menor, se encontra representado pelo seu avô paterno BB) intentou, em 16 de Fevereiro de 2011, contra a sociedade "CC, S.A.

" os presentes autos de acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, que foram tramitados sob o n.º 338/11.1TVLSB, pela 11.ª Vara Cível - 2.ª secção da comarca de Lisboa, e nos quais, tendo sido dispensada a audiência preliminar, logo com o despacho saneador foi proferida, em 22 de Fevereiro de 2012, a sentença que constitui fls. 117 a 121 deste processo, cujo decreto judicial tem o seguinte teor: - Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao A. a quantia de €.

623.497,38, acrescida de juros a taxa legal desde o dia 21 de Fevereiro de 2011.

Inconformado com esta sentença, dela o autor AA recorreu para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 30.10.2012 (cfr. fls.170 a 181, a que se segue a declaração de voto de vencido do Ex.mo Juiz Desembargador António Manuel Fernandes dos Santos), julgando, no essencial, procedente a apelação, em consequência, revogou a parte da sentença relativamente à qual o recurso foi intentado e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.246.994,75 (um milhão, duzentos e quarenta e seis mil, novecentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre essa quantia, até integral pagamento da mesma e contados desde o 30° dia subsequente à comunicação à seguradora do óbito de DD.

As custas da acção e da apelação ficam integralmente a cargo da Ré e recorrida “CC, S.A.", decidiu também a Relação. Inconformada, deste acórdão recorre agora para este Supremo Tribunal a ré “CC, S.A.", apresentando as seguintes conclusões: Quanto ao montante do capital seguro a pagar pela ré seguradora 1 - A causa de pedir nesta acção é, por um lado, um contrato de seguro, e, por outro lado, o instituto da indignidade sucessória (regulado nos arts. 2034.º a 2039.º do C. Civil).

2 - O contrato de seguro em causa prevê, entre outras, a garantia ou cobertura de morte da pessoa segura em caso de acidente.

3 - No contrato (art.º 4.º, alínea d) das Condições Gerais da apólice) ficou estabelecido que ficam sempre excluídos os acidentes resultantes da prática de crimes ou de outros actos intencionais do beneficiário dirigidos contra a pessoa segura, na parte do benefício que aquele respeitar.

4 - No contrato foi feita pelo tomador de seguro uma designação beneficiária nestes termos: "Beneficiários em caso de morte: Herdeiros legais".

5 - Autor e ré não põem em causa a interpretação a dar à cláusula de exclusão em apreço (a contida na alínea d) do art.º 4.º das Condições Gerais), nem o sentido a dar à designação beneficiária.

6 - Tratam-se de textos escritos em palavras que qualquer pessoa medianamente instruída compreende.

7 - No que as partes - e os senhores Magistrados chamados a intervir -discordam é, por um lado, sobre se o instituto da indignidade sucessória é convocável ou aplicável no caso dos autos e, por outro lado, sendo aplicável, quais os efeitos da declaração de indignidade sucessória de um dos beneficiários/herdeiros legais.

8 - A atribuição do benefício foi feita por via contratual, e não por via sucessória, constituindo uma liberalidade (indirecta) de natureza contratual.

9 - A regra geral em matéria de doação conjunta é a da divisão em partes iguais, sem que haja direito de acrescer entre os donatários, salvo se o doador houver declarado o contrário (art. 944 do C. Civil).

10 - No contrato de seguro, em particular na proposta que o integra, nada se declara. Portanto, tendo a pessoa segura à data da morte dois herdeiros legais (o cônjuge e o filho, autor nesta acção) a proporção do capital seguro que cabe a cada um é de 50%, ou seja 623.497,38 €.

11 - Porém, está provado que por decisão tramitada em julgado a 24 de Junho de 2009, foi a beneficiária cônjuge (a EE) condenada como co-autora material, na forma consumada, de um crime de homicídio, sendo a pessoa segura (DD) a vítima de tal crime.

12 - Por isso, aplica-se a exclusão prevista na alínea d) do art. 4 das Condições Gerais, não tendo essa beneficiária direito a receber a parte do benefício que lhe respeitava (50% do capital seguro) e não tendo a seguradora que lhe pagar essa parte.

13 - E porque não há direito de acrescer entre os beneficiários, não tem o autor direito a reclamar senão a sua parte (os outros 50% do capital seguro).

14 - Por se estar perante um quadro contratual, e não perante uma questão de direito sucessório - como a própria decisão que fez vencimento na Relação reconhece e expressamente declara - não é aplicável no presente caso o instituto da indignidade sucessória.

15 - Mesmo que o fosse - o que por necessidade de raciocínio se configura - ainda assim não permitiria retirar a conclusão a que chegou a decisão que fez vencimento na Relação: a de que, no momento da morte da pessoa segura o cônjuge (EE) não era herdeira legal.

16 - Com efeito, a indignidade sucessória é uma simples causa especial de incapacidade sucessória e não uma causa de completa exclusão da sucessão. O indigno não deixa de ser sucessível (herdeiro legal ou forçoso). Contudo não é chamado a suceder, ou seja, não é sucessor do de cujus.

17 - Assim, deve entender-se - tal como se fez no douto voto de vencido - que não obstante a declaração de indignidade sucessória do beneficiário cônjuge homicida este integrava à data da morte da pessoa segura a qualidade ou qualificações jurídica de herdeiro legal/beneficiário nos termos e para os efeitos do contrato de seguro.

18 - Em termos de declarações negociais, a designação dos beneficiários através da expressão "Herdeiros Legais", e não através da menção de nomes concretos, explica-se pelo facto de a pessoa segura, após a celebração do contrato, e concretamente na altura da morte, poder ter mais filhos e ser outro (que não a EE) o seu cônjuge. É, aliás, uma designação prudente e muito generalizada. Dessa menção não pode retirar-se que era intenção do tomador de seguro (a FF) que se lançasse mão das regras sucessórias.

19 - É pois de rejeitar o raciocínio que parece verter da decisão que fez vencimento na Relação, a saber: o de que o sinistro provocado pelo beneficiário importaria, em virtude da própria cláusula contratual, a perda da qualidade do beneficiário caso em que, consequentemente, a cláusula contratual não seria já aplicável (devendo o segurador pagar a totalidade da sua prestação ao beneficiário subsistente).

20 - Tal entendimento levaria ao completo...

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