Acórdão nº 139/09.7IDPRT.P1-A. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA veio, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2 de Dezembro de 2010, proferido no Recurso Penal registado sob o n.º 139/09.71DPRT.P1, da 4.ª Secção, emergente do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 139/09.7IDPRT, do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Vila Nova de Gaia, em que por sentença de 2 de Junho de 2010 foi julgado e condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

Invoca oposição entre a solução deste acórdão, que confirmou a sua condenação, e a preconizada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 23 de Outubro de 2003, no Recurso Penal n.º 3208/03, da 5.ª Secção, e transitado em julgado em 10 de Novembro de 2003, proferido no âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 57/99.5IDSTR, do Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena, sobre situação alegadamente similar.

Por Acórdão de 29 de Junho de 2011, foi decidido verificarem-se os pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente, a oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, e ordenado o seu prosseguimento.

Alegaram, nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recorrente e o Ministério Público.

O recorrente concluiu assim as alegações (em transcrição integral): 1 - Assim e em conclusão: A) Um raciocínio acerca da legitimação do direito penal tributário, enquanto direito penal secundário, revela que o interesse protegido pelas normas incriminadoras constitui um posterius, que se infere do respectivo conteúdo típico; B) No âmbito do ilícito penal tributário o bem jurídico protegido é a relação de confiança que se estabelece entre o sujeito passivo e o Estado no âmbito da retenção do tributo, cuja violação se traduz num prejuízo para o património do Estado; C) As penas fiscais não têm por finalidade ressarcir prejuízos, reais ou presumidos, que a violação de um dever tributário tenha provocado à entidade credora do imposto, nem visam tutelar, de um modo imediato, os interesses do sujeito activo da relação jurídico-tributária; D) Perspectivar de outro modo o direito penal tributário implicaria conceder que este constitui um mero instrumento ou extensão da faculdade de cobrança coerciva de tributos, por parte do sujeito activo da relação jurídica tributária; Por outro lado, E) O pagamento do tributo, após a prolação da sentença, não possui relevância em termos axiológico-sociais, no sentido de que não implica a extinção da responsabilidade criminal; F) Esse pagamento apenas tem por efeito o restabelecimento da paz jurídica e a revalidação da norma violada, com vista a alcançar finalidades de prevenção geral e especial; G) Daí a relevância fundamental da existência de um juízo de prognose da razoabilidade, no âmbito da condição a que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão; H) Sob pena de esta (condição) ser absolutamente desprovida de sentido ou alcance, quando a priori resultar perfeitamente inviável, em face das reais e concretas condições económicas e financeiras do arguido, consideradas à data da respectiva condenação; I) Atento o facto de a suspensão da aplicação da pena de prisão estar sempre condicionada ao pagamento do tributo e legais acréscimos, a respectiva aplicação tem de obedecer a requisitos de adequação e proporcionalidade; J) Sob pena de violação do disposto no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal; K) A própria natureza jurídica do instituto de suspensão da pena impõe a realização de um juízo de prognose favorável ao arguido, consubstanciado na esperança, fundada em factos concretos, de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime; L) Assumindo este pressuposto como verdadeiro, não vislumbramos fundamento precisamente para afastar a obrigatoriedade desse mesmo prognóstico, quando está em causa a suspensão da execução da pena nos termos previstos no artigo 14.º do RGIT; M) Prognóstico esse que, muito pelo contrário, se impõe, conforme resulta do entendimento defendido no douto acórdão fundamento, sob pena de nulidade da correspondente decisão; N) Tendo em conta quer a finalidade e legitimação das penas criminais; O) Quer o aspecto fundamental que já ficou referido, relacionado com o bem jurídico tutelado pelo direito penal tributário, em geral, e pelo abuso de confiança fiscal, em particular; P) Normas violadas pelo acórdão recorrido: artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Termina defendendo que o recurso deve ser julgado procedente, ser revogado o acórdão recorrido, e por via disso ser fixada jurisprudência, que propõe nos seguintes termos: Quando, no âmbito da criminalidade fiscal, a suspensão da pena ficar condicionada ao pagamento ao Estado do imposto e acréscimos legais, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, incumbe ao tribunal fazer um juízo prognóstico de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do arguido, em face da concreta situação económica deste, resultante dos autos, sob pena da verificação da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Por seu turno, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto concluiu (incluídos os realces, com excepção do negrito por uma questão de tratamento paritário das teses em confronto) nos termos seguintes: 1.