Acórdão nº 36/06.8YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Pronunciado pela autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131° e 132°, n°s 1 e 2, alínea g), do CPenal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 3º, n° 5, alínea c), e 86°, n° 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e pela co-autoria material de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº 254°, n° 1, alínea a), também do CPenal, o arguido AA, natural da freguesia de ..., onde nasceu no dia ..., filho de ... e ..., casado, mecânico de automóveis, titular do BI n° ..., emitido em ... e residente, antes de preso, na Rua ..., respondeu (com outro), no processo em epígrafe, perante o tribunal colectivo da 2ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra (hoje, Comarca da Grande Lisboa – Noroeste – Sintra).

Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo, - absolveu-o da prática dos crimes de homicídio qualificado e de detenção de arma proibida; - condenou-o pela co-autoria material do crime de profanação de cadáver, na pena de oito meses de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), ou seja, na multa de 240 (duzentos e quarenta) dias à referida taxa, no total de €1.200,00 (mil e duzentos euros) e - absolveu-o dos pedidos civis deduzidos pelas assistentes/demandantes BB e CC, respectivamente companheira e filha do falecido DD e da BB.

Apoiou esta decisão na seguinte matéria de facto: «Factos Provados 1. O arguido AA agregou-se a EE e M...H... nome pelo qual era conhecido DD, trabalhando na Oficina de Reparação e Pintura de Automóveis sita na Rua ..., n° ..., nesta comarca, da qual eram arrendatários.

2. O arguido AA era, ainda, proprietário de uma outra oficina sita na Rua ..., Lote ..., ..., Charneca da Caparica, com a denominação "R...".

3.Para além da actividade de reparação e pintura de automóveis que AA desenvolvia na oficina de ..., o EE e DD também se dedicavam, no mesmo local, à viciação de veículos que receptavam para o efeito, conduzindo-os para aquele espaço, bem como ao furto de Caixas de Multibanco, factos estes investigados em processo autónomo, à ordem do qual EE se encontra preso.

4. A determinada altura DD suspeitou que o arguido AA fosse informador da Polícia, pelo que começou a insinuar isso mesmo, afirmando que mataria o "bufo" e a respectiva família caso descobrisse a sua identidade.

5.Por via disso começou o arguido AA a sentir-se muito inseguro, com receio de que DD lhe fizesse mal e à sua família.

6.No dia 6 de Junho de 2006 o arguido AA encontrou-se com EE e com DD na Oficina em ... onde estiveram os três e onde almoçaram.

7. Após a saída do EE, pelas 16H30, que saiu do local para se dirigir a um encontro informal com elementos da Polícia Judiciária, ficaram no local apenas o arguido AA e DD.

8. DD pretendia que, posteriormente, EE lhe comunicasse o resultado do encontro deste na Polícia Judiciária, nomeadamente, até que ponto aquela polícia tinha adquirido elementos das actividades ilícitas por si praticadas e por que meio havia adquirido aqueles elementos.

9. DD pretendia que o arguido AA aguardasse, na oficina, até conhecerem o resultado dessa reunião de EE e opôs-se a que o arguido abandonasse o edifício da oficina quando este manifestou intenção de o fazer.

10. DD insinuou por várias vezes que o arguido AA seria o "bufo" da Polícia.

11.Pelas 18H00/18H30 acusou-o directamente nesse sentido e perguntando-lhe o que escondia dirigindo-se-lhe para o agredir e lhe apertar o pescoço.

12. AA atirou uma chave de fendas em direcção a DD e exibiu-lhe a arma de fogo de marca Walther Calibre.22, puxando a culatra atrás, o que não deteve a marcha de DD.

13. Acabaram ambos por se envolver num "abraço" já em iminente acção de luta no interior da secção de mecânica da oficina.

14. Acto contínuo e com medo que a vítima DD o matasse, já que tinha conhecimento que andava sempre com armas brancas e de fogo, direccionou o cano da arma de fogo que empunhava com a mão direita, carregada com munições de calibre 22 Long Rifle, para a cabeça de DD e disparou dois tiros consecutivos que atingiram este último na região temporal esquerda, mais precisamente na zona situada atrás do respectivo pavilhão auricular.

15. Nessa altura DD caiu já inanimado no chão, vertendo sangue em abundância da região atingida que derramando-se acabou por formar uma poça.

16. Depois disso o arguido AA decidiu ver-se livre do cadáver de DD.

17. Para o efeito, procedeu primeiramente ao acondicionamento do cadáver recorrendo a artefactos que encontrou quer na oficina quer na zona com entulho de obras situada nas suas imediações.

18. Enrolou primeiramente o cadáver com um cobertor de criança com as medidas 1,05 m por 74 cm e envolveu a cabeça com papel pardo com vestígios de tinta clara que também serviu para absorver o sangue que essa zona apresentava.

19. Seguidamente embrulhou-o num lençol de cor clara com 1,50m por 2,60m e meteu-o no interior de uma manga em plástico transparente com 2m por 2,80m cujas extremidades rematou com dois sacos de cor preta, do tipo dos utilizados para acondicionamento do lixo.

