Acórdão nº 08S931 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 20 de Junho de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa (1.º Juízo), AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CP - CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, E. P., pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré: (a) a pagar-lhe as «retribuições perdidas em virtude do despedimento decretado, desde a data daquele até à data da sentença»; (b) a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, acrescida de juros, à taxa legal, que se vencerem até integral pagamento, «referente ao valor variável da retribuição do A., perdido em virtude da sua suspensão»; (c) a reintegrá-lo ou a pagar-lhe indemnização por antiguidade, se por esta vier a optar; (d) a pagar-lhe indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais causados, a liquidar em execução de sentença.

Alegou, em síntese, que é funcionário da ré, desde 1990, com a categoria de maquinista, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de despedimento; contudo, o procedimento disciplinar já havia caducado aquando da atinente decisão e, por outro lado, o despedimento deve considerar-se ilícito, por não se verificar justa causa.

Quanto à ultrapassagem do sinal vermelho, este não era visível e tal sucedeu porque ouviu o operador de circulação mandar avançar, e relativamente à condução sob a influência do álcool, o teste foi efectuado já após a sua saída do serviço, não estando demonstrada a exactidão da medição, que não pode deixar de estar errada, não tendo sido submetido a análise de contraprova, acrescentando que, em processos disciplinares por infracções similares, a ré não despediu os respectivos trabalhadores.

A ré contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em resumo, que a conduta do autor se traduziu numa violação grave dos seus deveres laborais, nomeadamente, o incumprimento de normas de segurança de carácter imperativo e a prestação de trabalho sob a influência do álcool que, pela correspondente gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; o autor foi submetido, em 16 de Novembro de 2002, a teste de controlo de alcoolemia que revelou uma percentagem de 1,00 g/l de álcool no sangue, ou seja, o dobro do limite máximo previsto no ponto 5.3. do Regulamento de Prevenção e Controlo de Alcoolismo, não tendo requerido contraprova, apesar de saber que a podia fazer; o comportamento do autor afectou a confiança que deve caracterizar o contrato de trabalho, suscitando dúvidas sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador, o qual já tinha antecedentes disciplinares, não ocorrendo a caducidade do procedimento disciplinar, nem o alegado desvio da prática disciplinar da empresa.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do autor e condenando a ré: «a) a pagar ao A. a importância correspondente ao valor das retribuições (nas quais se incluem a parte variável paga de forma regular) que o mesmo deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura desta acção até à data da sentença (descontado [sic] as importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento e até à data da sentença ou acórdão que declare de forma definitiva a ilicitude do despedimento); b) a reintegrar o A., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) a pagar ao A. o valor médio mensal da retribuição variável devido durante o período da suspensão, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos às respectivas taxas legais em cada momento em vigor para créditos civis.» Quanto ao mais, a ré foi absolvida do pedido, tendo a sobredita sentença decidido que «não se vislumbra qualquer caducidade do processo disciplinar».

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente, decidindo: «1. Revogar a sentença recorrida, na parte impugnada; 2. Julgar lícito o despedimento do apelado e absolver a apelante dos pedidos de reintegração e do pagamento das retribuições que aquele deixou de auferir desde o 30.º dia anterior à propositura da acção até à data da sentença».

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «A) Nos termos do n.º 3 da cl[á]usula 105[.ª] do AE, ao não ter concluído o processo disciplinar nos 60 dias imediatamente posteriores ao conhecimento dos factos e porque o inquérito não visava nem o apuramento dos factos nem a identificação dos autores, temos que ao ser mais favorável o disposto no AE do que o previsto nos Art.º 10, n.º 11, [da LCCT] e 31.º, n.º 1, da LCT, o acórdão recorrido viola o disposto nos art.º 12.º e 13.º da LCT, na medida em que tais disposições não prevalecem, no caso concreto, sobre a invocada cl[á]usula do AE.

    B) Quando foi ordenado ao autor que se submetesse ao teste de determinação da taxa de álcool no sangue, há já 20 [minutos] que este havia terminado o seu turno de serviço. Encontrava-se dispensado do dever de assiduidade e do dever de obediência, sendo inaplicável qualquer norma de higiene e segurança.

    C) Verifica-se, aten[t]o o alegado em B) não só uma ilegitimidade da arguente para submeter o trabalhador ao teste, como é patente uma ilegalidade dos meios de prova e consequente intromissão não lícita da entidade empregadora na vida privada do trabalhador, sendo que este não violou nenhum dever profissional nem qualquer dever geral.

