Acórdão nº 3716/10.0TBVFR.P1.S1. de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelSILVA GONÇALVES
Data da Resolução20 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou a presente acção, com processo ordinário, contra “BB, L.DA ”, pedindo que sejam declaradas nulas ou anuladas as deliberações sociais da Ré tomadas na assembleia-geral de 19 de Junho de 2010, por via das quais foi deliberado aumentar o capital social da Ré para 400.000,00 euros, subscrito unicamente pelo sócio CC, e a subsequente alteração do artigo 3.º do contrato de sociedade e, em consequência, que sejam declarados nulos ou anuláveis todos os efeitos e todos os actos praticados em resultado dessas deliberações, ordenando-se, em conformidade, o cancelamento dos registos que vierem a ser feitos na Conservatória do Registo Comercial com base em tais deliberações.

Alega, para o efeito, que o aviso convocatório era enganador, sugerindo que o capital poderia ser elevado para o montante de 3. 500.000,00 euros, com entradas em dinheiro, não constando do mesmo que o aumento para tal montante seria subscrito pelos sócios que o quisessem fazer apenas pelo montante de 291.666,67 euros, desconhecendo, assim, os mesmos qual o montante para que se pretendia aumentar o capital social. Aquilo que deveria constar da convocatória ficou dependente do arbítrio do presidente da assembleia-geral, o qual só esclareceu depois da votação e, assim, subscreveu o montante que quis, o que lhe permite de futuro dominar a sociedade com a maioria absoluta do capital. O aviso convocatório mencionava coisa diferente daquela que se fez constar na acta. Por outro lado, o aumento do capital social não foi aprovado por 75% das quotas que integram o capital social, conforme se exige no pacto social e na lei, uma vez que foram admitidos a votar sócios que já haviam transmitido (ilegalmente) as suas quotas a outros.

Finalmente, as deliberações foram tomadas em manifesto prejuízo da sociedade e dos demais sócios, visando criar condições para que apenas o sócio CC pudesse subscrever o aumento de capital e desse modo ficar numa posição de vantagem relativamente aos demais sócios, pois foi ele quem fixou na assembleia-geral o valor do aumento do capital, sem que constasse da convocatória, estando as mesmas inquinadas de ofensa aos bons costumes, sendo, por isso, nulas. As deliberações foram tomadas com abuso de direito, uma vez que foram aprovadas contra o interesse e o pacto social da Ré e a favor do interesse individual do sócio CC, pelo que as deverão ser declaradas nulas porque contrárias à lei.

A Ré contestou alegando que o aviso convocatório obedeceu a todos os requisitos legais, uma vez que os sócios foram informados da intenção de proceder ao aumento do capital social e do montante previsto para este, sendo certo que a própria lei explicita a forma de repartição entre os sócios do aumento do capital social. A divergência entre o texto do aviso e o correspondente texto da acta deve-se a mero lapso de escrita que em nada afecta os sócios. Por outro lado, devolveu-se aos cedentes o exercício do direito de voto, uma vez que os cessionários das quotas, DD e EE, estavam impedidos de exercer tal direito por força de decisão judicial. Porém, tal impedimento resulta também da lei. De facto, os sócios FF e GG cederam as suas quotas sem o consentimento da sociedade, não produzindo, por isso, qualquer tipo de efeito perante a sociedade, sendo válido o voto por eles expresso na assembleia-geral. Alega, ainda, que todos os sócios tiveram a mesma oportunidade de exercer o seu direito de preferência no aumento do capital social, pelo que a intenção alegada pelo Autor – colocar o sócio CC numa posição maioritária face aos demais sócios – a ser verdadeira, que não é, apenas se concretizou pela omissão daqueles, litigando, nesta parte, o Autor em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, já que se prevalece de um facto para o qual concorreu, ao não subscrever o capital social.

O Autor replicou com os fundamentos constantes de fls. 62 e seguintes, alegando que a subscrição do aumento do capital social não é só uma questão de voluntas, mas de potestas, designadamente, de capacidade económica e financeira. Os sócios-gerentes que convocaram a assembleia-geral sabiam que apenas o sócio CC estava em condições materiais de fazer uma nova entrada em dinheiro, correspondente à importância proporcional à quota de que era titular. Nenhum comportamento do Autor pode integrar o referido abuso de direito. Por outro lado, a cessão de quotas, não tendo sido consentida, é apenas ineficaz perante a sociedade, sem que isso ponha em causa a sua validade inter partes, isto é, não significa que a cessão seja inexistente ou nula.

Em sede de saneador foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: a) Declararam-se anuladas as deliberações sociais da Ré “BB, Lda.” tomadas na assembleia-geral extraordinária que teve lugar no dia 19 de Junho de 2010; b) Declararam-se anulados todos os actos praticados em resultado dessas deliberações e determinou-se o cancelamento dos registos que tenham sido feitos junto da Conservatória do Registo Comercial com base nas mesmas, com salvaguarda do previsto no art. 291º do Código Civil.

Inconformada recorreu a Ré para a Relação do Porto que, por acórdão de 23.4.2012 (cfr. fls.148 a 162), julgou procedente o recurso de apelação interposto pela Ré “BB, LDA” e improcedente o recurso subordinado interposto pelo Autor AA, tendo por consequência a absolvição da Ré dos pedidos formulados na petição inicial, por improcedência total dos mesmos.

Inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal o autor AA, apresentando as seguintes conclusões: 1. Comete a nulidade prevista na alínea c) do n.º l do art.° 668.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no art.° 716.º, n.° l do mesmo Código, o Acórdão da Relação que pressupõe erradamente que as cessões de quotas da FF e GG foram consideradas ineficazes; 2. Antes, da alínea i) dos factos dados como provados se retira apenas que está pendente o Proc. n.º 331/2002, interposto pela recorrida contra o recorrente e contra DD e EE, em que a recorrida pede a ineficácia dessas cessões de quotas; 3. E que tal ação (cfr. alínea j) dos factos provados) foi precedida de providência cautelar, em que se decidiu que os cessionários AA, DD e EE estavam impedidos de exercer os direitos sociais relativos às quotas a si cedidas; 4. Ora, tal factualidade não permite afirmar que a cedência foi considerada ineficaz, porquanto, nos autos existe apenas notícia e prova de que a eficácia ou ineficácia dessa cedência se discute num outro processo, havendo apenas, por enquanto, uma decisão proferida em providência cautelar que precedeu esse outro Proc. n.°331/2002; 5. Da inexistência e da invalidade (nulidade e anulabilidade) se distingue a ineficácia em sentido restrito; 6. Quando está em causa a ineficácia em sentido restrito dum qualquer ato jurídico, isso significa que a lei não considera inválido o ato, mas impede que ele produza todos ou parte das consequências que se destinava a produzir; 7. Salvo o devido respeito, não faz sentido nenhum considerar que, no caso de cessão de quotas não consentida por sociedade comercial, cumpridas que sejam todas as formalidades legais, se fira de ineficácia total ou absoluta o ato de cessão de quotas; 8. Como não faz sentido nenhum, por maioria de razão, ferir tais cessões de quotas de...

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