Acórdão nº 98/12.9YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2013
Magistrado Responsável | SALAZAR CASANOVA |
Data da Resolução | 19 de Fevereiro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
N.º 98/12.9YFLSB[1] Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário Extraordinário do Conselho Superior da Magistratura de 29 de maio de 2012 que aprovou a graduação dos candidatos no 1.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, graduando-a em 30.º lugar, deduzindo os seguintes pedidos: 1- Declaração de inconstitucionalidade da deliberação do C.S.M. extratada no Aviso n.º 24799/2011, de 13 de dezembro de 2011, por a) Violação do princípio da reserva orgânica e material da lei ínsito no artigo 164.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa; e b) Violação dos princípios da igualdade e confiança estatuídos nos artigos 2.º, 13.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa.
2- Declaração de inconstitucionalidade da Deliberação do Plenário Extraordinário do C.S.M., de 29 de maio de 2012, e respetivo parecer do júri que a informa por violação dos princípios da confiança, igualdade , justiça e imparcialidade plasmados nos artigos 2.º, 13.º e 266.º,n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
3- Declaração de inconstitucionalidade dos artigos 46.º e 47.º do E.M.J. na interpretação de que os mesmos admitem a transposição por parte do C.S.M. dos critérios atinentes ao concurso ao Supremo Tribunal de Justiça, previstos no artigo 52.º, para o concurso aos Tribunais da Relação e admitem ao júri deste concurso a densificação e preenchimento das lacunas dos critérios genericamente indicados pelo C.S.M., por violação dos mesmos princípios.
4- A declaração de inconstitucionalidade material dos nºs 7 e 8 do artigo 47.º do E.M.J. na interpretação que deles se fez por preverem normas em branco, violando os princípios da transparência do procedimento, de igualdade de oportunidades e da confiança.
5- A declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 30/2009, de 30 de junho, por violação dos princípios da igualdade e da confiança.
Caso assim se não entenda 6- A declaração de invalidade , assente no vício de violação de lei, das aludidas deliberações de 13-12-2011 e de 29 de maio de 2012, nos moldes e com as consequências supra alegadas.
7- A declaração de invalidade da deliberação do júri (parecer) porque emitida contra legem ( vício de violação de lei) nos termos supra explicitados.
8- A declaração de nulidade, por vício de forma, da deliberação do Plenário Extraordinário , de 29 de maio de 2012, com as legais consequências.
Cumulativamente, requer-se: 9- A imposição que o júri e o Plenário do C.S.M. reapreciem os aspetos atinentes aos referenciados critérios/subcritérios utilizados para avaliar os candidatos, vinculando-se a conformá-los com a lei, a reformulá-los e a fundamentá-los nos moldes sobreditos e, por inerência, a refazer o procedimento concursal e a graduação em conformidade.
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A recorrente motivou o recurso considerando o seguinte: 3.
Que o modelo existente de acesso aos tribunais da Relação, que se fazia segundo o mérito relativo dos concorrentes, tomando-se em conta a classificação de serviço e a antiguidade, foi alterado pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, não tendo sido alterado o paradigma estrutural que o concurso curricular já detinha, o que implica, na prática, que, por via de regra, sejam as classificações das inspeções associadas à antiguidade, decorrente da graduação obtida no ingresso na carreira, os parâmetros essenciais dos concursos em causa.
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Que o legislador deu tratamento diferente do acesso ao Tribunal da Relação relativamente ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, pois o Tribunal da Relação (ainda) é um tribunal de carreira ao passo que o Supremo Tribunal de Justiça, que só conhece de direito, não é um tribunal de carreira. O legislador, por isso, quis manter um critério de acesso aos Tribunais da Relação em que, apesar de tudo, se continuasse a dar prevalência ao mérito decorrente do serviço efetivamente prestado e não a outras circunstâncias alheias ao exercício da profissão.
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Que, assim, sendo, a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que transpôs, copiando, para o concurso de acesso ao Tribunal da Relação, os critérios que constam do artigo 52.º do E.M.J., aplicáveis ao concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, critérios estes que o legislador notoriamente reservou para o acesso ao Supremo Tribunal, tal deliberação incorreu , porque contra legem, em vício de violação de lei considerando que o legislador (a) quis afastar tais critérios que (b) não se adequam à natureza e competência do Tribunal da Relação e que (c) já pré-existiam quando da alteração introduzida ao E.M.J. pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho; incorreu ainda em violação do princípio da igualdade com assento nos artigos 5.º do C.P.A. e 13.º da C.R.P.
