Acórdão nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução17 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I S, por si e em representação do seu filho menor J, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra CENTRO DE RADIOLOGIA X, LDA, DR. M, director clínico da primeira Ré, e DR.ª H, alegando essencialmente que o J nasceu a 26 de Novembro de 2003 (e não 26 de Novembro de 2006 como por lapso se escreveu na Petição Inicial) com sindroma polimalformativo às 38 semanas de gestação, designadamente sem mãos nem braços, deformação dos pés, da língua, do nariz, das orelhas, da mandíbula e do céu da boca. Durante a gravidez, a Autora realizou as ecografias obstétricas medicamente previstas para gravidez na 1ª Ré, onde foi sempre assistida pelo Sr. Dr. M, que elaborou os relatórios correspondentes às ecografias realizadas. À medida que os exames eram efectuados e visualizados, pelo Réu sempre foi dito e mostrado à Autora que o bebé era perfeitamente normal. Porém, incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciação e diagnóstico, pois que, segundo as actuais exigências das leges artis, com os conhecimentos científicos existentes na época, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizável a um médico radiologista, pela análise das películas em causa que existiam já determinadas patologias ou, pelo menos, indícios delas que deveriam constar dos relatórios efectuados, permitindo um diagnóstico definitivo através de novos exames. Caso não se demonstre que as películas demonstravam tais patologia, então houve troca grosseira das imagens. Não possuindo o Autor mãos e antebraços, fossem visíveis nas imagens ecográfícas – que não são – estas não lhe poderiam pertencer. Agindo como agiram, podendo e devendo ter identificado as patologias observáveis nos exames que realizaram, malformações congénitas permanentes e irreversíveis, os 1º e 2º Réus deixaram a Autora no desconhecimento de que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfológicas. Se as conhecesse à data dos exames ecográficos realizados, a Autora teria optado, por interromper voluntariamente a gravidez.

A 26 de Agosto de 2003 a Autora foi encaminhada pela sua médica de família para o Hospital P, por lhe ter sido diagnosticada ITU de repetição onde foi à consulta da 3ª Ré, Dr.ª H, especialista em obstetrícia, que qualificou a gravidez de “alto risco”, mas, procedendo à visualização e análise das ecografias referiu à Autora que nada de anormal se passava com o embrião, receitando-lhe medicamentos para a dita ITU. Pelo que também esta Ré incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciação e diagnóstico.

Por sucessiva negligência grosseira, foi coarctado à Autora o direito de auto-determinar a sua vontade relativamente ao destino da sua gravidez, pelo que ambos os Autores terão de encarar para a vida as malformações congénitas descritas. O Autor sempre dependerá de terceiros para a sua sobrevivência, e necessitará dos cuidados permanentes da Autora para a execução das mais simples tarefas do quotidiano. Com o nascimento do Autor com as patologias da malformação, a Autora passou a viver num desequilíbrio emocional profundo, já previsível aquando dos errados diagnósticos e a interrupção da gravidez seria, então, o único meio idóneo a evitar o real perigo que a gravidez constitui para a sua saúde psíquica.

Também o Autor sofre danos não patrimoniais, no interesse do qual a Autora deveria ter abortado, evitando a vida de angústia e sofrimento por que ambos os Autores passam.

O Autor tem graves problemas de formação, desenvolvimento e crescimento que advêm da malformação uterina, pelo que nunca poderá, de forma independente, ter uma vida normal, mesmo no que se refere à realização das mais básicas tarefas do quotidiano. Tendo perfeita consciência disso por ter um desenvolvimento mental normal, sofre profunda revolta, nervosismo e incompreensão no seu penoso dia a dia.

Pela sua gravidade e perenidade, os critérios de equidade impõem compensação global nunca inferior a € 100.000.00.

O Autor sofre também danos patrimoniais resultantes da total falta de capacidade de trabalho que se irá prolongar por toda a sua maioridade, completamente dependente de terceiras pessoas. A capacidade de ganho está totalmente afectada, ou pelo menos é extremamente reduzida, constituindo um dano futuro previsível a reparar desde já por recurso à equidade e, assim, num valor que estima em € 300.000,00.

Quanto à Autora: Estima a compensação dos seus graves danos não patrimoniais na quantia de € 100.000,00.

Relativamente aos seus danos patrimoniais, invoca as despesas de farmácia para cuidar do J, a impossibilidade de trabalhar por causa da indispensável dedicação quase exclusiva ao Autor, vivendo ela apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 318,32, tendo ainda a mãe e um outro filho menor, mais velho, a cargo. Antes do nascimento do Autor auferia, em média, € 600,00 por mês do seu trabalho. O seu prejuízo patrimonial ascende já a € 10.140.48 (36 meses).

Além disso, os Réus devem ser condenados no pagamento da quantia de € 281,68 (€ 600,00 - € 318,32) por cada mês que decorra entre a data da petição inicial (19 de Novembro de 2006) e a efectiva contratação de técnico que venha a acompanhar o Autor, permitindo que a Autora regresse ao trabalho.

A situação clínica do Autor determinará um acréscimo de despesas para a Autora que só no futuro poderão ser determinadas.

Terminam com o seguinte pedido: «Termos em que Deve a acção ser julgada totalmente procedente por provada e, por via dela, serem os Réus solidariamente condenados: a) a liquidar ao Primeiro Autor quantia nunca inferior a €. 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos não patrimoniais descritos nos artigos 137° a 179°, directamente imputáveis às condutas dos Réus; b) a liquidar ao Primeiro Autor quantia nunca inferior a €. 300.000,00 (trezentos mil euros), pelos danos patrimoniais causados pelos R.R., melhor descritos nos artigos 180° a 202°, montante equitativo atendendo a que aquele Autor poderia ter cerca de 50 anos de vida útil, e poderia vir a auferir um rendimento equitativamente médio de cerca de €. 500,00, c) a liquidar à Segunda Autora quantia nunca inferior a €. 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos não patrimoniais descritos nos artigos 203° a 249°, directamente imputáveis às condutas dos Réus; d) a liquidar à Segunda Autora a quantia de €. 10.957,91 (dez mil novecentos e cinquenta e sete euros e noventa e um cêntimos, acrescida de €. 281,68 (€. 600,00 - €. 318,32) por cada mês que decorra entre a presente data de 19 de Novembro de 2006 até à efectiva contratação de técnico que venha a acompanhar o Primeiro Autora, - para compensação dos danos patrimoniais líquidos melhor alegados nos artigos 250° a 265°.

  1. A liquidar à Segunda Autora quantia correspondente às despesas médicas e de educação que assumem carácter extraordinário, melhor alegadas nos artigos 266° a 286°, quantia essa a fixar em sede de incidente de liquidação ou, em alternativa, em sede de execução de sentença, ou ainda por critérios de equidade, caso a instrução da demanda assim venha a permitir.

  2. No pagamento de juros moratórios, à taxa legal, contados sobre as importâncias líquidas acima peticionadas, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; g) No pagamento de todas as custas e encargos do processo, bem como de procuradoria.» (sic) Citados, os Réus contestaram a acção.

O 1º Réu, Centro de Radiologia, impugnou parcialmente os factos alegados pelos Autores dizendo que as ecografias realizadas não são “as medicamente previstas” e que apenas permitem uma avaliação fotográfica do instante/momento em que o exame é realizado, sem uma natureza definitiva, atento o carácter dinâmico e progressivo da gestação que, por seu lado, é interferível por uma multiplicidade de factores endógenos e exógenos com os quais, naturalmente, o exame ecográfico em si mesmo não contende.

As expressões utilizadas de «favorável», «compatível» e «feto normal», são o que a imagem do equipamento permite visualizar, e não a absoluta realidade, o diagnóstico absoluto, que os equipamentos não captam nem captarão e não é possível realizar, nem nos dias de hoje.

Dada a limitação dos equipamentos imageológicos, não houve qualquer erro de diagnóstico e as imagens tiradas (doc.s de fl.s 110 e seg.s) não permitiam conclusões diversas das constantes dos relatórios.

Ascende a 45% a percentagem de erro na execução técnica dos exames ecográficos, mesmo quando realizada pelos melhores especialistas médicos. E no exame ecográfico não há qualquer resultado de diagnóstico alcançável fora do contexto de intervenção do equipamento ecográfico, com a sua falibilidade intrínseca própria. Não se pode garantir um resultado que o equipamento não atinge (e que por essa circunstância não pode ser atingido).

Por outro lado, a leitura que o ecografista faz das imagens por si captadas da forma medicamente indicada destinam-se ao médico assistente da utente, não sendo um exame do qual se parta para a execução imediata de acordo com a conclusão que dele se retira. Cabia à médica de família ou médico assistente da Autora a formulação de um juízo próprio, sem sujeição ao relato do médico ecografista.

Além disso impunha-se a realização de uma terceira ecografia às 28ª/32ª semanas de gestação.

Entre a 15ª semana de gestação e o parto podem acontecer múltiplas vicissitudes à gravidez e, por consequência, ao feto, como certamente aconteceram, designadamente por medicação a que a grávida se submeta com errada indicação médica ou por sua iniciativa, sem controlo médico.

Conclui que nem as malformações eram patentes à data da realização dos exames, nem a sua configuração podia ser diagnosticada, nem a afirmação, actual da Autora, pode ter qualquer valor retroactivo. Nega qualquer relação causal entre o diagnóstico efectuado e os danos alegados pela Autora, considerando ainda exagerados os valores indemnizatório peticionado.

Por tudo, defende a improcedência...

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