Acórdão nº 3026/05.4TBSTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.3026/05.4TBSTS.P1.S1 R-372[1] Revista.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 25.5.2005, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso – com distribuição ao 1º Juízo Cível – acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: BB - Imobiliária, Lda.

Alegando, em síntese que: - Autor e Ré celebraram, em 08.08.2003, um acordo escrito que denominaram de “Contrato - Promessa de Compra e Venda”, e que junta como documento 1.

- Através deste documento a Ré prometeu vender ao Autor e este prometeu comprar-lhe as fracções autónomas aí identificadas.

- O preço global acordado para a prometida venda foi de € 943.725,62.

- O Autor já pagou à Ré, a título de sinal, a quantia de € 544.687,30.

- As partes convencionaram que a escritura pública de compra e venda deveria realizar-se até ao dia 30.09.2003.

- Convencionaram ainda que: “Compete apenas à primeira outorgante (Ré) proceder à obtenção e pagar as despesas inerentes a toda a documentação necessária para a realização da escritura pública de compra e venda, bem como a respectiva marcação, devendo avisar o segundo outorgante do dia, hora e Cartório designado através de carta registada com aviso de recepção expedida com oito dias de antecedência”.

- A Ré não marcou a escritura pública de compra e venda até ao dia 30.09.2003.

- O Autor interpelou a Ré, através de notificação judicial avulsa, efectuada em 14.10.2003, para que esta no prazo de trinta dias procedesse à marcação da escritura pública de compra e venda.

- Até à presente data a Ré não procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda.

- As fracções autónomas prometidas vender não estão licenciadas e não têm licença de utilização.

- A Ré não requereu, até à data da propositura da presente acção, o licenciamento das fracções que se propunha vender.

- Todo este tempo sem que compra e venda fosse efectuada levou a que o Autor perdesse o interesse na aquisição.

- A Ré, em resposta à notificação judicial efectuada em 14.10.2003, marcou prazo de quinze dias ao Autor para este lhe entregar a respectiva licença de utilização, sob pena de considerar o contrato resolvido.

- Esta actuação da Ré corresponde a uma declaração, inequívoca, de que não pretende cumprir o contrato promessa.

- Todo o exposto constitui fundamento suficiente para que o Autor resolva o contrato promessa com fundamento no não cumprimento definitivo por parte da Ré, em conformidade com o preceituado no art. 801°, n°2, do Código Civil.

- Consequentemente, o Autor, por aplicação do n°2 do art. 442° do Código Civil, tem direito a receber o dobro da quantia entregue a título de sinal, ou seja, €1.089.374,60.

- Além daquela quantia, o Autor tem ainda direito a receber o montante de € 250.000,00, conforme a cláusula penal prevista no ponto quatro da cláusula terceira do documento um, tudo nos termos do n° 4 do artigo 442.° e 810.° e sgs. todos do Código Civil.

- O Autor, de forma subsidiária, invoca a nulidade do contrato promessa por falta de forma e em virtude da inexistência de licença de utilização para as fracções prometidas vender, nos termos dos artigos 410.°, n°3, e 220.° ambos do Código Civil.

- Consequentemente, por aplicação do artigo 289.° do Código Civil deve a Ré devolver ao Autor a quantia paga a título de sinal, mais juros compensatórios.

Concluiu pedindo que: a) Seja declarada ilegal e ineficaz a resolução do contrato promessa ajuizado efectuada pela Ré; b) Seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda em virtude do incumprimento definitivo por parte da Ré; c) Seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 1.089.374,60, correspondente ao dobro do sinal passado, acrescida da quantia de € 250.000,00 a título de cláusula penal, e, ainda, a quantia de € 223.539,05 correspondente aos juros de mora vencidos até à data de instauração da presente acção e, ainda, dos juros que se vencerem desde essa data e até pagamento integral.

d) Subsidiariamente, seja declarada a nulidade do contrato promessa por falta de forma e, consequentemente, nos termos do art. 289º do Código Civil ser a Ré condenada à restituir ao Autor a quantia paga a título de sinal, ou seja, € 544.657,30, acrescida de juros compensatórios, à taxa legal, pela utilização desse montante, desde a data da celebração do contrato – 8.08.2003 – e até integral pagamento.

Regularmente citada, a Ré contestou alegando, em síntese, que: - Comprou em hasta pública, em 05 de Fevereiro de 1998 as fracções objecto do contrato junto com a p.i. sob doc. n° 1.

- Tentou depois, no mercado, encontrar comprador para as fracções.

- O Autor e Ré, através do seu sócio-gerente CC, em finais de 2002, entabularam negociações no sentido de concretizar aquela compra e venda.

- As fracções referidas no título de transmissão não tinham – como não têm – licença de utilização, uma vez que o prédio se encontra ainda em “tosco”, apenas com as paredes ao alto, e que as impedia ser transaccionadas.