20. Atou então o "embrulho" formado com o cadáver de DD com vários metros de corda de sisal, uma corda lilás com pintas vermelhas com 2,18m e um esticador de cor clara com pintas pretas com 1,50m com os quais igualmente amarrou à parte inferior do cadáver um bloco de cimento e uma alavanca tipo pé-de-cabra com punho em tubo galvanizado.

21. Por último atou à parte superior do cadáver um pedaço de muro com tijolo e reboco de cimento que prendeu com o auxílio de uma cinta de tecido de cor preto e laranja, com as medidas de 4,35m por 22mm e com um gancho em plástico numa das extremidades.

22. Em seguida o arguido AA levou o cadáver assim acondicionado para a bagageira do veículo marca Renault, modelo Clio, com a matrícula XF-..., onde foram detectados vestígios hemáticos nas borrachas da porta da bagageira e no respectivo tapete pertencentes a DD.

23. Cerca das 19H00 do mesmo dia, já com o cadáver de DD na bagageira do citado veículo, conduziu- o o arguido até à Margem Sul, depositando-o no interior da arrecadação anexa à oficina "R...", de sua propriedade, sita na Charneca da Caparica, Almada.

24. Posto isso foi o arguido a casa jantar, onde chegou pelas 21HO0.

25. Em seguida, pelas 23H00, deixou a sua residência e encontrou-se com o arguido FF na Rotunda do Centro Sul, onde o atraiu com o pretexto de que o auxiliasse num transporte.

26. Nesse local combinou novo encontro com o arguido FF, após o regresso deste de Lisboa, onde entretanto se deslocou para levar uns amigos que trazia consigo.

27. Enquanto isso o arguido AA deslocou-se a casa da mãe, na Cova da Piedade, de onde trouxe o veículo propriedade do seu irmão HH, de marca Citroen C3, comercial, uma vez que tinha a bagageira mais espaçosa que o seu e, por isso, ai caberia mais facilmente o cadáver de DD.

28. Depois de ter recolhido o arguido FF, no mesmo local, só a caminho da oficina "R..." é que lhe disse o que havia feito, informando-o de que o tinha que auxiliar no transporte e depósito do cadáver de DD nas águas da Barragem de Montargil, que conhecia bem.

29. Uma vez na dita oficina os arguidos AA e FF transportaram o "embrulho" com o cadáver de DD para a bagageira do veículo supra citado que o arguido AA conduziu até à ponte situada sobre a barragem de Montargil, Ponde de Sôr, na EN 2, onde chegaram por volta das 3h do dia 7.6.06, seguindo o seguinte itinerário — A2 (direcção à Ponte Vasco da Gama) / Al2 / IC3 (direcção a Porto Alto /Alcochete) / EN 118 / EN 119 (direcção Coruche) / EN 251 (direcção a Mora) / EN2.

30. Na referida ponte os dois arguidos retiraram o cadáver de DD da bagageira do veículo e transportaram-no em mãos até ao corrimão situado no lado direito da ponte (sentido barragem de Montargil) de onde o atiraram para as águas da barragem, onde se afundou.

31. Durante tal operação o arguido AA desligou as luzes do automóvel, a fim de evitar serem vistos por terceiros.

32. Depois disso o arguido AA ainda regressou à oficina de ... onde limpou tudo, com o objectivo de eliminar o mínimo vestígio dos factos aí ocorridos, tendo, ainda, lançado para o lixo os pertences da vítima — um par de ténis e uns óculos — bem como a roupa que ele próprio vestia no dia dos factos e que tinha ficado manchada de sangue, artigos estes que não foram recuperados.

33. No dia 7.6.07, da parte da manhã, após ter terminado a limpeza da oficina de ..., o arguido AA deslocou-se à Barragem de Montargil a fim de verificar se o cadáver havia submergido.

34. Nessa altura nada viu a boiar nas águas mas como não pôde ali estar muito tempo resolveu lá voltar ao fim da tarde para o mesmo efeito, desta vez na companhia de GG, a quem pediu emprestada uma mota de água e que o conduzisse até ao local, alegando estar muito cansado.

35. Posteriormente o arguido AA desmontou a oficina de ... levando todo o seu recheio para a "R...", na Charneca da Caparica.

36. No dia 10.6.2006, pelas 16H00, no local denominado Rasquete, na Barragem de Montargil, um grupo de pescadores confrontou-se com um "embrulho" de grandes dimensões a flutuar nas águas, que imediatamente identificaram como tratando-se de um cadáver humano, uma vez que era visível o pé e tornozelo direito.

37. O cadáver em questão foi entretanto reconhecido e identificado como pertencendo a DD, que então já tinha sido dado como desaparecido, embora sob o nome de M...H... pelo qual era conhecido.

38. O cadáver de DD apresentava: no hábito externo, na região da cabeça — " (...) dois orifícios com meio centímetro de diâmetro situados a dois centímetros acima do bordo superior do pavilhão auricular esquerdo e separados entre eles por dois centímetros. (...)". No hábito interno, a nível do crânio, partes moles — "(...) Infiltrado sanguíneo na bossa frontal esquerda com seis centímetros de comprimento por quatro centímetros de...

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