Acórdão nº 08A1097 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | SEBASTIÃO PÓVOAS |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: "AA - Equipamento de Escritório e Comunicação, Limitada", intentou acção, com processo ordinário, contra "BB - Prestação de Serviços Administrativos e de Secretariado, Unipessoal, Limitada" pedindo a sua condenação a pagar-lhe 18.025,00 euros, acrescidos de juros, à taxa de 12% desde a citação.
Alegou, nuclearmente, ter vendido à Ré material informático, sendo que esta era devedora, em 29 de Janeiro de 2003, da quantia de 58.751,37 euros; que, no arresto apenso, as partes chegaram a acordo quanto à devolução de uma fotocopiadora fixando a dívida em 18.025,00 euros, a pagar em duas prestações; que o não pagamento da primeira implicaria o vencimento imediato da segunda; que a Ré não pagou a quantia acordada.
A Ré contestou alegando, em síntese, o incumprimento do negócio inicial - que seria um contrato de empreitada - pela Autora; que lhe assiste o direito à resolução do mesmo; que já sofreu danos no valor de 5.718,46 euros quantia que, em conjunto com danos futuros ilíquidos, reclama em reconvenção.
No 1.º Juízo Cível da Comarca de Leiria a acção foi julgada procedente, sendo improcedente a reconvenção.
Apelou, a Ré, para a Relação de Coimbra, que confirmou o julgado.
Por inconformada, pede, agora, revista.
E assim conclui as suas alegações, no que releva: -Na matéria factual elencada pela decisão recorrida fica demonstrada a conduta inadimplente da recorrida.
-Continua a não entender como foi possível apresentar o aludido ‘acordo' no arresto como uma transacção que pôs fim definitivo ao litígio, quando tal matéria de facto dada como provada já constava da elaboração do saneador e da base instrutória e, não obstante tal, o processo seguiu o seu curso a efectuou-se audiência de julgamento.
-Afigurando-se assim que era relevante apurar a demais matéria de facto vertida na base instrutória e dá-la como provada ou como não provada.
-Pese embora o acórdão recorrido referir que ‘na sequência deste acordo (...) intentou a Autora a presente acção contra a Ré...', certo é que tal jamais poderia corresponder à realidade.
-Se semelhante ‘acordo' valesse enquanto tal, como é definido no Código Civil, então a ora recorrida teria, forçosamente - e nos termos da lei processual civil - que utilizar a acção executiva para obter o pagamento da quantia que entendia devida.
-Manifestamente não o fez, tendo optado pela via da acção declarativa de condenação.
-Acresce que, se tal acção declarativa tivesse sido intentada com base no ‘acordo', então nunca aquela podia ter sido instaurada requerendo-se a apensação do procedimento cautelar em causa ‘à acção ora proposta, nos termos do artº 383 nº 2 do CPC'.
-O conceito de transacção não acarreta - nem isso resulta da lei - que se possa considerar, no caso sub judice, que as partes declararam, reciprocamente, nada mais ter a exigir da outra, a que título fosse: uma vez tal nunca foi declarado, nem se pode considerar resultar do texto do ‘acordo', ou da interpretação do mesmo.
-Resulta ainda incontraditável do ‘acordo' em análise (e o Acórdão recorrido continua a não verificar tal evidência) que à então R. lhe assistiria, sempre, o direito de invocar as razões do não pagamento do montante de 18.025 €, ou mesmo de obter a condenação da então A. face aos prejuízos que o inadimplemento ou cumprimento defeituoso desta causaram àquela.
-E à mesma conclusão se chega quando se pretende interpretar de acordo com a posição de um declaratário normal nessas circunstâncias.
-Precisamente porque resulta que a quantia reduzida pela recorrida teve por base a restituição de um equipamento, o qual também resulta dos autos - e da matéria provada - que não era o mesmo que estava descrito na factura emitida pela recorrida.
-Pelo que, sempre quanto a este equipamento a ora recorrida conseguiria obter a anulação da referida venda.
-Jamais se aceite, pois, que um declaratário normal, colocado na posição da recorrida - a qual se demonstrou, saber que tinha facturado equipamento diverso do que entregara à recorrente, saber que tinha falhado em obrigações diversas perante a recorrente nomeadamente quanto a reparações e a assistência - entendesse que o ‘acordo' vertido no auto de arresto, no preciso dia em que o mesmo ia ser executado, equivalia à renúncia, pela ora recorrente, de todos os demais direitos que tinha - e tem - contra a ora recorrida.
-Resulta, assim, que este ‘acordo' não demonstra, de per si, tudo o que havia sido transaccionado entre as partes, dado que padece de uma falha grave: a omissão ao facto de ser diverso o equipamento restituído pela recorrente à recorrida daquele que esta facturara àquela.
-Resulta logo evidente que o dito ‘acordo' em sede de aresto jamais poderá considerar abranger todos os direitos e deveres das partes e renuncia ao que demais qualquer das partes pudesse exigir da outra.
-Tal ‘acordo' apenas se baseia no que consta das facturas e, ficou determinado que um dos equipamentos facturado não foi, realmente, vendido e entregue pela recorrida à recorrente (e sim outro, de outro modelo).
-Modelo este entregue à recorrente que - tal como provado - já tinha sido retirado do mercado há mais de um ano uma vez que dava problemas! -Existem, pois, nos autos diversos elementos que permitem extrair conclusões diversas da interpretação que um declaratário normal teria do teor de semelhante ‘acordo'.
