Acórdão nº 6440/09.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução15 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I –AA – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A.

instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB – INVESTIMENTOS E CONSTRUÇOES, S.A, pedindo: a) se declare infundada a resolução operada pela ré dos contratos-‑promessa de compra e venda que celebrou com a autora; b) se declare o incumprimento definitivo e culposo dos referidos contratos pela ré, em consequência daquela resolução sem justa causa; c) se condene a ré no pagamento à autora da quantia de € 1.280.120,00, que corresponde ao dobro das quantias entregues pela A, a título de sinal, no âmbito dos referidos contratos-promessa, acrescidas dos respectivos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal entre empresas comerciais e contados desde a citação até efectivo pagamento.

Como fundamento, a Autora invoca, em síntese: Celebrou com a ré, em 08.03.2006, 30.03.2006 e 18.01.2007, três contratos-‑promessa, mediante os quais prometeu comprar à ré, que lhe prometeu vender, livre de ónus ou encargos, três fracções autónomas, a constituir num conjunto de edifícios em construção, designados por «I...............», em Lisboa, devidamente identificados nos autos; Em 31.07.2009, a ré procedeu à resolução dos três contratos-promessa, com fundamento no incumprimento definitivo e culposo da autora; Ora, a autora não estava sequer constituída em mora, porquanto veio a ser confrontada com a pendência de acções judiciais, pedindo a declaração de nulidade do licenciamento do edifício, do qual faziam parte as fracções imobiliárias que prometera comprar, bem como da consequente nulidade de todos os negócios que viessem a ser celebrados, tendo por objecto tais fracções, o que constituía um verdadeiro «ónus»; Enquanto a situação jurídica não estivesse definitivamente esclarecida, isto é, enquanto a ré não removesse o referido «ónus», não era exigível da autora a celebração dos contratos definitivos.

A ré apresentou defesa, na contestação, por impugnação.

Em sede de audiência preliminar, foi proferido o despacho saneador, que julgou verificada a regularidade da instância e os demais pressupostos processuais, bem como se pronunciou pela inexistência de excepções ou questões prévias. Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, sem reclamações.

Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.

Proferiu-se a decisão sobre a matéria de facto controvertida, que não foi objecto de reclamações.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada na íntegra e, consequentemente e absolveu a ré.

Inconformada, a Autora veio deduzir recurso contra essa decisão, pedindo a sua revogação, tendo a Relação confirmado, no essencial, a decisão recorrida, embora o acórdão não tenha colhido a unanimidade da conferência, tendo sido formulado um voto de vencido.

De tal acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

Apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: 1º No acórdão recorrido não se procedeu a uma correcta subsunção dos factos provados nos normativos legais reguladores da situação jurídica sub judice, nomeadamente nos consubstanciados nos artigos 905º, 573º, 762º nº 2, 804º nº 2, 808º e 334º todos do Código Civil.

  1. A ré não cumpriu o dever de informação a que estava sujeita, nos termos previstos nos artigos 573º, 762º nº 2 e 905º do Código Civil.

  2. A autora cumpriu com as obrigações contratuais que assumiu para com a ré e não se constituiu em mora (art. 804º nº 2 do Código Civil) ao não comparecer nas datas designadas para a celebração das escrituras de compra e venda prometidas.

  3. Ao declarar resolvidos os contratos-promessa dos autos nas circunstâncias que se provaram, a ré não exerceu um direito legal e contratualmente reconhecido (artºs 398º, 405º, 410 nº 1, 432º, 801º nº 2 e 808º do Código Civil), mas, ainda que assim não se entenda, é manifesto que actuou com abuso de direito (art. 334º do Código Civil).

  4. Não era razoável, proporcionado e equitativo exigir à Autora que assumisse todos os riscos do negócio e, sobretudo, coarctar-lhe a possibilidade de se inteirar da situação.

  5. Não é exigível ao promitente comprador de fracção autónoma que celebre o contrato prometido quando estão pendentes duas acções que visam a declaração de nulidade da licença de construção do imóvel em que se integra a fracção por tal consubstanciar uma transferência de risco desproporcionada; a resolução do contrato nessas circunstâncias constitui abuso de direito na modalidade de desequilíbrio da prestação.

A Ré opôs-se à junção dos documentos e à citada audiência e apresentou contralegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

  1. De Facto Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. A Autora dedica-se à actividade de compra de imóveis para revenda.