    D) O acórdão recorrido ao fazer uso da possibilidade legal da alteração da matéria de facto violou, uma vez que acrescentou à factualidade [ínsita] na nota de culpa, outros factos e circunstâncias em relação aos quais o arguido não foi concedido o direito de defesa, violou, não só o disposto no Art.º 10.º, n.º 1, da [LCCT], que consagra a matéria imputada na nota de culpa como caso julgado para efeitos da factualidade a considerar ou não assente com vista à emissão de juízo de valor sobre a existência ou não de justa causa para despedimento.

    E) Alterar-se a matéria de facto para se fazer constar que o autor participou num almoço local, em que bebeu um copo de vinho a mais é admitir-se que a nota de culpa, no essencial da factualidade pode ser imprecisa, subjectiva e meramente valorativa na medida em que objectivamente um copo de vinho a mais para esta ou para aquela pessoa pode ter um resultado diferente; o copo tanto pode ser grande como pequeno; o vinho tanto pode ser de uma graduação como de outra e não consta que alguém tivesse sido v. g.

    condenado por sentença judicial de estar sob a influência do álcool por ter presumivelmente dito noutro processo distinto ter bebido um copo de vinho a mais. Para que serve o aparelho de teste de sopro ao balão? Será que beber um copo de vinho a meio do serviço e beber mais de um copo 20 minutos depois do serviço não se compadece com um resultado de 0,0 gr, aquando do [término] do turno de serviço? F) A arguente ao instaurar o processo e precedendo a redacção da nota de culpa deveria ter feito prova no processo disciplinar quer da efectivação do teste antes do [término] do serviço, quer da utilização de um aparelho aprovado e calibrado. Aliás, supletivamente, sempre se dirá de que adianta um aparelho aprovado e calibrado quando usado pela entidade empregadora fora do horário de serviço? G) Temos, pois, que não tendo ficado provado que o autor e ora recorrente estivesse sob a influência de álcool ao tempo da manobra em questão, nem sequer que estivesse sob o efeito de álcool durante o [seu] período laboral, não se vislumbra o preenchimento de qualquer dos pressupostos objectivos e subjectivos da violação de qualquer dever profissional ou geral, até porque não está alegado que o arguido nos 20 minutos posteriores ao [término] do turno de serviço estivesse a conduzir qualquer veículo automóvel.

    H) Ora, ficou provado que objectivamente o dia era de chuva e que apenas o operador de apoio saiu para prender os vagões, tendo legitimamente o arguido permanecido dentro da cabine. Mais[,] o sinal encontra-se à saída de uma curva e eram insistentes as reclamações contra a localização de tal sinal não visível do local de paragem na estação, sendo igualmente certo que até 7 ou 8 metros antes do sinal o arguido não tinha qualquer possibilidade de saber se o mesmo estava fechado ou aberto, sendo ainda manifesto que nessa data a curva em questão estava ladeada por arbustos e por último que o operador de circulação após o início da marcha não tentou advertir o arguido que o sinal estava fechado.

    I) Assim, verifica-se que ocorreram 2 factores objectivos, o tempo que não é controlável e a falta de visibilidade que pela curva e posicionamento do sinal e sobretudo pela omissão da arguente que não cortou os arbustos, dizíamos factores que directa e necessariamente contribuíram para o ocorrido; sendo certo que também não ficou demonstrado que o arguido deliberadamente desrespeitasse quaisquer instruções, bem ao invés o operador, ao não advertir, contribuiu para a ocorrência.

    J) Tratando-se de um comportamento negligente, como sucedeu com a não efectivação de paragem obrigatória antes de atingir o sinal S8, só através da imputação e demonstração de uma prática reiterada se poderia aplicar o despedimento.

    K) Por último, não sendo a prática disciplinar da CP a opção pelo despedimento, em sede de punição da violação deste tipo de regras de segurança, com ultrapassagem de sinais que não se encontram abertos, a sanção disciplinar não só se afigura desproporcional como violadora da igualdade de tratamento em sede punitiva, particularmente importante numa empresa de dimensão nacional e com natureza jurídica de empresa pública.

    L) Ao contrariar nos fundamentos de direito o alegado de A) a K), [o acórdão recorrido] é ilegal e deve ser revogado com base nas disposições e princípios...

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