-O ‘acordo' lavrado no auto de arresto não pôs termo definitivo ao litígio que existia entre as partes, nem equivaleu a renúncia pela ora recorrente dos seus demais direitos contra a ora recorrida.
-É, ainda, evidente que a recorrente nunca poderia acordar pôr termo ao litígio, de forma definitiva, quando tinha por resolver com o ......toda a questão do projecto, do fornecedor dos equipamentos, o qual devia concomitantemente instalá-los, colocá-los em funcionamento, dar assistência e formação quanto à sua utilização.
-Para a renúncia do credor aos seus direitos - o que é o caso da recorrente - sempre a lei determina a obrigatoriedade de tal ficar reduzido a escrito - cfr. arts. 809º, 731.º, n.º 1 do C.C..
-Do teor do "acordo" nada a recorrente declarou, nem nada as partes acordaram no que concerne às razões daquela contra a recorrida, aos seus direitos face ao incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte da recorrida das obrigações a que se tinha vinculado.
-Pelo supra exposto e pelas razões aludidas, violou o Acórdão recorrido o disposto nos arts. 1248.º e 809.º do C.C., com a interpretação que supra deveria ter sido feita quanto ao que foi declarado pelas partes de fls. 32 a 34 do apenso A ao presente pleito.
Não foram oferecidas contra-alegações.
As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: I - A Autora dedica-se ao comércio de material para equipamento de escritório, nomeadamente, material informático - hardware e software, fotocopiadoras, máquinas de calcular, consumíveis de informática e consumíveis de escritório - A dos Factos Assentes.
II - A Ré dedica-se ao comércio de prestação de serviços administrativos e de secretariado - B dos Factos Assentes.
III - No exercício da sua actividade comercial, a Autora forneceu à Ré vário material informático e outro equipamento de escritório - C dos Factos Assentes.
IV - Para garantia do pagamento do alegado débito da Ré à Autora em consequência do fornecimento de tal material, a Autora, em 29.01.2003, deu entrada neste Tribunal de um pedido de arresto de bens da Ré, processo agora apenso a estes autos - D dos Factos Assentes.
V - No dia da realização do arresto ordenado, e conforme consta do respectivo Auto, para além dos bens arrestados, as partes chegaram a acordo quanto à devolução de uma fotocopiadora, cujo valor foi creditado à Requerida, e foi fixada a dívida no montante de € 18.025,00 a ser paga em duas prestações de € 9.012,50 cada uma - E dos Factos Assentes VI - Para garantia do pagamento da quantia em dívida assim fixada, foram entregues à Autora na data do arresto dois cheques preenchidos e assinados pelo Sr. CC, datados de 28.02.2003 e 31.03.2003 e com o valor de € 9.012,50 cada, cheques estes que seriam substituídos por outros da Ré e de igual valor e para as mesmas datas - F dos Factos Assentes.
VII - Ficou também acordado que o não pagamento da primeira prestação implicava o vencimento imediato da segunda - G dos Factos Assentes.
VIII - A Ré não substituiu os cheques entregues pelo Sr. CC, tendo a Autora apresentado a pagamento o cheque datado de 28.02.2003 de que era portadora, o qual foi devolvido por falta de provisão, verificada em 5.03.2003, no serviço de compensação do Banco de Portugal - H dos Factos Assentes.
IX - Nas negociações havidas entre Autora e Ré com vista à celebração do negócio em apreço nos autos, o sócio da Autora chegou a sugerir à Ré fornecer-lhe - uma vez que se detectou que esta olvidara semelhante equipamento na sua proposta junto do ......... um programa anti-vírus, uma gaveta de dinheiro e uma impressora de talões - I dos Factos Assentes.
X - Na sequência, a Autora forneceu à Ré uma impressora de talões de caixa e uma gaveta de dinheiro - J dos Factos Assentes.
XI - Após a instalação de tal equipamento, deveria o mesmo permitir que, após o fecho de uma venda a dinheiro, a impressora imprimisse o talão e a gaveta de dinheiro abrisse automaticamente, mas tal não aconteceu, motivo pelo qual a Ré teve de solicitar a presença e assistência da Autora - K dos Factos Assentes.
XII - A Autora enviou então um técnico para configurar o equipamento, o qual não conseguiu solucionar o problema, tendo aquele informado que não havia compatibilidade entre os sistemas, sendo necessário substituir a drive, e depois a Autora informou a Ré que iria resolver o problema mas, até à data, aquele subsiste tendo a Ré que utilizar a chave cada vez que necessita de aceder à gaveta de dinheiro - L dos Factos Assentes.
XIII - A actual sócia da Ré apresentou a sua candidatura junto do ......em Junho de 2000, vindo o respectivo contrato de concessão de...
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Acórdão nº 172/09.9TBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2010
...diploma [3] Acórdão da Relação de Coimbra de 15.02.2005, processo nº 4013/04, www.dgsi.pt.; cf. ainda Acórdão do STJ, 29.04.2008, processo nº 08A1097, [4] Artigo 300º, nº3 do Código de Processo Civil. [5] José Alberto dos Reis, “Comentário”, III, pág. 525. [6] Artigos 219º e 220º do Código ......
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Acórdão nº 610/06.2TBOVR.C1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Maio de 2012
...controvertido, caso em que será novatória (cfr. citado art.º 1248.º, acórdãos do STJ de 14/9/2006 e de 29/4/2008, processos n.ºs 06B2468 e 08A1097, ambos no sítio da dgsi, e Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 207). Impõe-se, assim, averiguar pela verif......
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