Acórdão nº 08A867 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, Ldª.
, intentou, em 26.11.1999, nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra: E...-Empresa Portuguesa de Águas Livres.
Companhia de Seguros F..., S.A.
Alegou, em síntese, que exerce a sua actividade de atelier de confecção numa fracção autónoma, sita numa cave de um prédio em Lisboa, que identifica, e da qual é arrendatária.
Em virtude do mau estado de conservação e da assistência deficiente, as condutas de água que a Ré E... tem instaladas na Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, onde fica o estabelecimento da Autora, rompiam e rebentavam com inusitada frequência, libertando água que atingia aquele estabelecimento.
Tal sucedeu nos dias 22.12.1997, 11.3.1998, 12.4.1998, 31.5.1998, 22.6.1998, 06.7.1998 e 07.7.1998.
Em consequência do descrito a Autora sofreu estragos no estabelecimento, máquinas e mercadoria, assim como se frustraram negócios e suportou despesas, de cujo ressarcimento são responsáveis as Rés, tanto mais que a 1ª Ré exerce uma actividade perigosa, nos termos e para os efeitos do art. 492° [quereria dizer art. 493°] do Código Civil.
Concluiu pedindo que as Rés sejam condenadas: I. A proceder a todas as obras e trabalhos necessários a repor o atelier da Autora no estado em que se encontrava antes das diversas inundações; II. Ao pagamento à Autora de uma indemnização no montante de 19.032.436$00, pelos danos efectivos que a Autora sofreu com o pagamento de ordenados, reparação de máquinas, tecidos estragados e outros e com os produtos acabados e não entregues porque danificados; III. No pagamento à Autora de uma indemnização a título de lucros cessantes, no valor de 3.566.750$00, relativos às encomendas que não pôde satisfazer.
IV. Ao pagamento dos juros sobre as quantias peticionadas nos pontos II e III supra calculados desde o momento da propositura da presente acção até ao efectivo e integral pagamento das mesmas.
A 1ª Ré contestou, alegando, em síntese, que as rupturas referidas haviam sido prontamente reparadas e ocorreram por facto puramente casual, sendo certo que foram seguidas as regras sobre construção, tubagem e assentamento da conduta em questão.
Declarou desconhecer os prejuízos invocados pela Autora e que o caso se enquadra na previsão do art. 492° do Código Civil, à luz do qual a acção é improcedente, devendo a Ré ser absolvida dos pedidos contra si formulados.
A Ré F... alegou desconhecer os prejuízos invocados pela Autora e invocou ainda que, nos termos do contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré, a garantia não abrange danos resultantes da inobservância das disposições legais ou regulamentares que regulam a actividade do segurado.
Acresce que foi contratada uma franquia de 1.500.000$00 por sinistro.
Mais alegou que o contrato de seguro em causa vigora em regime de co-seguro, pois o risco foi assumido conjuntamente pela contestante e pela Companhia de Seguros T..., S.A., na proporção de 80% e 20%, respectivamente.
A 2ª Ré concluiu pela sua absolvição do pedido e requereu a intervenção principal da T..., como parte principal associada às Rés.
A Autora replicou, reiterando o peticionado.
Admitido o chamamento da T..., S.A., esta aceitou-o, fazendo seu o articulado da 2ª Ré.
Os autos prosseguiram a sua tramitação normal, tendo sido realizada audiência de julgamento com gravação dos depoimentos.
*** Em 13.10.2006 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu: "1.
Condenar a 1ª Ré a proceder às obras necessárias para substituir os mosaicos em borracha antiderrapante que revestiam o chão da secção de produção, a alcatifa inutilizada que revestia o chão, e os rodapés do atelier da Autora, e para pintar as paredes do mesmo atelier, até ao limite da franquia convencionada; 2. Condenar a 2ª Ré e a Chamada, respectivamente na proporção de 80% e 20%, a proceder à realização das obras, caso se mostre excedido o montante correspondente à franquia; 3.
Condenar a 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.259,40, correspondente a 252.486$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação; 4.
Condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré e Chamada, a 1ª Ré até ao limite da franquia, e as 2ª Ré e Chamada no excedente, na proporção respectivamente de 80% e de 20%, a pagarem à Autora o valor que se apurar em liquidação, até ao limite de € 62.849,00 (12.600.000$00) a abater a verba de € 1.995,21 (400.000$00), relativa ao valor dos tecidos danificados pela água; 5. Absolver as Rés do demais peticionado [...]".
