Acórdão nº 806/07.0TBTND.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, BB e mulher CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG, HH, II e mulher JJ, KK, LL e mulher MM, NN e mulher OO, PP e marido QQ, RR, SS e marido TT, UU e VV e mulher XX vieram intentar acção, com processo ordinário, contra ZZ), S.A. e AAA, S.A., pedindo que: a) se declare que são os donos e legítimos comproprietários do prédio rústico, sito na Encosta do ........, freguesia de Mosteirinho, concelho de Tondela, inscrito na matriz sob o artigo 2400 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob a inscrição 000000000000, e se condenem as rés a reconhecer tal; b) se condenem as rés a abster-se, de imediato e totalmente, de colocar em funcionamento o aerogerador n.º 9, referido nos artigos 26º e 27º da petição inicial, suspendendo definitivamente a actividade do mesmo; ou, em, alternativa c) se condenem as rés a retirar o dito aerogerador, e respectiva torre, para a distância superior a 250 m da extrema nascente do prédio dos autores.

Alegando, para tanto, e em suma: São os únicos e legítimos comproprietários do prédio identificado em a) do seu pedido, o qual se encontra registado a seu favor na competente Conservatória do Registo Predial e que, adquiriram por usucapião, uma vez que, por si e seus antepossuidores, há mais de 30 anos, pública e pacificamente vêm usufruindo, na convicção de que este lhe pertence.

A primeira ré procedeu à construção e montagem de um parque eólico, na cumeada do Serra do ........, composto por 16 aerogeradores, implantada ao longo de uma estrada.

O parque eólico e o prédio dos autores ficam separados por uma estrada.

O prédio dos autores fica do lado esquerdo da referida estrada.

Como cada aerogeradores tem uma altura de 67 metros, as pás 43 m e o roter 87 metros, pelo menos um deles ocupa o espaço aéreo do prédio dos autores numa distância superior a 20 metros.

Além do mais, o prédio dos autores ficou onerado e diminuído nas suas utilidades, já que nele ficam os autores privados de instalar outro parque eólico, ainda que por cedência ou arrendamento a terceiros.

A primeira ré transferiu para a segunda ré a titularidade da licença do estabelecimento do dito parque eólico.

Citadas, as rés vieram contestar, defendendo-se por excepção e por impugnação.

A ré ZZ invocou a excepção da sua ilegitimidade passiva, por já não ser a proprietária do parque eólico e afirmou que as pás do gerador n.º 9 nem sempre sobrevoam o prédio dos autores e quando o fazem apenas o atingem numa extensão de 1 a 20 metros, não se verificando uma violação que mereça a tutela do direito.

A ré AAA contestou deduzindo a excepção de ilegitimidade activa dos 2.º a 4.º, 8.º a 10.º, 12.º e 13.º autores, por que não se encontra inscrito, a favor deles, o respectivo direito de propriedade. Por impugnação, invocou, em suma, que as pás do gerador n.º 9 apenas em certas condições sobrevoam o prédio dos autores, pelo que não se verifica uma violação que mereça a tutela do direito. Mais disse que as pás giram a uma altura muito superior a 24 metros de altura não se encontrando o prédio minimamente onerado, pelo que os autores actuam abusivamente.

E, concluem, pugnando para que os sejam absolvidos da instância, por procederem as excepções por si invocadas, ou seja a acção julgada improcedente, com a sua absolvição do pedido.

Replicaram os autores, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.

A ré AAA, S.A., treplicou reafirmando a sua posição quanto à ilegitimidade de alguns autores.

Foi proferido o despacho saneador, que ordenou o desentranhamento da tréplica e julgou improcedentes as excepções – de ilegitimidade passiva da ré ZZ, S.A. e da ilegitimidade activa dos 2.º; 3.º; 4.º; 8.º; 9.º; 10.º; 12.º e 13.º autores – arguidas.

Foram fixados os factos tidos por assentes, tendo sido organizada a base instrutória, ulteriormente aditada, por procedência de reclamação.

BB e mulher CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG – 2.

os; 3.

os e 4.

os autores – vieram desistir do pedido, desistência homologada por despacho de fls. 484.

Realizado julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 533 a 536 consta.

Foi proferida sentença, onde, na improcedência da acção, se absolveram as rés ZZl), S.A. e AAA, S.A. dos pedidos formulados pelos autores AA, HH, II e mulher JJ, KK, LLe mulher MM, NN e mulher OO, PP e marido QQ, RR, SS e marido TT, UU e VV e mulher XX.

Inconformados, vieram os autores interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde, por acórdão de fls 727 e ss, na parcial procedência do mesmo, com alteração da resposta dada ao artigo 19.º e correcção da redacção dada à alínea E) dos factos assentes e artigo 4.º dos factos provados, se declarou os autores comproprietários do prédio rústico, sito na Encosta do ........, freguesia de Mosteirinho, concelho de Tondela, inscrito na matriz sob o artigo 2400 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob a inscrição 000000000000 e condena-se as rés a reconhecerem esse direito e se condenou a ré AAA a abster-se, de imediato e totalmente, de colocar em funcionamento o aerogerador n.º 9 identificado nos autos, revogando-se nesta parte a sentença recorrida. No mais, julgou-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Agora irresignadas, vieram as rés pedir revista.

