Acórdão nº 08B1478 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 30 de Setembro de 2002, contra BB, CC, e o Comércio do Porto, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de € 250 000 e de juros de mora à taxa legal a contar da citação, a título de indemnização por danos morais causados pela publicação, no Verão de 2001, na sequência de um protesto levado a efeito pelo pai de uma criança, cujo processo de regulação do poder paternal corria termos no Tribunal de Família e Menores de Braga, onde o autor exercia então as suas funções de Juiz de Direito, de três artigos da autoria das duas primeiras no jornal "O Comércio do Porto", nos quais aquelas jornalistas, de forma propositada, com suas próprias afirmações e reproduzindo as daquele pai, teriam atentado contra a sua honra, dignidade, bom nome e reputação.

As rés BB e CC invocaram, na contestação, terem-se limitado a informar, de forma séria e objectiva, o público do aludido protesto levado a cabo pelo pai de uma criança, e que desconheciam os factos relativos aos danos morais invocados pelo autor.

O Comércio do Porto, SA afirmou, por seu turno, em contestação, que os artigos jornalísticos em causa se limitaram a descrever, de forma objectiva e independente, o caso em concreto, uma situação de protesto levada a cabo por um pai contra a lei e a sociedade, que alegadamente atribuía maior importância ao papel maternal, mas sem intenção difamatória nem afirmações da sua autoria.

O autor replicou, ampliando a causa de pedir, incluindo na acção o teor do artigo jornalístico redigido pela ré BB, publicado em 4 de Setembro de 2001 no mesmo Jornal.

Alterada a matéria de facto assente e a da base instrutória em função de reclamação, e realizado o julgamento, foi proferida sentença, a qual posteriormente foi anulada pela Relação, com vista à ampliação da matéria de facto.

Realizada nova audiência de julgamento, foi proferida nova sentença, no dia 22 de Janeiro de 2007, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido.

Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Outubro de 2007, negou-lhe provimento.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão não se pronunciou sobre as questões colocadas no recurso, o que integra a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, pois o resumo transcrito é omissivo e, por isso, a solução preliminarmente anunciada e depois assumida não constitui prejuízo para o conhecimento daquelas questões; - o acórdão não atentou no iter do processo de regulação do poder paternal - datas indicadas, ausência de acção processual de DD e o seu acatamento durante dois meses - nem na incongruência da greve; - não considerou a intenção ou o desleixo das jornalistas, perante tão graves acusações, de não pedirem ao grevista a demonstração das suas imputações, os fundamentos da injustiça, da desumanidade, da prepotência e da discriminação por ele propalada; - não considerou o desinteresse delas pela verdade processual, nomeadamente que DD nada requerera e que sempre lhe foi mantido um adequado regime de visitas ao filho, a falta de esclarecimento dos leitores disso e que nada justificava tão graves acusações, sobretudo a de que não havia isenção; - não foi feito agravo a DD na decisão da guarda do menor e demais aspectos, tendo-se limitado a decidir de acordo com a lei, e viu-se confrontado com tão estranha e extrema atitude, sem que nada lhe fosse exposto ou requerido no processo, vendo à frente ao tribunal um indivíduo a proclamar a injustiça, a desumanidade, a prepotência e a discriminação da sua decisão; - se as jornalistas prezassem os valores da sua profissão e o respeito pelos outros, perante tão graves acusações, tinham que pedir ao grevista a demonstração das suas imputações; - como a documentação que DD tinha em seu poder relativa às decisões do recorrente era uma vulgar decisão de regulação do poder paternal com atribuição legal da confiança do menor à mãe, a fixação de alimentos e adequada salvaguarda do regime de visitas, nada nela as recorridas poderiam descobrir de injusto, desumano, prepotente ou de discriminador justificativo das acusações e das atitudes dele; - se as jornalistas prezassem a deontologia do seu estatuto e vissem os documentos processuais em poder de DD, tinham que o questionar sobre as razões de tais acusações e da atitude que tomou, questionando-o sobretudo em que é que o juiz estava a sê-lo; - as recorridas nada disso fizeram, e, buscando sensacionalismo, vieram a produzir trabalhos jornalísticos em que reproduziram afirmações gravíssimas, inseriram expressões próprias, publicaram fotografias, desenharam títulos de realce, tudo por forma gráfica a chamar a atenção do público em geral; - tais notícias continham, pelo conteúdo e pela forma, graves atentados contra o crédito e a honra do recorrente, desprestigiando-o enquanto cidadão e magistrado, e foram produzidas sem qualquer sentido crítico e de busca da verdade, apenas com a finalidade consciente de o enxovalhar, tanto mais que não foi observado o pertinente dever de informação ou confirmação, ou, pelo menos, não o foi no que era minimamente possível e exigível; - a um jornalista sério, perante tantas e tão graves acusações, bastava subir à secretaria do tribunal e pedir a consulta do processo, e não havia motivo para que DD fizesse o espectáculo que fez, e as jornalistas não cumpriram o seu dever de informação e busca da verdade, sendo irrelevante que acedessem aos documentos que ele lhes exibiu, pois deles nenhum agravo resulta ou que justificasse tão graves epítetos; - se o assunto merecesse notícia, apenas a deveria ser o espalhafato em si, sem reprodução de quaisquer imputações desonrosas e sem os artifícios próprios do jornalismo, por forma a fazer crer aos leitores que o recorrente, era injusto, fazia discriminação sexual, era traidor, denegava justiça, violava e praticava atropelos à lei, tinha má conduta como juiz com os advogados ou que tinha falta de isenção, era parcial, incompetente, prepotente e desumano; - a autora do escrito de 25 de Julho, no momento em que o escreveu, conhecia o processo de regulação do poder paternal pendente no tribunal em que era parte DD, e dele resulta que ela conhecia as decisões provisórias proferidas pelo respectivo juiz, nas quais sempre se manteve um regime de visitas de DD ao filho, e que ela sabia tratar-se de uma criança de cinco meses de idade, ainda a ser amamentada, obviamente entregue aos cuidados da mãe; - do que o recorrente decidiu e consta da certidão e dos papéis que se diz que as recorridas tiveram na sua posse, não resulta que DD entrou em greve de fome para ver o filho ou por causa da tutela do filho, ou que houve discriminação sexual ou que aquele, que acatou a decisão, queria ver o bebé de cinco meses diariamente, nada há de onde se possa concluir que a decisão foi extremamente injusta, e em lado algum se mostra ter sido pedida a guarda conjunta; - afirmando DD que o tribunal estava a agir dentro da legalidade, não se sabe onde resulta que ele estava a ser traído pelo juiz, e perante o que o recorrente decidira, as jornalistas deviam notar a total ausência de fundamentos para as atitudes dele e esclarecer os leitores disso mesmo, por ser evidente que tais atitudes eram despropositadas e que nada justificava tão graves acusações; - as expressões inseridas no escrito de 17 de Agosto, incluindo a referência a isenção, não tinham justificação nem resultavam da decisão do recorrente; - não resultava o que é que DD queria que não lhe fosse concedido, nem qual era o seu braço-de-ferro, nem de que é que ele tinha de se defender e que barbaridade tão grande lhe tinha feito o juiz, que crime tinha este cometido, que a sua última esperança era que fosse outro juiz a analisar o requerimento por só assim poder haver isenção; - não seria difícil a qualquer jornalista aperceber-se de que não havia o mínimo motivo para o aparato de DD e, sobretudo, de estar contra o juiz nos termos em que estava, devendo as recorridas esclarecer o público disso, mostrando o ridículo e a injustiça das imputações ao recorrente; - as recorridas não conheciam os casos concretos dos alegados vinte e um lesados e ousarem incluir no texto que já não era a primeira vez que o recorrente andava nas bocas do povo, acolhendo-se interesseiramente a tais pessoas, pretendendo e conseguindo descredibilizar a vida e o trabalho de um juiz, construída com sacrifício e orgulho ao longos dos anos, lançando sobre ele rótulos de intolerância, de incompetência, de despotismo e de falta de isenção, e fizeram-no, manifestamente, excedendo os factos a noticiar e, quer pela forma quer pelo conteúdo, lançaram sobre o recorrente diversos e gravíssimos labéus de que jamais se livrará; - os escritos em causa, mesmo que eventualmente pudessem ser considerados de interesse público, não têm contornos de neutralidade, indo além do relato objectivo típico daqueles que sabem exercer a liberdade de imprensa, sendo que as afirmações feitas, no seu conjunto e forma, imputando ao recorrente os epítetos que imputam, sem que houvesse a mínima base para tanto, constituíram-se em abuso a justificar forte censura; - inserir tudo o que um indivíduo qualquer se lembrou de dizer de um juiz, sobretudo que tal juiz é injusto, parcial, prepotente e desumano, não é informar, tal como o não é a aderência a tais expressões através de comentários e de afirmações que nada tinham a ver com o único facto que era a greve, que poderia ter algum interesse para os leitores; - apesar de as recorridas dizerem que se limitaram a reproduzir aquilo que DD e a mãe dele lhes disseram, dito ou não originariamente por algum deles, no mínimo reproduziram tais afirmações, dando-lhe asas e publicidade, alargando exponencialmente o universo dos seus destinatários; - os jornalistas, enquanto responsáveis pela...

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