Acórdão nº 179/1999.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.No âmbito de um processo de expropriação por utilidade pública, no qual figuram como expropriante AA – Concessionária para a Travessia do ..., S.A. e como expropriada a BB. Lda., relativo à parcela 11.1, com a área de 12.772m², parte do prédio denominado “R...” ou “R…”, situado na ..., freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha nº ..., inscrito na matriz sob o artigo 1934, foi fixada a indemnização de 2937560$00 pela decisão arbitral de fls. 74. Ambas as partes recorreram.

Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 59º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, realizou-se a avaliação. Foram apresentados dois relatórios, a fls. 698 e a fls. 782, notificados às partes. A expropriada deduziu reclamação contra o que foi apresentado por dois dos peritos nomeados pelo tribunal e pelo perito indicado pela expropriante; os correspondentes esclarecimentos foram prestados, a fls. 887 e 1146.

A fls. 922, invocando o “direito ao contraditório e ao poder de controlar os ‘testemunhos’ que invocam os peritos”, bem como o “dever de descoberta da verdade” que recai sobre o tribunal, a expropriada veio requerer ao juiz que decidisse: “a) Admitir dois relatórios periciais e de avaliação a 2 parcelas contíguas da destes autos onde os peritos do Tribunal e o então perito da AA concluíram da possibilidade e viabilidade económica das próprias bacias das salinas para agricultura – juntos como docs. e 2 3; b) Ordenar a produção de esclarecimentos verbais de todos os Senhores Peritos, em audiência de julgamento sobre as questões de facto supra referidas; c) Ordenar a produção de prova testemunhal, sobre a factualidade referente às questões supra referidas, indicando-se as seguintes testemunhas: (…)”.

A fls. 1017, foi proferido despacho indeferindo o requerimento de fls. 922, nestes termos: “Os artº 56º e 58º do CE/91 definem como momentos para junção de documentos e requerer as demais provas, a interposição de recurso e a resposta ao mesmo. Podendo, obviamente ser juntos documentos, relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa em momento posterior, sempre que existam factos supervenientes que o exijam (art. 524º do CPC). A expropriada alega que os Srs. Peritos mudaram a sua posição quanto ao tipo de pescado na região, em relação a outros relatórios que apresentaram em outros processos expropriativos, pelo que existe a necessidade de contrariar os ‘testemunhos’ dados aos Srs. Peritos para fundamentarem o cálculo por si efectuado. Ora, nos presentes autos foi efectuada a avaliação pelos Srs. Peritos nomeados, foram pedidos esclarecimentos e os mesmos prestados, pelo que, não pode agora a expropriada em sede de alegações pretender invalidar a avaliação efectuada e os esclarecimentos prestados por, porventura, não irem ao encontro dos desejos da expropriada. Nem pretender proceder, sem mais, a uma comparação de avaliações efectuadas em parcelas situadas na mesma região, pois cada parcela tem as suas características próprias e deve ser avaliada de per si tendo os Srs. Peritos em conta os valores praticados na região relativamente aos elementos a considerar. Não existem, por outro lado, factos supervenientes que justifiquem a junção de documentos ou a realização de quaisquer outras diligências probatórias neste momento, pelo que, por extemporaneidade, não se admite a junção de documentos aos autos. Determina-se, pois, o desentranhamento dos documentos de fls. (…)”.

A expropriada interpôs recurso, que foi admitido como agravo, com subida diferida.

Pela sentença de fls. 1193, foi negado provimento ao recurso da expropriante e concedido provimento parcial ao recurso da expropriada, fixando-se a indemnização em €52.588,71, actualizável nos termos indicados.

A expropriante recorreu; e a expropriada, nas contra-alegações, veio ampliar o objecto do recurso.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 1422, que não admitiu a ampliação do objecto do recurso, foi concedido provimento à apelação, sendo fixado em € 15.294,47 o montante da indemnização, e negado provimento ao agravo, nos seguintes termos: «2.5. Passando, agora, ao conhecimento do agravo interposto pela Expropriada, importa referir que o momento para a apresentação dos meios de prova, no âmbito do recurso da arbitragem, no processo de expropriação está, expressamente, previsto nos artigos 56.° e 58.°, n.º 2, do Código das Expropriações.

Efectivamente, com a interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente oferece todos os documentos e requer as demais provas. Por outro lado, com a resposta ao recurso interposto, a parte contrária pode juntar, também, todos os documentos e requerer as demais provas.