A ré ZZl), S.A.

, formulou, na sua alegação, as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – Nas suas alegações de recurso, os Recorridos fazem depender a alteração da decisão da primeira instância de uma modificação da resposta ao quesito 19.° para termos que especificamente os Recorridos indicaram e que visavam sustentar a existência de um dano.

2.ª – A resposta ao quesito em causa foi alterada pelo Tribunal a quo, mas não nos termos pretendidos pelos Recorridos, sendo que a resposta dada não permite determinar de forma lógica e de acordo com a experiência média um "dano sério" para os ora Recorridos: porque não se considerou provada a impossibilidade de cedência do imóvel em causa, sendo certo que o terreno dos ora Recorridos tem uma área de total 250.000 m2 – al. E) da matéria assente – e que as pás do Aerogerador invadem o espaço aéreo do prédio em causa numa distância de apenas 28 metros (cfr. resposta ao quesito 10° da Base Instrutória).

  1. - Assim sendo, não se verificaram as premissas que permitiriam ao Tribunal a quo alterar a decisão como o fez, ou seja, dando como demonstrados, sem mais, sérios prejuízos para os ora Recorridos pela mera invasão do espaço aéreo. Para tal, seria necessário que os ora Recorridos tivessem feito uma prova cabal desse prejuízo, tomando por base na resposta dada ao quesito pelo Tribunal a quo.

  2. - Os Venerandos Desembargadores conheceram, assim, em excesso de pronúncia, de questões de que não poderiam ter conhecido, atendendo à limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso, nulidade que é subsumível na alínea d) do número 1 do artigo 668.° do CPC, aplicável ex vi artigo 716.° do CPC. Deve, pois, o tribunal ad quem declarar a nulidade do Acórdão e reverter a decisão em conformidade.

  3. - O Tribunal a quo extravasou igualmente os seus poderes de cognição, permitindo-se conhecer, sem que tal lhe tenha sido requerido, factos nunca antes alegados e provados no processo.

  4. - O Tribunal a quo fundamenta o interesse dos ora Recorridos, em evitar o sobrevoo do seu imóvel pelas pás do aerogerador, no seguinte "facto" não anteriormente carreado ou alegado no processo: " (...) ao andar-se por baixo das pás do aerogerador (...) ter-se-á uma sensação de desconforto, quiçá de insegurança, que será tanto maior, quanto maior for a velocidade a que aquelas estiverem a circular. Esse desconforto ou insegurança acabam por condicionar a circulação de pessoas nessa parte do imóvel o que, evidentemente, afecta o gozo do mesmo" (sublinhado nosso). Ora, tal "facto" não poderia ter sido utilizado na decisão de que agora se recorre.

  5. - Desde logo, porque o tribunal de recurso fica limitado às alegações e respectivas conclusões das partes, sendo nessa base delimitados os seus poderes de cognição, bem como da matéria carreada para o processo pelas partes.

  6. - Adicionalmente, porque o Tribunal a quo apenas poderia exceder o pedido dos Recorridos se estivéssemos perante matérias de conhecimento oficioso, que não é o caso.

  7. - Com efeito, não é defensável, que uma situação de desconforto ou de insegurança pela passagem por baixo das pás de um aerogerador configure um facto notório de conhecimento oficioso. Tal situação constitui um facto interno e como tal, carece de alegação e de prova, sendo que nem um nem outro se verificaram nos autos.

  8. - Mesmo que tal facto pudesse considerar-se como uma presunção decorrente de máximas de experiência, sempre haveria necessidade de especificar a concreta matéria de facto no qual se apoiou o Tribunal a quo para obter e dar como provado que determinada realidade se constituiu e existiu ou existe efectivamente (fazendo a doutrina referida apelo, nomeadamente, ao previsto nos artigos 638.°, número 1 e 653.°, número 2, ambos do CPC) o que não foi feito.

  9. - Termos em que, deve Acórdão ser considerado nulo por excesso de pronúncia, por aplicação da alínea d) do número 1 do artigo 668.° do CPC, aplicável ex vi artigo 716.° do CPC, devendo a decisão ser revertida nesta parte.

  10. - Igualmente se configura um excesso de pronúncia do Acórdão na sua decisão de determinar a cessação imediata e total do funcionamento do Aerogerador.

  11. - Para que tal decisão fosse possível, era necessário demonstrar-se uma legitimidade e um interesse de terceiros que não se alegou nem materializou nos presentes autos, sendo nessa medida nula e insustentável a conclusão e respectiva decisão a que o tribunal recorrido chega.

  12. - Deste modo, laborou o Tribunal a quo em excesso de pronúncia. Termos em que, deve o Acórdão ser considerado nulo por excesso de pronúncia, por aplicação da alínea e) do número 1 do artigo 668.° do CPC...

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