*** Da sentença apelaram a Autora e as duas Rés, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 4.10.2007 - fls.804 a 832 - decidiu: "1º Julga-se improcedente a apelação deduzida pela 1ª Ré e consequentemente mantém-se a decisão na parte impugnada; 2º Julga-se improcedente a apelação deduzida pela Autora e, consequentemente, mantém-se a decisão na parte impugnada; 3° Julga-se a apelação interposta pela 2ª Ré (seguradora F...) parcialmente procedente e consequentemente altera-se a sentença quanto aos ponto 1, 2 e 4, que passarão a ter a seguinte redacção: "1.
Condenar a 1ª Ré a proceder às obras necessárias para substituir os mosaicos em borracha antiderrapante que revestiam o chão da secção de produção, a alcatifa inutilizada que revestia o chão, e os rodapés do atelier da Autora, e para pintar as paredes do mesmo atelier, até ao limite da quantia de € 44.891,81 (9.000.000$00); 2. Condenar a 2ª Ré e a Chamada, respectivamente na proporção de 80% e 20%, a proceder à realização das obras, caso se mostre excedido o montante de € 44.891,81 (9.000.000$00); 3. (...); 4. Condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré e Chamada, a 1ª Ré até ao limite de 44.891,81 (9.000.000$00) e as 2ª Ré e Chamada no excedente, na proporção respectivamente de 80% e de 20%, a pagarem à Autora o valor que se apurar em liquidação, até ao limite de € 62.849,00 (12.600.000$00) a abater a verba de € 1.995,21 (400.000$00), relativa ao valor dos tecidos danificados pela água"; 4º No mais, mantém-se a decisão recorrida.
[...]"*** Inconformada, a Ré "E..." recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª. A actividade de captação, transporte e abastecimento público de água, designadamente por condução subterrânea, nos termos que resultaram provados, não constitui "actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados" (art. 493°/2 Código Civil).
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Se dúvidas subsistissem, elas teriam que ser sanadas no sentido que vem sendo repetidamente propugnado pelo STJ, que exclui tal actividade do âmbito daquele conceito normativo indeterminado.
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Sem conceder, a Ré E... mostrou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, tendo ilidido a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos do citado normativo, não podendo assim ser responsabilizada pelo evento danoso, nem pelas suas consequências.
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À situação dos autos adequa-se a disciplina do art. 492° do Código Civil.
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Assim caberia à Autora a alegação e prova de que os danos se deveram a "vício de construção ou defeito de conservação", o que, atenta a matéria provada, não se verificou no caso em apreço.
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A sentença de que ora se recorre enferma de erro na determinação da norma aplicável porquanto em lugar de aplicar, adequadamente, ao caso dos autos a disciplina constante do art. 492° do Código Civil, aplica, erradamente, a disciplina do art. 493, °nº2, do Código Civil, normas que, por conseguinte, violou.
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Carece de fundamentação legal a decisão iníqua de alteração da sentença a que o acórdão procede quanto ao ponto 1, 2 e 4 da mesma.
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Tal decisão contida no acórdão re-transfere para a segurada, no caso a recorrente, a responsabilidade por danos causados por esta causados a terceiros, responsabilidade que a Ré F... assumiu livremente, assim subvertendo abusivamente, o espírito, a letra, o objecto, o âmbito e a finalidade do contrato de seguro celebrado, ao arrepio do disposto na cláusula 5ª das respectivas condições particulares e ao arrepio dos arts. 238°, 239°,405° e 406° do Código Civil, normas que, por conseguinte, o acórdão violou.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido na parte que julga improcedente a apelação interposta pela 1ª Ré, ora recorrente, absolvendo-a do pedido contra a mesma deduzido pela Autora e, bem assim, sem conceder, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido na parte que julga parcialmente procedente a apelação interposta pela 2ª Ré (seguradora F...), mantendo-se a decisão, nesta parte, tal como proferida na sentença.
A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.
*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1°) A Autora é arrendatária da fracção autónoma designada pela letra "A" correspondente à cave direita do prédio sito na rua Sousa Loureiro nº10, em Lisboa, por a ter tomado de arrendamento, por contrato escrito de 1 de Julho de 1992, aquela fracção autónoma destina-se contratualmente a atelier de confecção, onde a Autora exerce a sua actividade - assente por acordo - (al. A) dos Factos Assentes) 2°) A 1ª Ré "E..." tem a seu cargo o abastecimento de água na cidade de Lisboa - assente por acordo - (al. B) dos Factos Assentes).
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) Entre 22 de Dezembro de 1997 e 7 de Julho de 1998, verificou-se a ruptura das condutas da 1ª Ré, "E..." nas seguintes datas: - a 22 de Dezembro de 1997; - a 11 de Março de 1998; - a 12 de Abril de 1998; - a 22 de Junho de 1998; - a 6 de Julho de 1998 e - a 7 de Julho de 1998 - assente por acordo - (al. C) dos Factos Assentes).
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) A Ré "E..." teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 22 de Dezembro de 1997, junto ao nº... da Rua Sousa...
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