Acórdão nº 08B1263 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução15 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA, Ldª intentou, no dia 8 de Janeiro de 2004, contra BB- Companhia de Seguros, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 141 386,25 a título de indemnização pelos prejuízos que sofreu, sendo € 98 765,70 pela reparação da máquina acidentada e o restante pela sua remoção e transporte, e juros de mora à taxa legal a partir da citação.

Motivou a sua pretensão em estragos numa sua máquina giratória quando se deslocava para o local de trabalho e ficou soterrada por aluimento do terreno e no contrato de seguro do ramo "montagem, construção e máquinas", celebrado com a antecessora da ré.

Em contestação, afirmou a ré que o contrato de seguro não cobria o dano invocado em consequência de o sinistro ter ocorrido na via pública quando a máquina circulava pelos próprios meios, e que em qualquer caso não abrangia todas as despesas alegadas, valer a máquina acidentada € 62 349,74, não poder a indemnização exceder € 35 814,65 por dever ser considerado o seu valor de substituição por máquina nova e a franquia a deduzir.

Alterada a selecção da matéria de facto sob reclamação da autora, e realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 27 de Julho de 2006, por via da qual a ré foi absolvida do pedido, com fundamento na exclusão de cobertura pelo contrato de seguro.

Apelou a autora, impugnando a decisão de facto e de direito, e a Relação, por acórdão proferido no dia 22 de Novembro de 2007, negou-lhe provimento ao recurso, mantendo a decisão da primeira instância.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o julgador não atendeu às normas jurídicas aplicáveis de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, não interpretou adequadamente da prova produzida ao longo do processo, nomeadamente a documental e a testemunhal; - o acidente deu-se durante e por via da laboração da máquina da recorrente na Quinta do Mourão, a recorrida não provou ter o mesmo ocorrido na via pública, pelo que não é aplicável a cláusula de exclusão do seguro; - por causa do caso julgado e da segurança jurídica, e porque contrário ao considerado matéria de facto assente, não devia o acórdão fundamentar factos que não foram provados pela recorrida mediante documento cuja genuinidade foi impugnada, em que se refere ter o acidente ocorrido em data diferente da do acidente discutido no processo; - não podem ser dados como provados factos que nenhuma das testemunhas da recorrida presenciou e cujo documento, contrário à matéria de facto assente, serve para sustentar os factos impeditivos e extintivos do direito da recorrente; - cabia à recorrida provar os factos constitutivos do direito alegado nos quesitos 27º e 28º, e, como não foi feita tal prova, não podiam ser dados como provados, em conformidade com os artigos 342º, nº 2, do Código Civil e 516º do Código de Processo Civil, pelo que devem ser eliminados, ao abrigo do artigo 712º, nº 1, alíneas a) e b), deste último diploma; - o direito de ser indemnizada pelos custos da remoção e desenterramento da máquina está abrangido por condição particular do contrato de seguro, que se sobrepõe às gerais, na parte em que refere a responsabilidade civil até 25 000 000$; - a prova nesta matéria só pode derivar do que as testemunhas viram, perceberam e interpretaram, dos documentos e registos fotográficos, o que tudo aponta para decisão diferente; - a Relação não conheceu do recurso do despacho proferido no tribunal da primeira instância de indeferimento do requerimento para a audição da pessoa a quem foi imputada a participação do acidente; - o mandatário da recorrente nunca reconheceu ser público o caminho, tendo-se oposto quando o juiz ditava o despacho para a acta, só tendo conhecido do seu teor no decurso do prazo de alegação no recurso de apelação, não podendo dar-se como documento autêntico um facto que não foi aceite pelo mandatário da recorrente; - trata-se de documento particular, conforme resulta da certidão que juntou com as alegações no recurso de apelação, sendo um elemento que a Relação devia apreciar com vista ao apuramento da verdade material, mas foi ordenado o seu desentranhamento; - não tendo sido feita prova convincente sobre a caracterização do caminho, não podia o tribunal a quo, apenas com base no depoimento de uma testemunha arrolada pela recorrida, e sem o devido suporte documental, dar como provado que o caminho que confina com a Quinta do Mourão é público; - o acórdão está afectado de vícios que importam a sua anulação, por erro notório na apreciação da prova testemunhal e documental relativamente ao local onde ocorreu o acidente e aos custos de remoção e desentranhamento da máquina; - o acórdão ignorou as questões acima referidas, pelo que é nulo, nos termos da alínea d), primeira parte, do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil; - a Relação errou na apreciação da prova, porque os elementos fornecidos