Acórdão nº 30-C/1998.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução18 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório * Na Vara Mista do Funchal, por apenso à causa principal, veio AA, Ld.ª, deduzir embargos de terceiro contra a A.

na acção principal (de despejo), actualmente, a BB.

A causa principal foi intentada pela então senhoria, Predial Avessada S.A.

contra o inquilino comercial, CC, tendo sido formulado o pedido de despejo imediato por o R. ter cedido a sua posição contratual de arrendatário à embargante. No que aqui interessa ter presente, a acção de despejo referida procedeu, tendo sido decidido o despejo imediato do R.

Tal decisão transitou em julgado.

Na sequência, a A. requereu a emissão de mandados de despejo.

Foi contra a execução desses mandados que reagiu a embargante, por via dos presentes embargos de terceiro.

Alegou, em resumo, que, tendo na verdade, o primitivo locatário cedido a sua posição contratual à embargante, fê-lo com autorização da então senhoria, adquirindo, portanto, a posição de arrendatária directa, posição essa, aliás, reconhecida pela senhoria.

Consequentemente, a cessão do arrendado foi lícita, não existindo fundamento para a resolução do contrato.

Recebidos os embargos, só a embargada contestou, impugnando a factualidade alegada pela embargante, concluindo pela improcedência dos embargos, uma vez que nunca autorizou a cedência, nem reconheceu a embargante como arrendatária do local em questão.

* Nos demais articulados, mantiveram as partes, as suas posições iniciais.

* Fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

* Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença final que julgou os embargos improcedentes, porquanto a embargante não provou a sua alegada qualidade de locatária.

* Inconformada recorreu a embargante para a Relação, mas sem êxito, visto que a apelação foi julgada improcedente, e confirmada a sentença recorrida.

* De novo inconformada, volta a recorrer a embargante, agora de revista para este S.T.J..

Conclusões * Alegou tempestivamente a recorrente, formulando as seguintes conclusões: * I) - Por ser terceira, dada a sua não-intervenção/participação no processo principal, cuja decisão de mérito não fez caso julgado contra si, a embargante e ora recorrente sempre teria direito a ver discutido nos presentes autos - e nesse sentido, dirigiu um pedido concreto e específico ao Tribunal - o fundamento de resolução do contrato de arrendamento invocado na ação de despejo.

II)- E isso é assim, na medida em que o que importa apurar ou indagar é se o fundamento invocado pela senhoria na ação de despejo lhe pode ser aplicado.

III)- Importa saber se o arrendado lhe fora ou não veramente cedido, sem autorização da senhoria, conforme a própria denuncia e alega.

IV)- E tudo isso de molde a decidir se a diligência judicial atacada, deve ou não ser mantida.

V)- Mas tal problemática acabou por não ser analisada nas instâncias, devido à forma como aí se resolveu o caso VI) - O pedido aduzido pela embargante, na parte final da petição de embargos, é um pedido sensu thecnico que tinha de ser apreciado pelo Órgão decisor, traduzindo ao cabo e ao resto a única forma de se poder concluir, se sim ou não. a decisão proferida no processo principal lhe é oponível.

VII) - Não se podia dizer que a embargante não demonstrara a sua qualidade de arrendatária, sem cuidar primeiro de saber se a cedência fora ou não autorizada pela senhoria ou pelo senhorio.

VIII) - O facto de se dizer que a embargante não fizera a prova de que o comodato era eficaz em relação ao senhorio, quando o que se pretendia era saber se a cedência fora ou não autorizada pela senhoria, traduz um erro de julgamento.

IX) - Aliás, para que a situação jurídica ocorrida fosse um comodato, a senhoria teria que provar a existência da obrigação de restituição do bem no fim do prazo, o que não fez.

X) - Provou-se que CC não foi autorizado a constituir, com o filho, a sociedade comercial do tipo por quotas, mas o quesito que importava discutir não era esse, e sim o da autorização do senhorio para a cedência do locado, o que não aconteceu, dada a ausência de qualquer ponto de facto que aludisse a esse item específico e concreto da causa de pedir. Demais, esse assunto (o da autorização para a constituição da sociedade) apenas foi falado no julgamento sub specie facti, tendo sido olvidado por completo na fundamentação final.

