Acórdão nº 6560/09.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução12 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - «AA – …, SA» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra «BB – …, SA» pedindo que fosse considerada ilegítima e ineficaz a resolução operada pela Ré e se considerasse resolvido o contrato-promessa celebrado entre a A. e a Ré por incumprimento definitivo da Ré e esta condenada ao pagamento do dobro do sinal entregue, no valor de 15 000 000,00€.

Para tanto alegou que, em 14 de Maio de 2008, a R. celebrou com a A. um contrato-promessa de compra e venda, em que aquela prometeu vender e esta prometeu comprar um prédio da A., denominado “T...”, contrato esse que sofreu duas revisões, a última delas datada de 6 de Abril de 2009 e onde se convencionou que a escritura de compra e venda seria realizada até 22-4-2009.

Em 15-4-2009, a R. notificou a A. para a celebração da escritura para o dia 30-4-2009, tendo a A. solicitado a desmarcação, o que a R. não aceitou. A escritura não se realizou na data aprazada e a R. procedeu à resolução do contrato, por carta registada datada de 12-5-2009.

A resolução, por parte da Ré, baseada simplesmente em cláusula ínsita no contrato-promessa, não poderá operar, configurando abuso de direito; a publicitação da resolução implicou a perda de interesse por parte da R. porquanto impediu que a A. obtivesse financiamento para a concretização da operação bem como levou à desistência do Grupo CC, impedindo a realização de parceria com o mesmo o que permitiria angariar os meios financeiros complementares necessários à concretização da compra e venda.

O comportamento da Ré consubstancia incumprimento definitivo do contrato, com a subsequente devolução do dobro do sinal entregue.

A R. contestou, sustentando ter havido incumprimento do contrato pela A., não entregando à R. a documentação necessária para a realização da escritura e não comparecendo no cartório notarial na data que havia sido aprazada, como clausulado.

No despacho saneador, julgou-se a acção improcedente.

Da sentença apelou a A., que viu a Relação proferir decisão confirmatória.

Interpôs, então, a mesma Autora, recurso de revista excepcional, que lhe foi admitido, ao abrigo do pressuposto previsto na al. c) do n.º 1 do art. 721º-A do CPC - contradição de julgados -, oposição essa tida como verificada com o acórdão deste Supremo, datado de 21/11/06, e assim definida e delimitada: - no acórdão fundamento considera-se que “uma cláusula que atribui o direito de resolução do contrato com base numa previsão genérica e indeterminada, por exemplo, em caso de inadimplemento de qualquer obrigação nele consagrada, no fundo acaba por se limitar a remeter para a regulamentação legal da resolução por incumprimento, não integrando a figura da cláusula resolutiva expressa, que tem de se referir a prestações e modalidades de inadimplemento determinadas com precisão”, entendimento de que se terá desviado o acórdão recorrido ao acolher como fundamento do direito de resolução uma cláusula de natureza “genérica”. Alegando, a Recorrente, conclui pedindo que, revogando o acórdão impugnado, se “considere que a resolução comunicada pela recorrida não foi validamente efectuada, devendo ser considerada ilegítima e ineficaz, e, ao invés, deverá ser considerado que foi valida e eficaz a resolução do contrato-promessa deduzida pela recorrente, por incumprimento definitivo imputável à recorrida, e, consequentemente deverá esta ser condenada ao pagamento da quantia de quinze milhões de euros, correspondente à devolução em dobro do sinal prestado, acrescido de juros” ou, caso assim se não entenda “ordenar-se a baixa dos autos à 1ª Instância, aditando-se os factos acima referidos à base instrutória”.

Para tanto, nas conclusões da alegação que ofereceu, argumenta como se transcreve: “ (…) 4. O Ilustre Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que não assistia razão à recorrente, porquanto entende que a recorrida teria feito uso de um direito resolutivo convencional expresso, tendo aquele primeiro, partido desta premissa para sustentar a parte dispositiva do cordão em revisão e, consequentemente, considerou juridicamente inócuas quaisquer outras considerações, em particular, aquelas que a recorrente aduziu em sede de conclusões do recurso interposto.

5. A questão fundamental do presente recurso prende-se com a interpretação da cláusula que supostamente possibilitou a resolução despoletada pela recorrida e contestada pela recorrente, nomeadamente a fim de aferir se mesma é apta a sustentar a decisão recorrida.

6. É sabido que para além da resolução fundada na lei, admite o nosso ordenamento jurídico, através do art. 432° nº 1 do C. Civil, a resolução fundada em convenção; isto é, admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação), designando-se tal convenção contratual de cláusula resolutiva expressa.

7. A cláusula sobre a qual o Tribunal a quo assentou a sua interpretação de direito, que, por sua vez, sustentou a parte dispositiva da decisão recorrida, é a 12ª nº 1 do contrato-promessa de compra e venda, que se manteve inalterada nas sucessivas revisões a que o instrumento contratual assistiu.

8. Sucede que a cláusula em apreço não é uma cláusula resolutiva expressa ou convencional, pois, basta atentar na sua redacção para verificarmos que a mesma é genérica e aponta como fundamento de resolução todas as obrigações a cargo da ora recorrente no âmbito do contrato-promessa.

9. Para uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa, através de uma identificação concreta das obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução; não valendo como tal a referência ao incumprimento de todas as obrigações a cargo do contratante como fundamento de resolução, ou uma mera referência exemplificativa. Esta interpretação é defendida, pelo menos de forma maioritária, pela jurisprudência e doutrina.

10.A gravidade da consequência que o accionar de semelhante cláusula acarreta impõe especiais cuidados de modo a que as partes valorem, no momento em que estipulam a mesma, as obrigações e modalidades de incumprimento a que conferem o direito de resolução; e, consequentemente, têm de descrever expressamente aquelas que consideram específica e singularmente como merecedoras da gravidade da inadimplência - isto é, o fundamento e pressuposto indispensáveis à resolução. Na realidade, consta expressamente na cláusula em apreço o carácter meramente exemplificativo dos comportamentos aí retratados, mormente pelas expressões "inclusive" e "nomeadamente" apostas na própria cláusula.

11. Mais reforço encontramos no nº 4 da clausula em análise, uma vez que neste, as partes fizeram constar expressamente as obrigações que impendiam sobre a ora recorrente e que eram essenciais para a celebração do contrato promessa e que, por acordo, conferiam à recorrida o direito de resolver o contrato promessa e mesmo o contrato prometido, sucedendo, que nenhuma das mesmas se reporta à obrigação de comparência da recorrente na escritura pública de compra e venda ou à entrega atempada de todos os documentos necessários à realização daquele instrumento público.

12.Face ao exposto, ao contrário da sustentação da decisão, a recorrida jamais poderia "lançar mão" de uma faculdade ou direito resolutivo, pois, na realidade, nenhuma cláusula contratual lhe confere tal prerrogativa. A decisão recorrida fez uma má interpretação do art. 432.° nº l do C. Civil.

13. Outros argumentos acrescem no que concerne à não qualificação da cláusula décima segunda nº l do contrato-promessa como cláusula resolutiva expressa no contrato.

14. A recusa de cumprimento tem de traduzir-se numa declaração absoluta, inequívoca e peremptória de não cumprir o contrato. Ora, no caso sub judice tal não aconteceu, assim como não existe qualquer facto que permita concluir que foi o prazo fixado no contrato promessa para a celebração da escritura era essencial 15. No contrato inicial estabeleceu-se e definiram-se as condições fundamentais e essenciais da compra e venda e na cláusula 3ª, n.º 1. Na revisão elaborada a 11.11.2008 definiram-se em moldes diferentes as condições essenciais a compra e venda tendo sido alteradas as alíneas a), c) e t) da cláusula 3ª, nº l. Na última versão do C.P.C.V., celebrado em 6.4.2009 tomaram-se a elencar as condições essenciais do C.P.C.V., sendo que nenhuma das mesmas se refere ao prazo ou data para a celebração da escritura, a comparência da recorrente na mesma ou a entrega dos documentos para a instrução deste ultimo documento.

l6. No caso sub judice pelas razões já acima vertidas se concluiu que não se verifica a existência de uma cláusula resolutiva expressa, que permitisse, sem mais à Recorrida resolver o contrato, porém, outros fundamentos encontramos para reforçar tal conclusão, aliás, na esteira da jurisprudência que tem entendido que a cláusula resolutiva expressa traduz-se no seguimento acordado cujo conteúdo seja de tal forma essencial para a perfeição do contrato prometido que o leva a adquirir uma força vinculativa que imponha a sua irretractibilidade, sob pena de, sem ele, o contrato ficar privado de um elemento essencial e, só por isso, poder ser resolvido.2 l7. Na tese da recorridas o contrato-promessa conferir-lhe-ia uma faculdade de optar ou não pela resolução contratual, o que, em rigor, nos parece incompatível com a convenção resolutiva expressa. A colocação do direito de resolução que a decisão recorrida entende assistir à recorrida é, na verdade incompatível com a natureza de tal cláusula, colidindo, inclusive, com a natureza de essencialidade que o facto gerador do incumprimento de uma clausula resolutiva expressa deve ter.

l8. Ademais, embora esteja clausulado no C.P.C.V. uma entre várias possibilidades de resolução, não resulta, inequivocamente, que o não...

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