Acórdão nº 08B1368 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução15 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB instauraram, no dia 22 de Junho de 2005, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CC e DD, pedindo a declaração de serem titulares de identificada servidão de vistas sobre o prédio dos réus e a condenação destes a demolirem o muro que levantaram, de modo a que entre este e a sua janela interceda o espaço de metro e meio e a indemnizá-los em montante a liquidar posteriormente pelos danos derivados da violação do seu direito de servidão.

Motivaram a sua pretensão no direito de servidão de vistas sobre o prédio contíguo dos réus e na edificação por estes, em 2005, de um muro com seis metros de comprimento e dois metros de altura a cerca de dez centímetros do seu prédio, tapando-lhe a janela.

Os réus, em contestação, por um lado, negaram o direito dos autores, afirmando que a janela em causa se encontra a mais de 1,80 metros de altura do solo, ter grades fixas de ferro de secção não inferior a um centímetro quadrado e malha não superior a cinco centímetros.

E, por outro, ter a janela sido construída há poucos anos e não reunir, por isso, os requisitos legais para a aquisição por usucapião, e pediram a condenação deles por litigância de má fé.

Os autores replicaram, seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, realizou-se o julgamento e, no dia 19 de Dezembro de 2006, foi proferida sentença, por via da qual foi reconhecido aos autores o direito real de servidão de vistas e condenados os réus a demolirem o muro de forma a que em frente à janela fique nele rasgada uma abertura com as mesmas dimensões da janela.

Apelaram os autores e os réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 4 de Dezembro de 2007, dando parcial provimento ao recurso de apelação dos autores, e negando-o ao dos réus, condenou estes a demolirem o muro de forma a baixá-lo em toda a sua extensão até à altura do parapeito da janela dos autores.

Interpuseram CC e DD recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido está afectado de nulidade porque não apreciou a qualificação jurídica da janela existente no rés-do-chão do prédio dos recorridos, essencial para a fundamentação da decisão proferida e ordenar a demolição total ou parcial do muro - artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; - o conceito de janela traduz-se na projecção da parte superior do corpo humano e na possibilidade de desfrutar as vistas, olhando em frente e para os lados, para cima ou para baixo, o que não é o caso; - a abertura existente no rés-do-chão do prédio dos recorridos está gradada, não permitindo total liberdade de movimentos, olhando em frente; - é uma fresta irregular por não ter as dimensões previstas no artigo 1363º do Código Civil nem permitir total liberdade de movimentos e amplitude de vistas ou ser visto ou devassado pelo prédio vizinho; - não se trata de servidão de vistas, mas sim uma servidão predial traduzida no direito de manter a abertura irregular, não obstando ao alçamento do muro ou à sua tapagem; - o tribunal recorrido errou na interpretação dos artigos 1360º e 1362º a 1364º e 1543º do Código Civil e contrariou jurisprudência uniformizada - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação - pelo que deve ser revogado.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação: - as janelas, além de serem mais amplas do que as frestas, dispõem de um parapeito onde as pessoas se podem apoiar ou debruçar e desfrutar comodamente das vistas que lhes proporcionem, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo; - trata-se de uma janela que deita directamente para o prédio dos recorrentes há pelo menos há vinte anos. em cujo parapeito os recorridos se podem apoiar; - o facto de a janela ser gradada na sua parte superior não limita vistas aos recorridos, pois se assim fosse, como a mesma é amovível, poderia ser retirada a todo o tempo; - tal abertura, pelas suas dimensões e fim a que se destina, é uma janela, referida como tal na base instrutória, sem reclamação, e está assente uma servidão de vistas em benefício do prédio dos recorridos, nunca colocada em causa; - o muro dos recorrentes foi construído em violação do artigo 1360º, nº 1, do Código Civil, limita o direito de servidão de vistas dos recorridos, e repercute-se desfavoravelmente no seu prédio, contra o disposto no artigo 1362º daquele diploma.

II É a seguinte a factualidade considera assente no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica: 1. Está descrito na titularidade dos autores, na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, sob o n.º 00869/10092001, o prédio urbano composto por dois pavimentos e logradouro, com a área coberta de 100 metros quadrados, e descoberta de 320 metros quadrados, sito no lugar de Valqueira, freguesia de Peroselo, concelho de Penafiel, inscrito na matriz urbana sob o artigo 318 - Peroselo.

  1. O prédio dos autores confronta do seu lado Norte com o prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00345/180693 na titularidade do réu, composto de casa de rés-do-chão e andar, com 40 metros quadrados, e terreno de cultura com 9 000 metros quadrados, designado Souto Novo.

  2. No rés-do-chão do prédio referido em 1 está situada uma janela que deita directamente para o prédio referido sob 2, em cujo parapeito os autores se podem apoiar, podendo olhar em frente através dela e desfrutar de luz natural e de arejamento, o que fazem há pelo menos 20 anos, de uma forma pacífica, contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.

  3. A janela referida sob 3 tem colocada, no seu exterior, uma grade fixa de ferro.

  4. Em inícios de Fevereiro de 2005, os réus procederam à edificação, no prédio referido sob 2, de um muro em mecan, a 17 centímetros de distância do prédio referido sob 1, muro esse que tem 8,67 metros de comprimento e 1,85 metros de altura, que tapa parte da janela referida sob 3, deixando apenas 15 centímetros de altura dessa janela desobstruídos.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se os recorrentes devem ou demolir o muro em causa de forma a baixá-lo em toda a sua extensão até ao parapeito da janela situada no seu enfiamento.

    Tendo cm conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes e pelos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia? - a abertura na casa dos recorridos é qualificável de janela ou de fresta? - são ou não os recorridos titulares do direito de servidão de vistas no confronto dos recorrentes? - têm ou não os recorridos o direito de exigir aos recorrentes a demolição do muro em causa? Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

  5. Começamos pela análise da subquestão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por omissão de pronúncia.

    Os recorrentes alegaram a nulidade do acórdão recorrido por não ter apreciado a qualificação jurídica da janela em causa e tal ser essencial para a fundamentação da decisão de demolição total ou...

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