Acórdão nº 3374/07.9TBGMR-I.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA demandou no dia 6-6-2007 BB & Companhia Lda. deduzindo os seguintes pedidos:

  1. Que seja proferida sentença a produzir os efeitos da declaração negocial da ré promitente faltosa, nos termos do disposto no artigo 830.º do Código Civil, transmitindo-se ao A. o direito de propriedade correspondente à fração autónoma "Q" - habitação tipo T2, rés do chão Dt.º, com entrada pelo n.º … de polícia com a garagem n.º2 na cave identificada com a letra Q que faz parte do prédio urbano sito no gaveto do ..., números …, …, … e …, e Rua ..., números …, …, …, … e …, freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º ... e afeto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição F.

  2. Que a referida sentença expressamente autorize a realização do competente registo predial de aquisição a favor dos AA.

  3. Que a ré seja condenada a indemnizar o A. pelos prejuízos causados a liquidar em execução de sentença.

  1. Alegou a A. que o contrato-promessa celebrado em 13-8-2003 respeitante à compra e venda do referenciado imóvel, de que falta apenas pagar 35.000€ do estipulado preço de 85.000€, não foi cumprido pela ré visto que não compareceu, apesar de interpelada, na escritura marcada para o dia 27-4-2007, incorrendo, assim, em mora (artigo 804.º do Código Civil), recusando- -se a outorgar a escritura invocando os mais variados motivos, designadamente problemas financeiros.

  2. Do incumprimento resultaram para o A. prejuízos, a saber: custo dos honorários do serviço de solicitadoria a que teve de recorrer; taxas de justiça e honorários de advogado por ter de propor a presente ação; perda de juros bancários pelo facto de ter entregado à A. a quase totalidade do preço.

  3. A ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, o Tribunal condenou a ré a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar a título de indemnização pelos danos resultantes do incumprimento do contrato-promessa, absolvendo-a do restante pedido.

  4. Interposto recurso, o Tribunal da Relação anulou a sentença recorrida, nos termos do artigo 712.º/4 do C.P.C., a fim de se complementar e melhor esclarecer os factos vertidos no ponto 15 da matéria de facto (" 15 - No âmbito dos autos de insolvência veio o Sr. administrador de insolvência em […] declarar optar pelo não cumprimento dos contratos-promessa celebrados pela insolvente - cf. o teor de fls. 379 dos autos principais) e dar oportunidade ao A. de exercer o contraditório quanto à decisão do Sr. administrador de insolvência de recusar cumprir o contrato-promessa celebrado entre aquele e o ora insolvente.

  5. Face a novo julgamento, o Tribunal procedeu à leitura das respostas à matéria de facto (ver fls.401) e decidiu, por sentença ( fls. 404/419), julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré de todo o peticionado.

  6. Interposto recurso desta sentença para o Tribunal da Relação, foi-lhe negado provimento.

  7. Recorre o A., de revista, para o Supremo Tribunal, finalizando a minuta com as seguintes conclusões: 1- Assiste ao recorrente o direito à execução específica do contrato-promessa, tendo havido tradição da fração prometida vender e tendo sido declarada a insolvência da promitente vendedora na pendência de execução específica, levada a registo.

    2- Contrariando posições anteriores (cf. facto 16), o administrador da insolvência dirigiu aos autos de insolvência requerimento manifestando a vontade de não cumprir os contratos.

    3- A sentença de 1ª instância considerou possível, e a segunda instância confirmou, esta recusa do administrador da insolvência por estar em causa um contrato-promessa sem eficácia real (artigo 106./1 do CIRE a contrario).

    4- Contudo, há que dizer que a sentença de 1ª instância, na sua elaborada construção jurídica, ignorou, e o Tribunal da Relação sufragou, os demais factos relativos à presente causa que, salvo melhor entendimento, não podem ser ignorados, sob pena de, a pretexto da proteção da 'satisfação do interesse coletivo de todos os credores do falido' ou da 'salvaguarda dos créditos emergentes do contrato de trabalho que gozam de um privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua atividade', se encontrar uma soluçado manifestamente injusta e desproporcionada para o credor fiel/cumpridor relativamente ao qual já houve tradição da coisa prometida vender.

    5- No caso que nos ocupa, a promessa não tem eficácia real, mas houve tradição da coisa a favor do promitente-comprador que, como os factos inculcam, cumpriu ex abundanti , todas as obrigações a que estava adstrito por força da promessa.

    6- Como bem refere a decisão recorrida, se bem que de tal nenhuma conclusão seja extraída, no presente caso interpõe-se uma particularidade: na data da declaração de opção do administrador de insolvência no sentido de não cumprir o contrato-promessa estava já pendente a presente ação de execução específica.

    7- A declaração do administrador de insolvência pela recusa do cumprimento do contrato-promessa de compra e venda ocorrida nas circunstancias provadas na lide não pode ser equiparada à circunstância de não se opor a natureza da obrigação assumida mencionada no artigo 830.º, n.º1 do Código Civil e definitivamente ser afastada a possibilidade de exercício da execução específica.

    8- No contrato-promessa a que não foi atribuída eficácia real, o promitente comprador apenas tem a seu favor um direito de crédito à celebração do contrato definitivo, nada podendo fazer se a obrigação se extinguir por impossibilidade decorrente da alienação da coisa prometida (sem prejuízo da constituição da obrigação de indemnização).

    9- No caso sub judice, a ação de execução específica foi registada e o administrador de insolvência começou por querer cumprir os contratos em curso para, depois, alterar a posição e vir dizer que não pretende a execução deles.

    10- Daqui não resulta, sempre salvo melhor opinião, que a alienação do bem prometido vender seja impossível.

    11- Acresce que a celebração do ato prometido não é prejudicial à massa porquanto, com a transmissão da fração urbana, e posterior quitação do que resta do preço convencionado entre as partes, o produto da venda será integrado na massa insolvente, satisfazendo deste modo as reais expectativas dos credores.

    12- O cumprimento do contrato-promessa em mérito não pode considerar-se prejudicial em relação à massa insolvente. Nem diminui o valor da massa insolvente, nem torna, antes pelo contrário, a satisfação dos interesses dos credores mais difícil e demorada.

    13- O julgador de 1ª instância dá por verificada , e o acórdão recorrido confirma, a mora do contrato, referindo até que esta posição foi incidentalmente conhecida no (primeiro) acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido neste processo.

    14- À declaração do administrador da insolvência de não querer cumprir, integrada no artigo 102.º do CIRE, a sentença atribui o efeito de converter a mora em incumprimento definitivo. A execução específica (intentada e registada previamente à sentença de insolvência) é tida por "impossível" ou, dito de outra forma, equiparada a emissão da declaração do administrador da insolvência pela recusa do cumprimento do contrato-promessa de compra e venda à circunstância de não se opor a natureza da obrigação assumida mencionada no artigo 830.º,n.º1 do Código Civil.

    15- O entendimento plasmado na decisão recorrida quanto aos efeitos da atuação do administrador da insolvência suscita reservas, desde logo porque, no caso concreto, havendo incumprimento do contrato anterior à declaração de insolvência, ao mesmo nem deveria assistir a faculdade prevista no artigo 102.º do CIRE.

    16- Estando a presente ação já proposta e registada à data de declaração...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT