Acórdão nº 469/11.8TJPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - A herança jacente aberta por óbito de AA, representada pela cabeça-de-casal BB, intentou contra: CC; A presente ação declarativa de condenação, a qual segue o regime processual experimental estabelecido pelo Decreto-Lei 108/2006, de 8/6.

Alegou, em síntese, que: AA faleceu em …/…/2… e na sua herança integra-se um prédio urbano; Tal prédio está arrendado desde 19/12/1973 para uma habitação e a ré viu transmitida a seu favor a condição de arrendatária, em virtude da morte do seu marido, ocorrida em …/…/19…; Em Agosto de 2010 ela, autora, constatou que o prédio tinha sido transformado, estando fisicamente separado no seu interior em três habitações independentes, uma em cada um dos três pisos, nele residindo três famílias; Foram feitas obras sem consentimento do senhorio e residem no arrendado pessoas sem legitimidade para o efeito.

Pediu, em conformidade: Que se decrete a resolução do contrato de arrendamento e que se condene a ré a entregar-lhe o arrendado, livre e desembaraçado de pessoas e coisas, no dia que se segue ao dia do trânsito em julgado da sentença.

Contestou a ré, contrapondo que: À data do arrendamento de 1973 viviam no prédio dez pessoas, ou seja, ela e o seu marido, 4 filhos desse casal, DD e mulher, uma filha desse casal e EE; O senhorio de então acordou que as profundas obras de que o prédio necessitava teriam de ser feitas pelos três conjuntos de inquilinos de famílias distintas, mas só celebraria um contrato de arrendamento, por se tratar de um único prédio, contrato esse que celebraria com o representante mais velho dos inquilinos, com a renda dividida por todos os conjuntos de inquilinos, incumbindo àquele representante proceder à entrega mensal da renda; Atualmente vivem no prédio seis pessoas, sendo a evolução dos moradores e a sua repartição pelo prédio do conhecimento do falecido AA e da mulher deste, ora cabeça de casal, além de ter existido consentimento para as obras realizadas; Se direito lhe incumbir, a autora abusa do respetivo exercício, na forma de venire contra factum proprium, além de ocorrer caducidade deste que pretende fazer valer.

II – Prosseguiu a tramitação e, na altura oportuna, foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente.

III – Apelou a autora e o Tribunal da Relação do Porto decidiu: “Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar procedente a apelação e revogam a sentença.