Perante esta regulação específica, pode afirmar-se que não existe qualquer lacuna no processo especial de expropriação, não se justificando, por isso, recorrer, de forma subsidiária, ao Código de Processo Civil, nomeadamente ao disposto no seu art. 523.°, n.º2. Para além disso, as situações nem sequer são equiparáveis, pois enquanto no processo civil está em causa o momento da apresentação dos documentos no âmbito da acção, já no processo de expropriação está em causa o momento da apresentação dos documentos na fase do recurso da arbitragem. Tais situações correspondem a fases processuais distintas e, como tal, com regulação específica e diferenciada. Neste sentido, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Março de 1998 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, T. 2, pág.93).

As normas dos artigos 56.° e 58.°, n.º 2, do Código das Expropriações não contendem com quaisquer princípios de natureza constitucional, sendo despropositada a invocação do princípio do contraditório. As partes, depois da avaliação, podem ainda apresentar reclamação, obtendo esclarecimentos dos peritos, verificados os respectivos pressupostos, como podem também alegar (art. 63.° do Código das Expropriações). Nessa medida, têm oportunidade, pois, de se pronunciar, com grande amplitude, sobre a prova, nomeadamente a que advém da avaliação, não estando em causa a existência de um processo equitativo.

Por outro lado, o princípio da igualdade, em matéria de expropriações, tal como foi alegado, tem natureza substantiva, não fazendo qualquer sentido a sua invocação, para tentar justificar a apresentação de documentos, cuja junção não foi requerida no momento processual próprio.

Não se contemplando no Código das Expropriações uma audiência final, não podia ser deferida a prestação de esclarecimentos verbais por parte dos peritos, sem que isso corresponda à violação de qualquer princípio, sendo certo ainda que não está em causa o poder conformador do legislador, que entendeu, na altura, não ser indispensável a realização de uma audiência final no processo especial de expropriação.

Nesta conformidade, o despacho recorrido, que indeferiu a pretensão da Agravante, quanto à apresentação de documentos, testemunhas e prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos em audiência final, está de acordo com a lei vigente aplicável.» 2. A expropriada recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil (contradição entre o acórdão recorrido, por um lado, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2010, proc. 09B0280, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Junho de 2011, proc. nº 1271/10.0YRLSB, por outro); o recurso, admitido na Relação e ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, veio finalmente a ser considerado admissível pelo despacho de fls. 1639, na sequência do acórdão deste Supremo Tribunal de fls. 1628.

Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «1ª- Aplicável, no que ao regime processual concerne, ao presente processo expropriativo é o Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18-09 (CE/99), por ser o diploma vigente ao tempo dos trâmites processuais em causa.

  1. - O regime regra para a junção de documentos e requerimento de demais prova no recurso de decisão arbitral e resposta ao mesmo, previsto nos art.s 58.º e 60.º, n.º 2.º do CE/99 – disposições correspondentes aos art.º 56.º e 58.º, n.º 2 do CE/91 – não exclui a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que é o próprio art.º 463.º, n.º 2 do CPC que prevê essa aplicação, no respeitante a prova requerida em momento posterior ao previsto em tais artigos do CE/99.

  2. - O CE/99 – à semelhança do de 91 – concede às partes, por força do previsto nas normas aplicáveis do CPC, a possibilidade de juntarem documentação ou requererem demais prova em momento posterior ao recurso da decisão arbitral e respectiva resposta, prevendo, inclusivamente, que essa produção de prova possa ser oficiosamente determinada pelo Juiz, na fase instrutória subsequente a tais peças, de acordo com o disposto no art.º 61.º, n.º 1 do CE/99 – 59.º, n.º 1 do CE/91.

  3. - Sufragando, por meio de interpretação restritiva do disposto em art.s 58.º e 60.º, n.º 2 do CE/99 – correspondentes aos art.s 56.º e 58.º, n.º 2 do CE/91 – a tese de que este código não padece de qualquer omissão suprível pela aplicação do disposto no CPC, no que à prova requerida além daquele momento processual respeita, viola e coarcta o Tribunal a quo direitos fundamentais da recorrente, além de decidir em sentido diametralmente oposto ao adoptado nos acórdãos fundamento (Ac. do TRL de 14-06-2011, proferido no processo 1271/10.0YRSLB-1 e Ac. do STJ de 11-02-2010, proferido no processo 09B0280).

  4. - Assim, violou o tribunal a quo com a sua decisão as disposições contidas no art.º 523.º, n.º 2; 524.º, n.º 2; 512.º A; 588.º, n.º 1; 652.º, n.º 3, al. c); e 519.º do CPC, bem como o disposto em art.ºs 56.º, 58.º, n.º 2 e 61.º, n.º 1 do CE/99.

  5. - Aliás, a interpretação consignada no acórdão recorrido viola o disposto nos art.s...

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