Acórdão nº 08A1042 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução06 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, em 27.3.2003, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, com distribuição ao 3º Juízo Cível - acção declarativa de condenação com processo ordinário - contra: - BB; - CC e mulher DD; - FF.

Pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia de € 50.648,44, a título de indemnização por danos patrimoniais, e a de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

Alegou, para tanto, em resumo, que, no dia 7 de Março de 2000, foi vítima de um acidente de viação causado por DD, menor, filho dos Réus CC e DD, em virtude do qual sofreu danos.

Os pais do menor são responsáveis porque omitiram o dever de vigilância que impendia sobre eles.

O BB está constituído na obrigação de indemnização porque o veículo conduzido pelo menor não tinha seguro.

O terceiro Réu é responsável porque, estando o direito de proprietário do veículo registado em seu nome, era ele quem tinha a direcção efectiva do veículo.

Contestaram os Réus separadamente.

CC e mulher defendem que o acidente se deu por culpa exclusiva da Autora e referem que ignoravam a existência da motorizada conduzida pelo seu filho menor.

O BB impugnou os factos alegados na petição, aduzindo que são exagerados os montantes peticionados.

FF excepcionou a sua ilegitimidade para os termos da acção e, quanto ao mais, referiu que não tinha a direcção efectiva do motociclo interveniente no acidente.

Proferiu-se o despacho saneador, onde se relegou para momento ulterior o conhecimento da excepção de ilegitimidade arguida pelo Réu FF, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações, à qual foram mandados adicionar três novos quesitos no início da audiência de julgamento (fls. 226).

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, por forma que não mereceu reparo a qualquer das partes.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a arguida excepção de ilegitimidade e, julgando a acção parcialmente procedente, condenou: 1) - O BB a pagar à Autora a quantia de trinta e seis mil trezentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos (€ 36.349,16) acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a presente decisão até efectivo pagamento; 2) - Absolveu o BB da parte restante do pedido; 3) - Absolveu os restantes Réus da totalidade do pedido.

Inconformados, a Autora e os Réus BB e CC e mulher interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Por Acórdão de 6.11.2007 (com um voto de vencido) - fls. 421 a 439 - foi revogada parcialmente a sentença recorrida, julgando-se a acção parcialmente procedente contra os Réus BB e CC e mulher, DD, condenando os mesmos, solidariamente, a pagar à Autora a quantia global de € 14.307,72, tendo o Réu Fundo direito à dedução da franquia de € 299,28 sobre aquele montante.

No mais, manteve-se o decidido na sentença recorrida.

Inconformados, recorreram a Autora e os Réus BB e CC e mulher.

Nas alegações apresentadas a Autora formulou as seguintes conclusões: 1) Não se tendo apurado concretamente quem teve a culpa na produção do acidente, há que lançar mão do disposto no nºl do artigo 503° do Código Civil e averiguar qual dos dois veículos contribuiu como maior risco para a produção do acidente.

2) O motociclo era conduzido por um jovem de 15 anos, sem licença de condução e sem idade para poder tê-la, a velocidade superior a 60 km/h no meio de uma nuvem de poeira.

3) O ciclomotor era conduzido por uma senhora de 60 anos a velocidade inferior a 30 km/h.

4) O risco com que o motociclo contribuiu para a produção do acidente foi maior do que o do ciclomotor, pelo que a repartição do risco em 90% para o motociclo, e 10% para o ciclomotor feita na primeira instância deve ser mantida e revogada a da Relação que a alterou e que dessa forma, violou o disposto no n.° 1 do artigo 506° do Código Civil.

5) A Autora não auferia qualquer salário, mas fazia as lides domésticas e o trabalho agrícola do qual retirava o necessário para o sustento da sua casa, o que tinha valor económico.

6) A perda desse valor económico é indemnizável, não através do recurso às tabelas financeiras, totalmente inadequadas ao caso, mas por recurso à equidade nos termos do disposto no nº3 do artigo 566° do Código Civil.

7) A perda de rendimentos ou do valor económico do trabalho da Autora, opera muito para além dos seus 65 anos, pois iriam ocorrer, não fora o acidente, até à idade em que as forças a abandonassem, o que poderia acontecer em idade muito avançada.

8) É equitativo indemnizar a Autora por danos materiais em 12.500 € para os danos ocorridos desde o acidente até à prolação da sentença da primeira instância e em 12.500 € para os danos futuros, ao decidir de forma diferente a Relação violou o disposto no nº3 do artigo 566° do Código Civil.

9) Em consequência do acidente a A. ficou com a cabeça partida até ao encéfalo, com os queixos partidos, o braço direito partido, a perna direita partida, o joelho direito partido e com ferimentos no braço esquerdo o que lhe ocasionou dores em grau muito elevado e lhe provocou mal estar físico e moral que irão manter-se por toda a vida.

10) A Autora esteve internada dois meses no hospital e três meses a dieta líquida.