    1. Autora e Ré celebraram um acordo denominado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, com o seguinte teor: «(…) PRIMEIRA OUTORGANTE: BB – Investimentos e Construções, S.A, com sede na ..............., n.º ....., freguesia de Campolide, 1070 – 183 Lisboa, NIPC 000000000, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 000000000, neste acto representada pelos Administradores CC e DD, com poderes para o acto, na qualidade de PROMITENTE VENDEDORA; SEGUNDO OUTORGANTE: AA – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA. SA., com sede na R................., n.º 00, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 00000, com o capital social de cinquenta mil euros, pessoa colectiva 000000000, representada por EE, que intervém na qualidade de Presidente do Conselho de Administração com poderes para o acto, adiante designada apenas por "PROMITENTE COMPRADOR"; CONSIDERANDO QUE: A PROMITENTE VENDEDORA é a única proprietária e legítima possuidora do terreno para construção, doravante designado de IMÓVEL, sito na ..............., n.º 00 e 00 A, em Lisboa, na freguesia da Lapa, descrito na 3.ª e 4.ª Conservatórias do Registo Predial de Lisboa sob os n.ºs 000 e 000 respectivamente e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo P1093; Encontra-se aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, por despacho de 22/11/2001 um projecto de construção urbana constante do processo camarário n.º 000000000000, tendo por objecto o IMÓVEL, tendo já sido, emitido por aquela o respectivo alvará de licença de construção n.º 000000000000 em 09 de Setembro de 2004; C) O referido projecto destina-se à edificação no IMÓVEL de um empreendimento imobiliário para habitação, comércio e estacionamento, a submeter ao regime de propriedade horizontal, juntando-se como ANEXO I a planta de implantação do edifício a construir; É celebrado e reciprocamente aceite o presente CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, que se regerá pelas cláusulas seguintes: CLÁUSULA PRIMEIRA Pelo presente contrato a PROMITENTE VENDEDORA promete vender ao PROMITENTE COMPRADOR e este promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fracção autónoma que vier a corresponder à habitação tipo T5+1 conforme planta que constitui ANEXO II ao presente contrato, que resultará de um projecto de alteração a submeter à aprovação da Câmara Municipal de Lisboa no qual se juntam as fracções 00 e 00B sitas no 6.º piso do edifício 4, da qual farão parte 5 lugares de estacionamento identificados com os números .., 00 e .. sitos na cave da cota .. e os números .. e .. sitos na cave da cota 36.60, e duas arrecadações identificadas com os números .. e .. sitos na cave da cota .. conforme planta que constitui o ANEXO III, com os acabamentos e equipamentos 10.ª, descritos no ANEXO IV e ficha técnica provisória que constitui o anexo V ao presente contrato.

    Logo após a celebração do presente contrato e sempre que a legislação em vigor o exija, a PROMITENTE VENDEDORA requererá à Câmara Municipal de Lisboa (CML) e ao Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) que os mesmos se pronunciem sobre eventual direito de preferência que porventura lhes assista e queiram exercer na prometida venda da fracção objecto do presente contrato.

    Caso qualquer uma das entidades referidas no número anterior venha, em qualquer momento, a manifestar a intenção de exercer o direito de preferência sobre a fracção em causa, o presente contrato considerar-se-á automaticamente revogado, sem que daí resulte qualquer direito de natureza indemnizatória para o PROMITENTE COMPRADOR, seja a que título for, tendo este o direito a receber, somente e em singelo, todas as quantias que até à data da notificação daquelas entidades haja liquidado à PROMITENTE VENDEDORA.

    CLÁUSULA SEGUNDA O preço da prometida compra e venda é de € 1.148.480,00 e será pago da seguinte forma: a) a quantia de € 71.780,00 na data da assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, da qual a PROMITENTE VENDEDORA dá aqui a correspondente quitação; b) a quantia de € 71.780,00, a título de reforço de sinal, até 31 de Agosto de 2006; c) a quantia € 71.780,00, a título de reforço de sinal, até 28 de Fevereiro de 2007; d) a quantia de € 71.780,00, a título de reforço de sinal, até 31 de Agosto de 2007; e) a quantia de € 71.780,00, a título de reforço de sinal, até 28 de Fevereiro de 2008; f) a quantia de € 71.780,00 a título de reforço de sinal, até 31 de Agosto de 2008; g) o remanescente do preço, no montante de € 717.800,00, com a celebração da escritura de compra e venda.

    Os pagamentos realizados por cheque produzem efeitos contratuais no primeiro dia de funcionamento das instituições bancárias, após recebimento, e são subordinados à cláusula "salvo boa cobrança".

    Todos os pagamentos serão realizados nos escritórios da PROMITENTE VENDEDORA, sitos na Av. .......... n.º 00-A, 1070-183 Lisboa ou em outro local por ela a indicar.

    CLÁUSULA TERCEIRA No caso de o PROMITENTE COMPRADOR não pagar qualquer das prestações do preço, nos montantes e...

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