Acórdão nº 07B1524 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução15 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 11 de Abril de 2001, AA - Actividades Desportivas e Turísticas, SA, anteriormente denominada BB - Sociedade de Empreendimentos Turísticos, SA, propôs, no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, uma acção contra CC - Imobiliário e Empreendimentos Turísticos, SA, pretendendo a condenação da ré nos seguintes pedidos: - no reconhecimento de que, ela, autora, tinha adquirido, por usucapião, "o direito de propriedade (...) sobre as águas do prédio da Ré situado no lugar do..., freguesia da Estela, concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 773, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°. 814, confinante a Poente" com um prédio de sua propriedade, denominado Campo de Golf da Estela e descrito nos autos, " provenientes dos cinco furos e dos quatro poços ali existentes e vedados com uma estrutura permanente em arame"; - subsidiariamente, no reconhecimento de que se tinha constituído, "por usucapião, o direito de servidão de águas a favor do prédio" Campo de Golf da Estela, provenientes dos mesmos furos e poços, "para satisfação das necessidades de água do prédio da Autora, estimadas em 1.033.680 m3 por ano"; - subsidiariamente ainda, no reconhecimento da constituição, a favor do mesmo prédio, da mesma servidão de águas, mas "por destinação de pai de família"; - em qualquer dos casos, no reconhecimento do seu direito de propriedade "sobre as infraestruturas de bombagem da água proveniente desses cinco furos e quatro poços, incluindo as respectivas bombas, acessórios, contadores eléctricos, quadro e cabos eléctricos e um colector de água", - a, "directa ou indirectamente, por si ou por terceiro, não interferir e consentir no abastecimento de água ao prédio da Autora mediante a captação da mesma nos poços e furos existentes no prédio de que a Ré é proprietária com recurso aos meios de bombagem e condução da água nele instalados, permitindo o livre acesso a uns e outros pela Autora e abstendo-se de praticar qualquer acto que impeça, dificulte, modifique ou altere tal abastecimento e bem assim de aceder aos locais vedados em que os respectivos mecanismos de captação, bombagem e condução se encontram instalados, seja por que forma e para que fim for", - e "a permitir que a Autora, a expensas próprias, instale ou mande instalar um sistema autónomo de contagem de consumos de água e um sistema eléctrico para captação e bombagem da água e respectiva contagem de consumo." Houve contestação, na qual, para além da defesa, a ré pediu a condenação da autora no pagamento da quantia de 1.254.400$00, "referente a consumos de energia eléctrica nos meses de Abril, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2000", causados pela necessidade de "captação, bombagem e condução de água", acrescida de juros de mora; e pediu, ainda, que fosse "declarado resolvido" o contrato-promessa de constituição de servidão de águas celebrado em 13 de Fevereiro de 1997 entre BB Imobiliária, SA, e BB, Golf, SA, invocado pela autora na providência cautelar que se encontra apensa aos autos para fundamentar o direito que, então, invocou.

Na réplica, para além da resposta que entendeu apresentar relativamente à defesa e à reconvenção, a autora veio ainda precisar que os cinco furos e os quatro poços a que os seus pedidos se referem são os "existentes na parte norte do prédio" do réu e retirar, do âmbito do pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as infraestruturas de bombagem da água, a referência aos "contadores eléctricos, quadro e cabos eléctricos".

