Acórdão nº 08B1547 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução11 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA intentou, em 18.04.2005, no Tribunal Judicial da comarca de Esposende, contra A...F...,Lda, acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta sociedade a pagar-lhe a importância total de € 31.011,60, destinada a reparar os prejuízos decorrentes do retardamento da prestação de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, celebrado em 02.08.95, entre a ré, como promitente vendedora, e o autor, como promitente comprador, da perda do valor comercial desta fracção, provocada pelo abandono da obra e degradação do empreendimento, imputáveis à ré, e ainda das anomalias existentes na dita fracção autónoma.

A ré contestou, invocando a caducidade do pedido de indemnização no tocante às invocadas anomalias, e impugnando a demais facticidade alegada pelo autor, concluindo pela improcedência da acção.

No despacho saneador foi julgada verificada a excepção de caducidade no que respeita ao pedido de indemnização pelos vícios (anomalias) verificados na fracção autónoma, no valor de € 2.380,00, decisão que transitou em julgado, prosseguindo a acção para apreciação dos dois outros pedidos - indemnização pelo retardamento da prestação e perda do valor comercial - num total de € 28.631,60.

Prosseguindo a acção a sua normal tramitação, veio o Ex.mo Juiz do Círculo de Barcelos a efectuar o julgamento e a proferir sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo a ré do pedido.

O autor interpôs, da sentença, o pertinente recurso de apelação, impugnando a resposta a um dos quesitos (quesito 14º) da base instrutória, e pugnando pela revogação da sentença e pela condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de € 18.881,60.

No julgamento da apelação, a Relação de Guimarães alterou a resposta ao mencionado quesito - de «não provado» para «provado apenas que a ré recebeu a carta referida em T) a 22 de Outubro de 1998», sem que tal interferisse na sorte da demanda, pois julgou improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.

Recorre de novo o autor, agora de revista, culminando as suas alegações de recurso com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª - As partes devem, na realização da prestação e na execução dos contratos, actuar com boa fé - com lisura, transparência e respeito pelos interesses da parte contrária - cooperando para a obtenção do objectivo comum; 2ª - Daí que, quer o devedor quer o credor, estejam sujeitos a deveres acessórios de conduta, indissociáveis da regra geral de actuação de acordo com a boa fé (art. 762º/2 do CC) - e sem os quais a prestação a que se vincularam pode sair frustrada; 3ª - A omissão dos actos necessários ao cumprimento da obrigação é um dos motivos que pode conduzir á mora; 4ª - A ré incorreu em mora a partir do fim de Março de 1998, pois não levantou, deixando devolver, a carta que o autor lhe dirigiu em 15.09.97, fixando-lhe um prazo razoável para que realizasse a cooperação indispensável ao cumprimento da obrigação; 5ª - A omissão desse acto de cooperação, necessário para o cumprimento da obrigação, traduz abuso de direito - art. 334º do CC; 6ª - A mora do devedor existe, independentemente de interpelação, se o próprio devedor a impedir, considerando-se, neste caso, interpelado na data em que normalmente o teria sido (art. 805º/2.c) do CC), sendo que, ao recusar e ao não responder às comunicações do recorrente, a ré mais não quis do que esquivar-se a essa interpelação; 7ª - Entendeu-se, no acórdão recorrido, que não é imputável à ré o dilatado lapso temporal verificado entre a celebração do contrato-promessa e o contrato prometido, pelo que esta não terá incorrido em mora no cumprimento; mas os factores que contribuíram para esse atraso e que os factos provados revelam, não são imputáveis ao recorrente, não podendo ser contra si valorados; 8ª - Efectivamente, o contrato-promessa não ficou dependente de qualquer condição; 9ª - No momento da sua celebração, a ré ocultou ao autor a existência de algum problema ou obstáculo à realização do contrato definitivo, não o alertando, como devia - dadas as implicações que daí podiam resultar - para a contingência resultante do conflito que tinha pendente com os herdeiros de BB; 10ª - Por isso, a ré - que desde a celebração do contrato-promessa se intitulou proprietária da fracção, e que sabia que, enquanto não resolvesse tal conflito e sem que estivesse definitivamente registada em seu nome aquela fracção, o contrato definitivo não seria celebrado - é a única responsável pelo atraso no cumprimento (art. 798º do CC); 11ª - E, tendo sido interpelada para cumprir o contrato até Março de 1998, ficou constituída em mora a partir de 1 de Abril seguinte (art. 805º/1 do CC), e na consequente obrigação de reparar os danos causados ao autor (art. 804º/1); 12ª - A mora presume-se culposa e responsabiliza o devedor, cabendo a este provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não decorre de culpa sua (arts. 798º e 799º); 13ª - Quando foi celebrado o contrato-promessa, a fracção autónoma estava em fase de acabamentos, e o autor tinha em vista a sua aquisição para a arrendar durante a época balnear; 14ª - Uma fracção autónoma com características idênticas e situada na mesma zona territorial pode ser arrendada por cerca de € 750,00/mês entre Julho e Setembro; 15ª - Em Novembro de 1995, a ré interrompeu a execução das obras na fracção autónoma e em todo o empreendimento, encontrando-se então o Bloco NE ainda em tijolo, com as paredes sem revestimento; 16ª - A partir do Inverno de 1996 surgiram infiltrações de humidade, que provocaram o levantamento do soalho e a deterioração da parede da sala comum da fracção - o que impediu o recorrente de dar esta de arrendamento; 17ª - Apesar da entrega da fracção, e essencialmente devido às infiltrações de humidade, o autor esteve impedido de a arrendar durante a época balnear dos anos de 1997 a 2002, inclusive, deixando de receber o rendimento correspondente, que totaliza € 11.250,00; 18ª - As obras de reparação do pavimento da sala comum, bem como as de pintura, originadas pela infiltração de humidade, foram concluídas em Maio de 2003; 19ª - A fracção autónoma, essencialmente por ser já um apartamento usado e ainda devido à entrada de humidades, perdeu cerca de 10% do seu valor comercial, sofrendo um prejuízo equivalente a 10% do preço de aquisição, ou seja, € 7.631,60 - devendo, assim, na procedência do recurso, ser a ré condenada a satisfazer ao recorrente esta quantia e a referida na conclusão 17ª.

A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre agora conhecer e decidir do mérito do recurso.

  1. Vêm, das instâncias, provados os seguintes factos: 1. Por contrato-promessa outorgado a 02.08.1995, com assinaturas reconhecidas notarialmente e certificação de existência do respectivo alvará de licença de obras n.º 371, a ré prometeu vender a fracção autónoma designada por T2, no ....º andar norte, Bloco ..., situado no conjunto habitacional sito na Rua de Colónia, da freguesia de Apúlia, Esposende, livre de ónus e encargos, ao autor, que lha prometeu comprar (alínea A) dos "Factos Assentes"); 2. A fracção em causa faz parte de um empreendimento turístico, denominado Apúlia Mar, que a ré tinha em construção, em regime de empreitada, composto por habitações, lojas, piscinas e courts de ténis (alínea B)); 3. O preço da venda prometida foi fixada em 15.300.000$00 (quinze milhões e trezentos mil escudos), a pagar da seguinte forma: - 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), que a ré recebeu na data da outorga do contrato-promessa; - 1.000.000$00 (um milhão de escudos), em 2 de Setembro de 1995; - 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), em 30 de...

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