Mais decidem os Juízes julgar a ação totalmente procedente, pelo que decretam a resolução do contrato de arrendamento e condenam a ré a entregar à autora o prédio arrendado, livre e desembaraçado de pessoas e coisas, no dia que se segue ao dia do trânsito em julgado do presente acórdão.” IV – Pede revista a ré, concluindo as alegações nos seguintes termos: DA OFENSA DE CASO JULGADO 1. A lei impõe ao recorrente o cumprimento de dois ónus, distintos, mas dependentes, a saber: o ónus de alegar e o ónus de concluir; o primeiro diz respeito à apresentação das alegações de recurso, através da explicitação das suas razões de discordância do julgado, o segundo consiste na elaboração das conclusões, estas de forma reduzida, em que o recorrente condensa os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida - arts. arts. 684º, n.º 3 e 4 e 685º - A do CPC (cfr., v.g., Acs. ST J de 9.5.91 e de 24.9.92, in, respectivamente, BMJ, 407.º - 394 e 419.º - 655; e Ac. STA de 10.7.97, Ap. DR de 19.6.2000, pg. 1780); 2. É pacífica a jurisprudência que o âmbito do recurso é delimitado, desde logo, pelo teor das alegações, só abrangendo as questões aí contidas, as quais, num segundo momento, devem ser levadas às conclusões, entendidas estas como proposições sintéticas das razões de discordância com o julgado - cfr., v.g., Acs. ST J de 4.2.93 (CJ, ST J, ano 1, t.1, 140), de 21.10.93 (CJ, ST J, ano 1, t.3, 81) e de 6.4.2000 (Sumários, 40.Q - 25); Rodrigues Bastos, NCPC, vol. 111, pg. 299 e Alberto dos Reis, CPC Anot. vol. V, pg. 359; 3. É igualmente pacífica a jurisprudência no sentido de não poderem ser apreciadas as questões constantes das conclusões que não hajam sido dissecadas no contexto das alegações - cfr., entre outros, Acs. ST J de 2.12.88 (Bol. 382. Q - 497), de 19.9.89 (Bol. 389 - 536), de 21.10.93 (CJ, ST J, amo 1, t.3, 81), de 2.2.94 (Bol. 434.Q - 423), de 21.6.94 (Bol. 438.Q - 390), de 12.1.95 (Bol. 443.Q - 342), de 28.5.97 (Bol. 467.Q - 412), de 2.2.2000 (AO, 468.Q - 1657), de 25.3.2004 (Proc. 02B4702.dgsi.net), e de 13.1.2005 (Proc. 04B4132.dgsi.net); Ac. RC de 3.5.94 (Bol. 437.Q - 591); 4. Pelas mesmas razões, o Tribunal ad quem está impedido de tomar conhecimento e julgar qualquer questão que não tenha sido levada às conclusões, ainda que versada nas alegações. - cfr., inter alia, Acs. ST J de 28.2.2002 (Rev. n.º 3717/01 - 4. ª, Sumários, 58. Q), de 18.9.2003 (Proc. 03B1756/ITIJ/NET), de 27.4.2005 (Proc. 05B810.dgsi.net) e de 11.10.200 (Proc. 05B2179.dgsi.net); Alberto dos Reis, CPC Anot., vol. V, pg. 309; Calvão da Silva, in parecer publicado na CJ, ano 20, t.1, 7; 5.Donde, só podem ser conhecidas as questões que, simultaneamente, tenham sido suscitados nas alegações e levadas às conclusões. Dito pela negativa, não há que conhecer das questões versadas no corpo das alegações mas não contidas nas conclusões, assim como não são atendíveis as questões que, vertidas nas conclusões, não foram, contudo, expendias nas alegações - cfr., v.g., Ac. STJ de 14.5.2003 (Ag. n.º 545/02 - 1.ª, Sumários, 5/2003), e Ac. RE de 7.4.2005 (Proc. 362/05 - 3.dgsi.net); 6.Todas as questões que, tendo sido objecto de julgamento, não sejam rebatidas nas alegações de recurso e levadas às conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e transitadas e, como tal, o tribunal superior delas não poderá conhecer - cfr., Acs. 8T J de 16.10.86 (Bol. 360.º - 534), de 9.1.86 (Bol. 353 - 411) e de 12.12.95 (Bol. 452.º - 385); 7.A parte dispositiva da douta sentença de fls .... contém decisões distintas sobre vários objectos; entre esses julgados conta-se o abuso de direito, sobre o qual o M.mo Juiz de 1.ª instância se pronunciou nos termos que se transcrevem: "Finalmente, em face do que ficou dito quanto ao comportamento dos falecidos senhorios do locado em crise, ainda que se entendesse estarem preenchidos os fundamentos de facto e de direito para a resolução do contrato de arrendamento, o abuso de direito consagrado no art. 334.º do Código Civil na sua modalidade de venire contra factum proprium impediria a A. de agir contra as pessoas que vivem no locado e ali fizeram as necessárias obras, durante a vigência do contrato ao tempo dos primeiros locadores e com o seu conhecimento. "; 8.Quer nas alegações quer nas conclusões do recurso interposto para a Relação do Porto, constata-se que a A. não dedicou uma única palavra à questão do abuso de direito julgada na 1. ª instância, pelo que não impugnou esse segmento decisório que julgou verificado o abuso de direito, pelo que, nessa parte, a sentença transitou em julgado (cfr. arts. 677º do CPC); 9. E, transitada a sentença em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (art. 671.º, n.º 1, CPC), o que significa que já não pode ser anulada ou revogada por efeito do eventual provimento do recurso (art. 684º, n.º 4, do CPC) - cfr. Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., pg. 103), Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes (CPC Anot, vol. III, tomo 1, 2.ª ed., pg. 42), Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., pg. 161,Teixeira de 80usa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg. 466); 10.Na parte em que a sentença da 1 ª instância julgou procedente a excepção do abuso de direito, ocorreu trânsito em julgado, e por força dele, passou a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo mais ser alterada; ou seja, formou-se caso julgado formal que obsta a que essa questão possa ser reapreciada em recurso - cfr., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pg. 303; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pg. 685; 11.Ficou, assim, definitivamente fixada e declarada nos autos a verificação do abuso de direito, o que, implicando que essa questão não possa ser julgada pelo tribunal ad quem prejudica, inelutável e necessariamente, o conhecimento do próprio recurso pelo Tribunal da Relação do Porto; no rigor dos conceitos, a apelação nem sequer devia ter sido admitida, uma vez que a A. deixou de reunir as condições necessárias para recorrer (ar1. 681.º, n.º 2, CPC) - cfr., Ac. RC de 5.6.2008, Proc. n. º 9790/04-4; 12.Com efeito, conformando-se a A. com a douta sentença de fls .... na parte em que julgou verificado o abuso de direito, dessa aceitação, e do consequente trânsito em julgado, decorre axiomaticamente não possuir as condições necessárias para interpor e alegar a apelação, pois já não é juridicamente possível obter ganho de causa por via da procedência do recurso por ter transitado em julgado esse fundamento de improcedência da ação...

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