Acórdão nº 08A1267 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - "Banco Mais, SA" intentou acção declarativa contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a importância de € 16.628,04, acrescida de € 2.726,82 de juros vencidos e € 109,07 de imposto de selo sobre estes juros, e, ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 16.628,04 se vencerem, à taxa anual de 27,84%, desde 4 de Maio de 2006 e o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Fundamentando as suas pretensões, alegou, em resumo, ter celebrado com o Réu um contrato de mútuo, mediante o qual lhe emprestou € 9.845,40, com juros à taxa de 23,84% ao ano, importâncias este se obrigou a pagar em 60 prestações mensais e sucessivas, com início em 30 de Junho de 2005, mais tendo ficado acordado que a falta de pagamento de uma prestação no respectivo vencimento implicava o vencimento imediato das restantes e que, em caso de mora, seria aplicável a taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais. A 4.ª prestação não foi paga, vencendo-se, então, todas, ascendendo o débito a € 16.628,04.

A acção procedeu parcialmente com a condenação do R. no pagamento à Autora do montante correspondente à 4ª prestação e demais prestações de capital não pagas, acrescidas de juros moratórios que incidem sobre a parte do capital de todas as prestações (4ª e seguintes) desde 1/10/2005, à taxa de 27,84%, até integral pagamento e do respectivo imposto de selo, tudo a liquidar em sede de execução de sentença.

A decisão foi impugnada pela A., mas a Relação julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

A Autora pede revista, peticionando a procedência total da acção, ao abrigo de extensa argumentação da qual é possível extrair a seguinte síntese conclusiva: 1. É errado e infundado o "entendimento" de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos e não aos mútuos onerosos, ou vice-versa.

  1. O preceito legal apenas fala em "obrigação", "prestações" e no "vencimento" de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros.

    Muito pelo contrário até.

  2. Num mútuo oneroso a "obrigação" do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros 4. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, se não "ab initio", pelo menos em caso de incumprimento de uma delas, se vencem na totalidade.

  3. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo).

  4. Ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito 7. Bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora.

  5. Ao perfilhar-se tal "entendimento", está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada, o que é um perfeito contra-senso jurídico.

  6. A Lei não só prevê e regula a gratuitidade ou onerosidade do mútuo, como expressamente prevê no artigo 1147º do Código Civil que "No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro." 10. Assim, é manifestamente errado pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro.

  7. É errado o "entendimento" perfilhado no acórdão recorrido no sentido de que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas nos termos do disposto no artigo 781º do Código Civil apenas abrange a divida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação e de que, de qualquer modo, o A. apenas tem direito a peticionar e receber o montante do capital...

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