Seguiu-se a tréplica e, após a demais tramitação, foi proferida sentença, a fls. 522, julgando a acção parcialmente procedente, desta forma: - Foi declarada a constituição, por destinação de pai de família, sobre o prédio da ré e a favor do prédio da autora, do direito de servidão de águas, "provenientes dos cinco furos e dos quatro poços existentes na parte norte do prédio, incluindo neste o direito de instalar os meios necessários à contagem autónoma do respectivo consumo de energia com a ligação de um cabo eléctrico ao mesmo prédio" da autora, " para satisfação das necessidades de água desse prédio, estimadas em 1.033.680 m3 por ano"; - Foi igualmente declarado "o direito de propriedade da autora sobre as infraestruturas de bombagem da água proveniente desses cinco furos e quatro poços, incluindo as respectivas bombas, acessórios e um colector de água"; - A ré foi condenada "a, directa ou indirectamente, por si ou por terceiro, não interferir e consentir no abastecimento de água ao prédio propriedade da Autora mediante a captação da mesma nos poços e furos existentes no prédio de que a Ré é proprietária com recurso aos meios de bombagem e condução da água nele instalados, permitindo o livre acesso a uns e outros pela Autora e abstendo-se de praticar qualquer acto que impeça, dificulte, modifique ou altere tal abastecimento e bem assim de aceder aos locais vedados em que os respectivos mecanismos de captação, bombagem e condução se encontram instalados"; - A ré foi ainda condenada "a permitir que a Autora, a expensas próprias, instale ou mande instalar um sistema autónomo de contagem de consumo de água e um sistema eléctrico para captação e bombagem da água e respectiva contagem de consumo"; - A ré foi absolvida dos demais pedidos formulados pela autora; - Quanto à reconvenção, a autora foi condenada a pagar à ré "a quantia de 6.256,92 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7%, desde a citação (notificação da contestação) até 30.04.2003, e à taxa de 4%, desde 01.05.2003 até efectivo e integral pagamento", sendo absolvida quanto ao mais.

  1. Ambas as partes recorreram. Todavia, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 654, foi negado provimento a ambas as apelações e confirmada a sentença recorrida.

  2. CC - Imobiliário e Empreendimentos Turísticos, SA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido como revista e com efeito meramente devolutivo; AA - Actividades desportivas e Turísticas, SA, recorreu subordinadamente, sendo o recurso admitido nos mesmos termos.

    Nas alegações apresentadas, a fls. 723, CC - Imobiliário e Empreendimentos Turísticos, SA começou por observar que, não tendo conseguido que a Relação alterasse o julgamento da matéria de facto, com base no qual foi declarada a existência da servidão, lhe não restava senão conformar-se com o assim decidido; e que, portanto, apenas questionava agora o que considerava ser "uma clara modificação do conteúdo da servidão e uma evidente alteração do modo como a mesma foi constituída e tem sido exercida" e, ainda, a "óbvia sobrecarga da onerosidade incidente sobre o prédio serviente".

    Em conformidade, formulou as seguintes conclusões: "1. Não poderá subsistir a condenação da recorrente em permitir à recorrida a instalação de um sistema próprio de contagem do consumo de água e um sistema eléctrico para captação e bombagem de água e respectiva contagem, com ligação de cabo eléctrico; 2. Essa instalação implica a execução de obras as quais, ainda que a cargo da recorrida, consistem em inovações e modificações no conteúdo da servidão e modo do seu exercício; 3. Essa instalação implica, ainda, a ocupação do prédio da recorrente com os novos mecanismos, cabos, tubagens, etc, para além do incremento da sua devassa; 4. Dessa instalação resulta, portanto, um evidente acréscimo da onerosidade da servidão.

  3. A servidão em causa sempre foi, por outro lado, exercida, ao longo de muitos e vários anos, sem dificuldades ou embaraço, nos precisos moldes em que se encontra e sem necessidade de alteração; 6. A condenação em apreço equivale, pois, à legitimação de inovações, fora do contexto do normal exercício da servidão e com claro prejuízo para o prédio serviente, o que não é autorizado pelo n.º 1 do art. 1566° do Código Civil; 7. Está, além do mais, violado o art. 566°, ambos do Código Civil." Nas contra-alegações, a fls. 752, AA - Actividades Turísticas e Desportivas, SA pronunciou-se no sentido da manutenção do que foi decidido.

  4. Quanto ao recurso subordinado, AA - Actividades Turísticas e Desportivas, SA, concluiu as alegações respectivas (de fls. 697) da seguinte forma: "I - Resultou provada toda a matéria de facto constitutiva do direito de servidão de águas por usucapião, nomeadamente nos n.ºs. 21 a 27 dos...

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