- Disso tinha conhecimento e perfeita consciência o Autor.

- Que ainda assim e apesar disso manifestou interesse em concretizar o negócio.

- Por isso e dado aquele constrangimento legal, Autor e o sócio-gerente da Ré acordaram em que a venda das referidas fracções seria efectuada de forma indirecta através da venda participações sociais da própria sociedade, aqui Ré, ao Autor.

- Por isso, em 23 de Dezembro de 2002, o senhor CC e o Autor, formalizando o acordo a que haviam chegado, celebraram um contrato promessa de cessão de quotas da sociedade comercial Ré, o qual traduzia a vontade das partes que era a de, por via indirecta, transmitir para o Autor as fracções adquiridas pela BB.

- O Autor foi sucessivamente adiando a realização da escritura pública da cessão de quotas prometida.

- Em Agosto de 2003, o Autor, premeditadamente e de má fé, apresenta à Ré o contrato junto com a p.i. sob doc. n° 1.

- Pedindo-lhe que o assinasse, alegando que necessitava em absoluto do mesmo para o apresentar junto de uma instituição bancária, a fim de permitir ao Autor obter o financiamento necessário ao pagamento do preço em dívida relativamente ao contrato celebrado em 23 de Dezembro de 2003.

- Tendo sido assinado pela Ré a pedido e nos termos propostos pelo Autor e exclusivamente no interesse deste.

- Bem sabendo o Autor que o contrato que agora assinavam não se destinava a ser cumprido até porque não poderia (legalmente) ser cumprido, uma vez que as fracções em causa não reuniam as condições exigíveis para o efeito, nomeadamente porque não dispunham da necessária licença de utilização.

- Ainda que o contrato produzisse efeitos relativamente às obrigações que dele decorrem, os direitos que porventura dele decorressem para o Autor nunca por este poderiam ser exercidos, uma vez que a posição por ele assumida consubstancia um manifesto abuso de direito, sob a forma de venire contra factum proprium.

- No próprio Cartório Notarial, foi o Autor advertido para a falta de licença de utilização ou construção das fracções, tendo ali expressamente declarado estar ciente de que era a ele que incumbia o ónus de obter tais documentos.

- A produzir efeitos o mencionado contrato-promessa, incumbia ao Autor a obtenção da licença de construção ou utilização das fracções em causa necessária à realização do contrato prometido, sem a qual o mesmo não poderia ser realizado.

- A Ré requereu a notificação judicial avulsa do Autor para que este, no prazo de 15 dias, lhe entregasse a documentação necessária à celebração da dita escritura, sob pena de se considerar o contrato promessa resolvido, o que o autor nunca fez.

- Por conta do contrato promessa celebrado em 8 de Agosto de 2003 não foi entregue pelo Autor à Ré qualquer quantia (a título de sinal ou outro), pelo que não poderá a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de € 1.089.374,60, “correspondente ao dobro do sinal passado”, pela simples razão de que não houve qualquer sinal entregue por conta de tal contrato.

- O contrato promessa junto sob doc. n°l com a p.i. respeita à transmissão de direitos reais sobre fracções autónomas de um edifício.

- A validade de tais contratos depende, nos termos do artigo 410°, n°3, do Código Civil da “certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção”.

- O notário não certificou a existência de tais licenças, antes, pelo contrário, expressamente declarou que “não foi exibida licença de utilização ou de construção”.

- Pelo que é tal contrato inválido, podendo a aqui Ré invocar tal invalidade, uma vez que foi o Autor que culposamente deu origem a que fosse celebrado sem aqueles requisitos porquanto que, muito embora tivesse perfeito conhecimento da inexistência de tais licenças, foi o Autor que quis, solicitou e pressionou a Ré para a celebração, naqueles termos, do contrato promessa.

- A terem que ser pagos juros deverão os mesmos ser compensados com o correspondente gozo do prédio de que o Autor – desde a data da celebração do contrato – dispôs até à data.

- O valor anual do gozo do prédio prometido vender é muito superior ao valor anual dos juros relativos à quantia de € 544.687,30 entregue pelo Autor.

Em reconvenção, alegou que: - Considerando-se que o contrato é válido e produz efeitos inter partes, deve o mesmo ter-se por definitivamente não cumprido por causa imputável ao Autor, porquanto que ficou acordado entre as partes que incumbia ao Autor a obtenção da licença de construção ou utilização das fracções em causa necessária à realização do contrato prometido, o que este nunca fez.

Concluiu pela improcedência do pedido formulado pelo Autor, e, em reconvenção, pela condenação do autor a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00 acrescida de juros desde a data de l de Outubro de 2003, que se contabilizam em € 37.916,00 até efectivo e integral pagamento.

Na réplica, o Autor alegou que: - O contrato de cessão de quotas nunca se chegou a concluir e sempre seria nulo por nunca foi assinar por um dos seus contraentes.

- Ao celebrarem o contrato...

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