Acórdão nº 07P4827 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução03 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo de Vimioso (proc. n.º 96/05.9GA VMS) decidiu absolver o arguido AA da autoria de um crime de ofensa à integridade física do art. 143.° (referente a BB) e de dois crimes de homicídio simples do art. 131.º (referente a CC e DD), e condená-lo por um crime de ofensa à integridade física do art. 143.°, n.° 1, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de cinco euros e como autor material de um crime de homicídio privilegiado do art. 133.°, todos do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão, a que se seguiu uma pena única de 3 anos de prisão e 100 dias de multa, com o indicado valor diário.

    Recorreu o Ministério Público para a Relação do Porto, impugnando a matéria de facto apurada e pedindo a substituição do acórdão recorrido por outro, que mediante o proposto reexame da matéria de facto, condenasse o arguido, por todos os crimes pelos quais fora acusado, em prisão efectiva.

    Para a hipótese de se manterem os factos já dados como provados na 1.ª Instância, o Ministério Público, a titulo subsidiário, pugnou pela aplicação de uma pena de 10 meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física do art. 143.° do C. Penal e por uma pena de 4 anos e 2 meses de prisão pelo crime de homicídio privilegiado, e, em cúmulo jurídico, numa pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

    Aquele Tribunal Superior julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e decidiu: Proceder à alteração da matéria de facto e condenar o arguido AA, pela prática, como autor material e em concurso real, de 1 crime de um crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.° (referente a CC) na pena de 9 meses de prisão, de 1 crime de participação em rixa do art. 151.° (referente a DD) na pena de 18 meses de prisão e 1 crime de homicídio privilegiado do art. 133.°, (referente a CC), todos do C. Penal, na pena de 4 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos de prisão.

    Recorreu o assistente EE para este Supremo Tribunal de Justiça, impugnando a alteração da matéria de facto (no referente à morte de DD), a medida da pena e a ausência de condenação do arguido em sede de pedido cível.

    Recorreu igualmente o arguido FF, que pede que, no provimento do recurso seja ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, ou se assim não se entender e sem prescindir, sejam qualificados adequadamente, os factos praticados pelo arguido, por referência aos crimes supra, e em consequência aplicadas as penas concretas parcelares correspondentes ou, caso não se entenda, sejam reduzidas as penas parcelares concretas aplicados e reformulado o respectivo cúmulo Suscitou as seguintes questões: (i) Impugnação da matéria de facto (conclusões 1 e 2); (ii) Nulidade do acórdão recorrido e alteração dos factos (conclusões 3 a 16): (iii) Verificação do crime de participação em rixa (conclusões 17 a 24); (iv) Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP (conclusão 25); (v) Medida da pena (conclusões 26 a 31); e (vi) Suspensão da execução da pena (conclusão 32).

    O Ministério Público junto da Relação do Porto respondeu à motivação de recurso do arguido, contraditando a argumentação deste e concluindo pela improcedência do recurso.

    Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que emitiu detalhado parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.

    Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP. Na resposta, o recorrente FF, insistiu na sua posição de que o recurso pode versar matéria de facto e de direito quanto ao crime de participação em rixa, de que se tratou de uma alteração substancial dos factos, violação do princípio do contraditório e do direito de defesa, que a entender-se diferentemente a Relação não podia reabrir a audiência para cumprir o art. 358.º, n.º 3 do CPP, não se verifica o tipo subjectivo de ilícito do crime de participação em rixa e que as penas estão desajustadas.

    Colhidos os vistos teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    Impugnação da matéria de facto e vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

    Recurso do arguido.

    Começa o arguido por impugnar a matéria de facto tal como resulta da decisão recorrida, da Relação.

    Com efeito, entende o recorrente ser admissível versar o seu recurso matéria de facto e de direito, no que concerne ao crime de participação em rixa em que foi condenado na pena de prisão de 18 meses porque a Relação do Porto, ao introduzir e/ decidir sobre este crime, actuou como tribunal de primeira instância, verificando-se in casu o disposto no art.432° n° 1 al. a) (conclusão 1). Ao não admitir-se o recurso sobre matéria de facto - diz - fica prejudicada a dupla valoração/ apreciação no que à matéria de facto respeita, situação que o nosso ordenamento jurídico não contempla, porque ofensiva dos princípios constitucionais das garantias de defesa e do contraditório consagrados no art. 32° n°s 1 e 5 da CRP. o que aqui se invoca (conclusão 2).

    Mas não lhe assiste razão.

    Na verdade, quando na al. a) do n.º 1 do art. 432.º do CPP se dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, fá-lo em contraposição com a al. b) que dispõe para as decisões proferidas, em recurso, pelas relações (que não sejam irrecorríveis, num apelo, designadamente ao disposto no art. 400.º do mesmo diploma). Ou seja, as decisões proferidas em 1.ª instância pelas relações não são seguramente decisões proferidas, em recurso pelas relações [a que se referem aquela al. b)].

    Ora, a decisão em causa foi proferida pela Relação do Porto, em recurso trazido do Tribunal Colectivo de Vimioso, pelo que não pode ser havida, como pretende o recorrente, como decisão proferida em 1.ª instância e é recorrível à luz exactamente da mencionada al. b) e do art. 400.º do CPP.

    Aliás, a al. a) do n.º 1 invocado dirige-se, em primeira linha, ao dispositivo que, no CPP, estabelece a competência das relações, também para decidirem em 1.ª instância, como é o caso do das decisões finais ou interlocutórias das relações proferidas nos termos das als. a), c) d) e e) do n.º 3 do art. 12.º do CPP (cf. no mesmo sentido Paulo P. Albuquerque, Comentário do CPP, pág. 1184, anotação 1).

    Ou seja, quando as secções criminais das relações, em matéria penal, julgam processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos [al. a)], julgam os processos judiciais de extradição [al. c)], julgam os processos de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira [al. d)], ou exercem as demais atribuições conferidas por lei [al. e)] Mas não, como é o caso, quando julgam recursos [art. 12.º n.º 3, al. b)].

    Esta distinção está também espelhada nos mesmos termos do art. 56.º, n.º 1 Da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ.

    A circunstância de a Relação ter alterado a matéria de facto, em nada altera, diferentemente do pretendido pelo recorrente, esta disciplina, pois que continua a ser uma decisão proferida em recurso e não em primeira instância e esse é que é o elemento diferenciador.

    Depois, como se viu, a al. a) do n.º 1 do art. 432.º não resolve, nem se destina a resolver a questão suscitada pelo recorrente e que se prende, não com a recorribilidade, mas sim com os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

    O que vale por dizer que a pergunta a colocar é antes a de saber se, sendo a decisão da relação recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, este Tribunal pode conhecer da questão de facto quando altera a decisão sobre a matéria de facto, tomada pela 1.ª Instância.

    Mas também aqui a resposta é negativa.

    No modelo traçado pelo CPP, quer na versão originária, quer no texto resultante da revisão de 1998, em recurso trazido da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, não conhece(ia) da questão de facto, que fica(va) definitivamente resolvida na 2.ª Instância, como constituiu jurisprudência abundante e pacífica.

    E a revisão de 1998 só veio acentuar este modelo, retirando ao Supremo Tribunal de Justiça os poderes de revista alargada (aos vícios do n.º 2 do art. 410.º) no caso do recurso directo das decisões finais do tribunal colectivo, o que a revisão da Lei n.º 48/2007 fez também em relação às decisões finais do tribunal do júri.

    Portanto, efectuado o exame e reexame da matéria de facto pelas duas instâncias, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente daquela matéria ter sido alterada, reapreciá-la novamente.

    E esta solução não viola os normativos constitucionais invocados.

    Na verdade, como tem sido o entendimento pacífico e constante do Tribunal Constitucional, o que a Lei Fundamental acolhe é o direito a um grau de recurso e não o duplo grau de recurso. Daí tendo havido um recurso para a Relação sobre a matéria de facto, foi respeitado o seu direito constitucional ao recurso, que não sofre lesão pela circunstância de, dessa decisão da relação, não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Por outro lado, o texto internacional, que vincula o Estado Português, que mais detalhadamente se refere ao direito ao recurso (e que é atendível nos termos do art. 16.º da Constituição) é o Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo art. 2.º prescreve que «qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei» (n.º 1) e que «este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição» (sublinhados agora).

    Ou seja, a circunstância de ter sido alterada a qualificação jurídica na 2.ª Instância não amplia, como pretende o recorrente, o recurso em sede de...

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