pelo processo impõem decisão diversa, sendo que a livre convicção não significa liberdade não motivada de valoração, mas modo não estritamente vinculado de valoração da prova e descoberta da verdade processualmente relevante, conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores; - o acórdão está afectado de nulidade por falta de fundamentação de facto, a que aludem os artigos 668º, nº 1, alínea b), e 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, uma vez que nele se não empreende a análise crítica do conteúdo dos depoimentos gravados das testemunhas, nem do teor dos registos fotográficos ou dos documentos cujo desentranhamento foi ordenado e que só por si implicaria decisão diversa; - no acórdão são feitas afirmações incongruentes, relatando factos não afirmados por alguma testemunha, nem fundamentadas em qualquer documento, o que se traduz em erro notório na apreciação da prova; - nos termos do artigo 712º, nº 5, do Código de Processo Civil, como a decisão proferida sobre factos essenciais não está devidamente fundamentada, deve o tribunal ad quem ordenar a remessa dos autos ao tribunal da primeira instância a fim de preencher tal falha, com base nas gravações efectuadas ou através da repetição da produção da prova; - o tribunal recorrido devia ter enquadrado juridicamente os factos como integrantes do direito de indemnização da recorrente, e, como assim não ocorreu, o acórdão recorrido não fez a melhor e mais correcta interpretação e aplicação dos artigos 653º, nº 2, 668º, nº 1, alínea b), 158º, nº 1, 265º, 515º, 516º e 712º, nºs 1, alíneas a) a c), e 4 e 5, do Código de Processo Civil e 342º do Código Civil nem da condição particular do contrato de seguro; - deve revogar-se o acórdão recorrido e condenar-se a recorrida no pagamento do peticionado, ou, dado estar afectado de nulidade decorrente da falta de motivação quanto à análise crítica dos depoimentos gravados em fita magnética e dos documentos, deve o processo ser remetido à Relação a fim de se proceder à devida fundamentação das questões de facto e de direito levantadas pela recorrente, nos termos do artigo 712º, nº 5, do Código de Processo Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão: - o acórdão não está afectado de erro ou vício, e o recurso de revista não pode envolver a reapreciação da prova em que a recorrente assenta parte das suas alegações, e a apreciação dos factos pelas instâncias foi feita de acordo com o conjunto da prova produzida; - a recorrente alegou na petição inicial que o acidente ocorreu quando a máquina se deslocava no terreno municipal, o terreno afundou, obrigando a máquina a ficar soterrada; - as fotografias juntas com as alegações no recurso de apelação são inócuas, nada tendo a ver com o acidente, reportando-se a um alargamento e arranjo do caminho em data diferente; - as respostas aos quesitos 27º e 28º não podem ser alteradas, face à prova produzida em audiência de julgamento, sendo que se impunha ao tribunal responder aos mesmos face à prova produzida; - de qualquer forma os eventuais danos decorrentes da remoção da máquina não estão cobertos pela garantia do contrato de seguro, pois não são danos na própria máquina, dado que a cobertura da responsabilidade civil é perante terceiros, e não perante a recorrente que não é terceira, mas tomadora do seguro; - os pretensos danos estão excluídos da garantia de seguro, por virtude de o acidente ter ocorrido quando a máquina se deslocava pelos seus próprios meios na via pública; - a recorrente limitou-se, quanto à genuinidade do documento de participação do sinistro, a impugnar a assinatura nele aposta, não requerendo qualquer meio de prova como lhe era legalmente permitido, sendo que o juiz ouviu o seu gerente, indo para além daquilo a que estava obrigado processualmente; - não estando presente essa pessoa e não sendo possível apresentá-la e inquiri-la até ao final da audiência, não tinha o juiz que proceder à sua audição; - a falta de carimbo da empresa é irrelevante, e é falsa e de má fé a afirmação de ter havido protesto contra a afirmação do juiz de que o mandatário da recorrente aceitava a qualificação do caminho como sendo público; - a caracterização do caminho como público resultou da inspecção ao local e das testemunhas inquiridas a esse respeito, como podia ser, e a certidão mandada desentranhar diz respeito a outra acção e o caminho assinalado no mapa não era o mesmo onde ocorreu o acidente; - a acção improcede pois os pretensos danos estão excluídos da garantia de seguro, por o acidente ter ocorrido quando a máquina se deslocava na via pública pelos seus próprios meios; - o acórdão está profusa e proficuamente fundamentado de facto e de direito, não enferma de algum vício ou nulidade, e foi feita correcta interpretação da lei aos factos provados.

II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica: 1. No exercício da sua actividade comercial, representantes da...

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