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Que, por via de tal deliberação, que "importou" para o acesso ao Tribunal da Relação os critérios de avaliação curricular privativos do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, constantes do artigo 52.º do E.M.J., foi violado o princípio da reserva de lei material ínsito no artigo 164.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa, pois é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar quanto ao E.M.J., o que gera a inconstitucionalidade, orgânica e material, de uma tal deliberação.
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Que o próprio júri, à revelia da vontade legislativa, ainda criou subcritérios de pontuação, também eles discricionários e sem sustentação legal, inquinados pela referida inconstitucionalidade.
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Que o modelo introduzido pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, seguido e desenvolvido pelo júri, gerou ainda ostensiva violação do princípio da confiança que tem assento no artigo 2.º da Constituição da República; com efeito, valorizando-se um percurso académico, universitário e pós-universitário em detrimento daquilo que, naturalmente, constitui a efetiva vida de um juiz, ou seja, os seus despachos e sentenças, impondo-se repentinamente critérios que tinham em conta tais fatores, à revelia da lei que os não prevê, rompendo-se um iter passado de cerca de duas décadas, não se prevendo sequer um prazo alargado para aplicação desses novos critérios a fim de que os futuros candidatos pudessem adaptar-se às novas exigências, o aludido princípio foi violado.
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Que a proteção da confiança se mostra atingida em casos de retroatividade aparente, parcial ou inautêntica, ou seja, quando " uma lei pretende vigorar para o futuro (eficácia ex nunc) mas acaba por tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado mas ainda existentes (retroatividade referente a efeitos jurídicos) sendo disso exemplo as normas que modificam as regras de promoção nas carreiras públicas, caso em que a solução mais conforme seria a de se ter previsto uma disciplina transitória para tais situações.
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Que a recorrente não foi abrangida pela Lei n.º 30/2009, de 30 de junho que excluiu do novo regime de acesso aos tribunais da Relação juízes de direito já nomeados como auxiliares na Relação ou os que os precedessem em antiguidade e mérito desde que concorressem aos tribunais da Relação nos próximos 3 movimentos judiciais; ora, integrando a recorrente com colegas o mesmo Curso Normal de Formação, o tratamento diferenciado mostra-se manifestamente inconstitucional por violação do disposto no artigo 13.º,n.º1 da Constituição da República.
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Que, analisados os números 6 e 7 do artigo 47.º do E.M.J., não estão definidos os parâmetros que estão na base do parecer que o júri deve emitir sobre a prestação de cada um dos candidatos, parecer referenciado no n.º6 o qual, de acordo com o n.º7, releva, para a graduação, em 40%. Tais preceitos estão eivados de inconstitucionalidade material uma vez que constituem uma norma em branco relativamente aos critérios concretos da avaliação curricular que permitiria ao C.S.M. a escolha dos critérios que, em cada momento, melhor lhe aprouvesse, o que ofende claramente o princípio da transparência e a garantia de igualdade de oportunidades dos concorrentes e ainda o princípio da confiança plasmados nos artigos 2.º e 266.º da C.R.P.
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Que, já depois da defesa pública dos currículos, o júri, porque entendeu que não existiam elementos relevantes de ponderação no que respeita aos fatores das alíneas do n.º 10 do Aviso de Abertura do Concurso, deliberou ponderá-los nos termos referenciados na matéria de facto ( ver infra); ora, assim procedendo, a graduação de candidatos não assentou em critérios previamente estabelecidos, de harmonia com os princípios da generalidade e da abstração, ou sequer publicados ou conhecidos dos interessados, pois cumpria ao júri unicamente emitir parecer sobre a prestação dos candidatos e não densificar as regras conducentes à graduação; violou, assim, o júri os princípios da igualdade, justiça e imparcialidade previstos nos artigos 13.º e 266.º, n.º2 da Constituição da República.
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Que o juízo de discricionariedade técnica sistematicamente reconhecido nesta matéria ao Conselho Superior da Magistratura não equivale à dispensa de antecipada divulgação da totalidade dos critérios de avaliação e ponderação/pontuação dos diversos fatores que os integram, pois os princípios da transparência de procedimentos, da igualdade, da justiça e da imparcialidade (ver artigo 266.º da C.R.P.) devem orientar as funções dos órgãos e agentes da Administração Pública e, por isso, a deliberação do C.S.M. está inquinada de violação de lei por ofensa dos mencionados princípios.
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Que, no procedimento concursal sub judice, foi dispensada a audiência dos interessados nos termos do artigo 103.º,n.º2, alínea a) do C.P.A. por considerar o órgão administrativo que " a prova pública" constitui ato procedimental com virtualidade bastante para dispensar a audiência prévia dos interessados; no entanto, a " prova pública" reduzida à defesa do currículo do interessado não preenche o fim último visado pela audiência prévia - o de assegurar a cada interessado que tome posição sobre o projeto...
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