11) Pelos danos morais é adequada a indemnização arbitrada na primeira. instância, que a Relação diminuiu sem qualquer justificação.

Termos em que deve ser revogado o douto Acórdão recorrido e confirmada, não menos douta, decisão da primeira instância.

O BB - fls. 475 a 479 - formulou as seguintes conclusões: 1. Entendeu o julgador que os danos deveriam ser indemnizados com base no n° 1 do art. 503° do Código Civil.

  1. Por aplicação do art. 506°, foi repartida a responsabilidade na proporção em que o risco de cada um dos veículos contribuiu para os danos.

  2. Em primeira instância foi fixada a repartição 90% - 10%.

  3. A segunda instância alterou: 75% para o motociclo e 25% para o ciclomotor.

  4. Não tratamos m acidente entre um veículo pesado e um ligeiro.

  5. Nem entre um automóvel ligeiro e um ciclomotor/motociclo.

  6. Nem sequer entre um motociclo de alta cilindrada e um ciclomotor.

  7. O veículo da Autor era um ciclomotor (teria entre 47 e 49 cc- comentário nosso) 9. Enquanto o veículo do menor era um motociclo de 123 cm3.

  8. Não resultou sequer provado quais fossem as marcas/modelos dos veículos.

  9. O peso dos veículos seria muito similar.

  10. Um motociclo de 125 cm3 pode ser conduzido por menor de 16 anos - é mais correcto equipará-lo a um ciclomotor do que a um automóvel ligeiro.

  11. Por todo o exposto, é adequado repartir a responsabilidade em 50% - 50%, Os RR. CC e mulher, alegando - fls. 505 a 509 - formularam as seguintes conclusões: A) A vigilância que os pais devem exercer sobre os filhos durante a sua menoridade não tem sempre o mesmo conteúdo, a mesma intensidade e a mesma frequência.

    1. Tal vigilância vai diminuindo na sua intensidade, no seu conteúdo e na sua frequência à medida que os filhos crescem e desenvolvem as respectivas personalidades e capacidades.

    2. Os pais, de acordo com a maturidade dos filhos, devem reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.

    3. A norma contida no art. 491° do Código Civil, no que aos pais diz respeito, não é um julgamento da forma como exerceram o poder paternal até ao momento da produção dos danos.

    4. Tal norma, assentando nos dados da experiência, julga o cumprimento do dever de vigilância relativamente aos factos danosos.

    5. Na manhã do dia em que ocorreu o acidente (7 de Março de 2000, pelas 17 horas e 30 minutos), o pai do menor e ora alegante CC deu uma queda, sofrendo um traumatismo craniano tendo dado entrada, no Hospital de Santo André, em Leiria, para ser socorrido, às 12 horas e 54 minutos.

    6. Teve alta com destino ao domicílio às 16 horas e 45 minutos e ele, mais a mulher que o acompanhava, regressaram a casa cerca das 17 horas e 45 minutos, altura em que tiveram conhecimento de que o seu filho tinha tido um acidente de motorizada.

    7. Não era, assim, exigível aos réus que cumprissem o seu dever de vigilância.

    8. Os réus não devem, pois, ser censurados pelo facto de, no dia do acidente, não terem impedido o menor de circular com o veículo na via pública.

    9. Em consequência, deverá afastar-se a responsabilidade dos réus com fundamento no disposto no art. 491° citado e serem os mesmos absolvidos da totalidade do pedido.

    10. Os factores (velocidade e peso dos veículos) que foram tidos em consideração na sentença da lª instância, no permitem extrair, em tese geral e de uma forma absoluta, as conclusões que nela são extraídas, ou seja, de que "quanto maior for a velocidade de um corpo maiores serão os danos por ele causados" e de que "o corpo mais pesado produz danos superiores aos de um corpo mais leve".

    11. No caso concreto, e quanto à velocidade, nem sequer vem dado como provada a velocidade efectiva e real de cada veículo não sendo, pois, possível estabelecer, com segurança, qual a diferença concreta de velocidade entre os dois veículos para, a partir dessa diferença (que, no caso, bem poderia ser de apenas 30 quilómetros/hora...), se poder argumentar no sentido daquela conclusão... N) E, quanto à cilindrada, apenas vem dada como provada a cilindrada do motociclo faltando a do ciclomotor...

    12. E, quanto ao peso de cada veículo, nada vem dado como provado em concreto...

    13. No sendo legítimo extrair a conclusão sobre o maior ou o menor peso de cada veículo a partir da cilindrada de cada qual e, muito menos, quando falta um termo para essa comparação (cilindrada do ciclomotor) - não havendo, assim, mesmo em tese geral qualquer relação entre "maior cilindrada, maior peso" podendo até ser o inverso, exactamente para que o veículo, sendo mais leve e com maior cilindrada, atinja "performance" melhores...

    14. Os referidos factores a que a sentença de 1ª instância se arrimou e a que também se atende no Acórdão em revista...

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