ª No regime geral consagrado no artigo 50.º do Código Penal, a aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão pressupõe que haja uma prévia determinação de uma pena de prisão em medida não superior a 5 anos (pressuposto formal), como, também, a formulação de um juízo de prognose favorável, sem que, com a suspensão, se prejudiquem as finalidades da punição (pressuposto material); 2.ª No regime especial do RGIT, em vigor, introduzido pela Lei n.º 15/2001, e como, aliás, já sucedia no Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, o legislador, no artigo 14.º, veio condicionar a suspensão da pena de prisão ao dever de pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, regulando especial e pormenorizadamente a falta de cumprimento da condição de suspensão (exigência de garantias de cumprimento, prorrogação do período de suspensão, ou revogação da suspensão); 3.ª Ocorrendo convergência de regimes no que respeita aos pressupostos formal e material, a mesma cessa quanto à possibilidade do julgador equacionar a conveniência e adequação de submissão do condenado a um dever: no geral o julgador formula o juízo adequado ao dever, regra ou regime de prova a impor (artigos 50.º, n.º 2, 51.º, 52.º e 53.º do Código Penal); no regime especial do RGIT, ao ponderar-se a suspensão da pena, subtrai-se ao julgador tal possibilidade; 4.ª Na verdade, o artigo 14.º do RGIT prevê uma especial e única modalidade de suspensão da execução da pena de prisão: a da suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos; 5.ª Assim, tratando-se da única forma admissível de suspensão da execução da pena, o juízo de antecipação (prognose) positivo que a lei exige visa, apenas, concluir (ou não) se a simples censura do facto e a ameaça de prisão acompanhadas do sacrifício de reparação do mal do crime através do pagamento da prestação tributária de que se apropriou e legais acréscimos realizam de forma adequada as necessidades de prevenção geral e especial; 6.ª A questão do dever de investigação e ou pronúncia sobre se o arguido terá ou não condições de efectuar o pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, como condição de suspensão, prende-se não já com a escolha e determinação da pena mas sim com a sua execução e cumprimento; 7.ª E o cumprimento do dever não tem de ser imediato podendo o arguido cumpri-lo faseadamente durante o tempo de suspensão, ou, na impossibilidade, total ou parcial, justificá-la, relevantemente, no processo; 8.ª Uma interpretação como a do acórdão fundamento levaria a uma solução constitucionalmente inaceitável, por violadora do princípio da igualdade; 9.ª Sendo a suspensão da execução da pena de prisão uma pena de substituição, que pressupõe a fixação prévia de uma pena de prisão, verificar-se-ia que, caso o juiz chegasse à conclusão que o arguido, no momento em que é decretada a suspensão, não podia, face à sua situação económica, pagar a prestação tributária e acréscimos, então, só lhe restaria aplicar a pena principal de prisão efectiva a que, por razões de prevenção geral e especial, já havia chegado; 10.ª E não podendo, no momento em que pondera o decretamento da suspensão da prisão, optar pela pena de multa (que inicialmente repudiou por não satisfazer os fins das penas), apenas confrontaria com prisão os arguidos economicamente mais desfavorecidos; 11.ª Assim, como a jurisprudência citada do TC e STJ que acompanhamos, entendemos que o juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para o efeito, indiferente, posto que a lei não obriga a que, de antemão, se faça um juízo definitivo sobre a capacidade do arguido em solver a condição, não desempenhando as condições económicas do condenado [...] qualquer papel na determinação da condição de pagamento da prestação tributária; 12.ª O estabelecimento de uma correspondência entre o montante da quantia a pagar como condição da suspensão e o montante da quantia em dívida, revelador de uma mitigação do princípio da razoabilidade, não ultrapassa limites constitucionais, face ao disposto no n.º 2 do artigo 14.º do RGIT, que só confere relevância à falta de pagamento culposo; 13.ª Não exigindo a lei que o juiz, antes de decretar a suspensão, averigúe da possibilidade económica de o arguido pagar a prestação tributária, legal e necessariamente...

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