XI) - Como quer que seja, não nos podemos esquecer que na ação principal, foi dado como provado desde a 1ª instância, que a autora havia sido posta ao corrente de que CC e DD pretendiam associar-se, invocação que se faz nos termos do artigo 522°, 1, do Código de Processo Civil.

XII) - A omissão referida atrás, para além de traduzir um erro de julgamento, consubstancia ainda uma clara insuficiência da matéria de facto que o Supremo pode apreciar, dado o caso de a Relação não ter feito uso, como devia, dos poderes de controlo que lhe permitiam mandar ampliar a matéria de facto.

XIII) - E quanto ao ónus da prova da não-autorização, o mesmo incumbe à senhoria e ora embargada, porquanto era isso que ela teria de provar contra inquilino e cessionária.

XIV) - Recai sempre sobre a exequente, perante cedente e cessionário, o ónus de prova de que não autorizara a cessão, como é sobre o exequente que recai o ónus de alegação e prova da situação jurídica realmente ocorrida.

XV) - E apenas seria necessário a embargante provar que a senhoria a teria reconhecido como tal, se esta lograsse provar que não concedera autorização para a cedência.

XVI) - As contradições denunciadas, quer ao nível da decisão sub specie facti, quer ao nível da fundamentação da decisão final, contradições essas que não foram supridas pelo Tribunal recorrido, inviabilizam a decisão de direito, conforme preceitua o artigo 729°, n° 3, do Código de Processo Civil.

XVII) - A causa de pedir dos presentes embargos assenta na cedência feita à sociedade embargante, e não na simples constituição desta mesma entidade.

XVIII) - CC não se demitiu, não abandonou o negócio, como não abandonou fisicamente o locado, não atribuiu o gozo do locado a terceiros e estranhos, apenas constituindo uma sociedade com o filho para tornar menos penosa/onerosa a gestão do estabelecimento e até como forma de perpetuar a memória do PAI, arrendatário do imóvel por muitas e muitas décadas.

XIX) - Nada mudou, nada se alterou, a modificação foi mais formal que substancial, não existiu verdadeira mudança ao nível do substrato pessoal do arrendatário e o prejuízo eventualmente sofrido pela senhoria foi de diminuta expressão, porquanto se manteve inalterado o intuitu personae.

XX) - CC sempre controlou e continua a controlar o estabelecimento comercial "Armazéns de .......o", na cidade do Funchal, conforme a opinião de duas testemunhas que mereceram crédito do Julgador.

XXI)- À luz da lisura e correção, não se justifica ou resulta injustificada, por clamorosa e manifestamente desproporcionada, a aplicação da sanção extrema da resolução do contrato.

XXII) - A interpretação feita pela instância a quo da finalidade dos embargos atenta contra o estabelecido no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, por não respeitar nem acatar o princípio fundamental de que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

XXIII) - A decisão recorrida violou, por erro de aplicação e de interpretação, os artigos 342°, 1 036°, 1 038°, f), 1 049°, 1 059°, 2 do Código Civil, 351°, 653°, 2, 659°, 3, 660°, 2 e 712°, 4 do Código de Processo Civil, 64°, 1, f), do RAU, como também o artigo 20° da CRP.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser, pois, concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a ampliação da matéria de facto com vista à decisão de direito, como é de JUSTIÇA.”.

Os Factos Na apelação, a recorrente impugnou diversos pontos da matéria de facto, por os considerar mal julgados.

A Relação reapreciando a prova, alterou dois desses pontos, que teve por não provados, mantendo as demais respostas impugnadas.

* Assim, é a seguinte a matéria de facto fixada pela Relação: “1. A senhoria, ao tempo "P.....A........ SA", presentemente, por transmissões sucessivas, BB, moveu uma acção de despejo contra o seu inquilino CC.

  1. Na sequência da decisão que decretou a resolução do contrato de arrendamento existente na titularidade do réu, a autora requereu mandado de despejo para entrega da loja sita na R............, nos .. a .., e Rua do ... nos ...e ..., cidade do Funchal, que é parte integrante do prédio urbano situado no mesmo local, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 1061.°.

  2. O ex-inquilino CC é sócio e é gerente da sociedade embargante "AA, Lda.", gerente que, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT