Acórdão nº 663/09.1TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução27 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

  1. AA e mulher, BB, intentaram contra CC acção de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. a: a) a reparar o património dos AA., no âmbito do direito de regresso de que são titulares, designadamente, condenando-a ao pagamento de todos os montantes que vierem a suportar com o cumprimento da obrigação assumida e não cumprida pela R.; e b) a pagar-lhes toda e qualquer despesa que tenham realizado no âmbito do exercício do direito de regresso, objecto da presente acção.

    A fundamentar o peticionado, alegaram, em síntese, que: Até 1.08.2003, o 1º A. foi dono do estabelecimento de farmácia denominado "F....S....", sito em Briches, altura em que decidiu trespassar o referido estabelecimento.

    Foi, então, contactado pela R. que manifestou interesse em adquiri-lo, embora tenha solicitado algum tempo que lhe permitisse transmitir um outro estabelecimento de farmácia, sito numa localidade próxima, uma vez que, à data, legalmente, não podia ser titular de mais do que um estabelecimento desse tipo, ao que os AA. anuíram.

    Por escrito de 1.08.2003, o A. acordou em trespassar à R. o referido estabelecimento pelo preço de € 130.000,00.

    E, por escrito da mesma data, a R. declarou que assumia para si a responsabilidade pelo pagamento do débito existente para com a Codifar, correspondente à venda por esta de mercadorias para a farmácia, desde 11.09.2002, no que a Codifar consentiu tacitamente, sem desonerar expressamente os AA.

    Desde 11.09.2002 e até 31.07.2003, a R., embora efectuasse frequentes levantamentos em dinheiro da conta de depósitos usada para o negócio da farmácia (ainda em nome do A., que lhe deu, temporariamente, autorização para o efeito), não pagou à Codifar as mercadorias que foi adquirindo, tendo esta, em 2004, intentado acção declarativa de condenação contra os aqui AA. e R., que terminou com sentença, transitada em julgado, que os condenou a pagar solidariamente à Codifar a quantia de € 152.591,73, acrescida de juros de mora, contados desde a data de vencimento de cada factura.

    Na referida acção, resultou provado que a R. assumiu perante a Codifar a dívida.

    A Codifar veio posteriormente a intentar acção executiva contra os aqui AA. e R., ascendendo o valor da execução a € 256.274,81, na qual foi já penhorado 1/3 do vencimento do A.

    Apenas à R. compete satisfazer a dívida, tendo os AA. direito à reparação de todo e qualquer prejuízo que venham a ter com a dívida em causa.

    A R. contestou, não sendo, todavia, admitida a contestação, por extemporânea.

    Após prolação de despacho a declarar confessados os factos alegados pelos AA, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido, por considerar que o invocado direito de regresso só se constituiria na esfera dos AA com o efectivo pagamento ao credor da quantia exigida dos executados; e, não estando tal pagamento demonstrado, a procedência da pretensão traduziria, afinal, uma condenação condicional, vedada pelo art. 662º do CPC.

  2. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os AA., tendo a Relação concedido provimento ao recurso.

    Após notar que, no caso dos autos, é inquestionada a existência de uma obrigação solidária, beneficiando os AA. sobre a R., no plano das relações internas, de direito de regresso por todos os montantes que vierem a ser compelidos a pagar à sociedade credora, considera o acórdão recorrido que não resulta dos autos que tenha sido feita já a entrega à exequente de quaisquer dos montantes depositados na execução atrás mencionada, que se manterão, pois, à ordem deste processo, até final, a não ser que a exequente lance mão do disposto no n° 3 do art. 861° do CPC, o que não resulta demonstrado.

    Assim sendo, não obstante tenha existido (e continue a existir) afectação patrimonial à acção executiva de quantias penhoradas aos apelantes (como este referiram), o que é um facto é que as mesmas não foram, ainda, afectas à satisfação do crédito da Codifar, não se podendo dizer que os apelantes, por via das referidas penhoras, pagaram (ainda que parcialmente) à credora.

    Entendeu, porém, a Relação, como decisivo fundamento da revogação da sentença recorrida que veio a decretar: Contudo, os contornos do caso subjudice não nos permitem concluir, tão linearmente como o fez o tribunal recorrido, que os apelantes não são titulares de qualquer direito de regresso, e que o que pretendem é uma condenação condicional, não permitida por lei, tendo a acção, necessariamente se naufragar.

    Atente-se que da matéria de facto dada como provada resulta, inquestionavelmente, que os AA. foram chamados a pagar uma dívida que não é da sua responsabilidade, vindo-se a furtar ao pagamento a única responsável pela mesma, sendo certo que resulta já evidente que o património que tem não será suficiente para solver essa e outras dívidas.

    Por outro lado, o património dos AA. já se mostra concreta e efectivamente afectado, com repercussão no seu nível de vida e do seu agregado familiar (cfr. o ponto 21° da fundamentação de facto supra), sendo certo que não obstante a exequente Codifar ainda não tenha lançado mão do disposto no art. 861°, n° 3 do CPC , como se referiu supra, o que é um facto é que, tendo já transitado em julgado o despacho de indeferimento liminar da oposição à execução, o poderá fazer a qualquer momento 14.

    Por último, resulta também dos autos e do que se deixa dito que a única possibilidade dos AA. se verem, pelo menos em parte, ressarcidos do seu crédito sobre a R. (repita-se, única responsável pelo pagamento) é através da execução dos bens cujo arresto requereram.

    Todos estes factos são relevantes e devem ser devidamente ponderados.

    Pediram os AA. na presente acção a condenação da R. a reparar o seu património no âmbito do direito de regresso de que são titulares, designadamente, condenando-a ao pagamento de todos os montantes que vierem a despender com o cumprimento da obrigação assumida e não cumprida pela R..

    Que os AA. têm direito de regresso sobre a R. relativamente a todas as quantias que pagarem à Codifar, não existem dúvidas.

    E de que existe uma probabilidade segura de concretização desse direito, mostrando-se o seu património já afecto ao pagamento daquela dívida, também não.

    Afigura-se-nos, pois, incontornável concluir que a obrigação da R. para com os AA. é já eminente, praticamente existente e concretizada, embora ainda não seja exigível.

    Em princípio, quem vem a juízo demandar outrem para que cumpra uma obrigação ainda não exigível deve ver declarada improcedente a sua pretensão.

    Mas a lei contempla excepções, de que logo nos dá conta o art. 4o, n° 2, ai. b) ao estatuir que as acções de condenação têm por fim "exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito".

    Como refere Artur Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I., págs. 104 a 107, "... A lei, porém, em determinados casos contenta-se com um estado de violação apenas latente, permitindo a antecipação da condenação, isto é, que alguém seja condenado antes de ter ocorrido ainda o inadimplemento", referindo-se, em seguida, ao disposto no art. 472° do CPC, mais concretamente ao seu n° 2, donde resulta a possibilidade de condenação in futurum, para depois fazer referência ao art. 662° do mesmo diploma, que entende abranger, apenas, os casos "de incerteza inicial de violação do direito e não já os de obrigações dadas como não vencidas".

    Alberto dos Reis, quer no CPC Anotado, Vol. V, págs. 72 a 80, quer no Comentário ao CPC, Vol 3o, págs. 192 a 197, defendia que o art. 662° é aplicável no caso de ser peticionado o cumprimento de uma obrigação ainda não vencida, e cujo processo tenha alcançado a fase da sentença, obedecendo aquele artigo "à ideia de salvar o processo, não obstante a inexigibilidade; quer dizer, a doutrina do artigo foi ditada pelo princípio da economia processual".

    Com particular interesse, escrevem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nova, in Manual de Processo Civil, 2a ed. revista e actualizada, págs. 682 e 683 que "o fim natural da sentença é, porém, o julgamento do mérito, seja para deferir a pretensão principal deduzida pelo autor (julgando a acção procedente), seja para indeferir o pedido (julgando a acção improcedente). No caso especial de a obrigação ainda não ser exigível no momento em que a acção foi proposta, mas a acção houver de prosseguir ou tiver prosseguido, pode bem suceder que a obrigação se não ache vencida, nem sequer no momento do encerramento da discussão.

    Quando assim seja, por uma pura questão de economia processual, deve o juiz proferir sentença de condenação in futurum, ou seja decisão condenando o réu a cumprir, mas só a partir do momento em que a obrigação se vencer (art. 662°, 1 e 2, a)). Assim se concilia o interesse do autor (credor) em ficar munido desde logo (não obstante a precipitação ou prematuridade da proposição da acção) com um título judicial reconhecendo a existência do seu direito e condenado o réu a cumprir, com o interesse contraposto do devedor em não perder o prazo estipulado a seu favor. Não é só no caso de a obrigação não ser ainda exigível no momento da discussão que a sentença necessita de amoldar-se à situação. Fenómeno análogo ocorrerá nos casos em que a obrigação seja ainda incerta nessa data ou em que, sendo certa a obrigação, seja ainda incerta ou ilíquida a prestação. Se, por exemplo, ao contrário do sustentado pelo autor, o juiz entender que a obrigação por ele pleiteada se encontra sujeita a determinada condição, ainda não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT