Acórdão nº 1588/06.8TCLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução02 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

No Tribunal Judicial da Comarca de Loures, AA e BB intentaram, em 2/2/96, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra CC e DD, e contra EE e FF, alegando serem donos e legítimos possuidores de um prédio rústico que identificam, por o terem adquirido por usucapião, conforme decisão judicial nesse sentido, transitada em julgado.

Mais alegam que os réus vêm ocupando indevidamente parcelas de terreno que fazem parte daquele imóvel, não gozando de qualquer título que legitime essa ocupação, pelo que, têm suportado prejuízos evidentes, porquanto se encontram impedidos de colher os proveitos da exploração agrícola ou da fruição ou disposição, por qualquer outra forma, daquelas parcelas de terreno.

Concluem, assim, que devem os réus ser condenados a reconhecer a propriedade dos autores relativamente às referidas parcelas de terreno e a entregá-las imediatamente, bem como, a indemnizá-los pelos prejuízos causados, a liquidar em execução de sentença.

Os réus contestaram, invocando a falsidade da certidão de teor da descrição predial e da caderneta predial rústica com um mapa cadastral, juntas com a petição inicial, por não corresponderem à realidade material dos factos.

Mais alegam que as parcelas de terreno que ocupam não fazem parte do imóvel pertencente aos autores e que as adquiriram por usucapião, tendo, em sede de reconvenção, pedido que seja declarada tal aquisição.

Concluem, deste modo, pela improcedência da acção e pela procedência das reconvenções.

Os autores responderam, reiterando o pedido inicial e concluindo pela improcedência das reconvenções.

Tendo, entretanto, falecido o autor AA e o réu EE, foram julgados habilitados a prosseguirem a acção em substituição deles, respectivamente, GG e HH, e II e GG.

Proferido despacho saneador, onde se seleccionou a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa, e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção integralmente procedente e improcedente a reconvenção, e, consequentemente, condenando os réus nos seguintes termos: a) os réus CC e DD a reconhecer que a propriedade das duas parcelas de terreno, descritas em 13. da Matéria de Facto Provada, pertence aos autores BB, GG e HH, seus legítimos proprietários; b) os réus CC e DD a entregar imediatamente aos autores, livres de pessoas e coisas, as duas parcelas de terreno a que se alude em a); c) os réus CC e DD a pagar aos autores o montante a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor que aí se apurar corresponder ao montante dos prejuízos decorrentes de, desde o ano de 1982, os autores se encontrarem impedidos de colher os proveitos da exploração agrícola ou de fruição ou disposição, por qualquer outra forma, das duas parcelas de terreno a que se alude em a), a que é feita referência em 90. dos Factos Provados; d) os réus FF, II e JJ a reconhecer que a propriedade da parcela de terreno, descrita em 22. da Matéria de Facto Provada, pertence aos autores BB, GG e HH, seus legítimos proprietários; e) os réus FF, II e JJ a entregar imediatamente aos autores, livres de pessoas e coisas, a parcela de terreno a que se alude em d); f) os réus FF, II e JJ a pagar aos autores o montante a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor que aí se apurar corresponder ao montante dos prejuízos decorrentes de, desde o ano de 1981, os autores se encontrarem impedidos de colher os proveitos da exploração agrícola ou de fruição ou disposição, por qualquer outra forma, da parcela de terreno a que se alude em d), a que é feita referência em 91. dos Factos Provados.

Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação daquela sentença.

A Relação de Lisboa deu-lhe procedência nos termos seguintes: “na total procedência do recurso, altera-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos atrás referidos, e revoga-se a sentença apelada, julgando-se a acção totalmente improcedente e procedentes as reconvenções, declarando-se que os réus CC e DD são proprietários das duas parcelas de terreno assinaladas na fotocópia da planta cadastral constante de fls.63 (doc. nº4 junto com a p.i.), situadas nas glebas denominadas «E.........», «C........» e «F....», com a área mínima de 730 m2, confrontando a poente com a gleba denominada «C.....» e a nascente com a gleba denominada «Horta ...........», e que os réus FF, II e GG são proprietários da parcela de terreno assinalada na fotocópia da planta cadastral de fls.64 (doc. nº5 junto com a p.i.), situada na gleba denominada «E.....», com a área de 1 200 m2, confrontando a poente com a gleba denominada «C.....».

Do respectivo acórdão, interpuseram os AA. o presente recurso de revista e no termo de sua alegação, enunciaram as seguintes conclusões.

  1. - Ao dar crédito à prova testemunhal em detrimento da prova resultante do documento notarial do testamento de KK com força probatória plena só elidível por reconhecimento de falsidade, o que não ocorreu nos presentes autos, o Acórdão recorrido alterou indevida e ilegalmente as respostas aos quesitos 2, 10, 42, e 103, que passaram a ter uma resposta positiva e os quesitos 1, 41, 18 e 22 que passaram a ter uma resposta negativa e violou os art°s 371° e 372°, n° 1, do Código Civil, devendo os ditos quesitos voltarem a ter a redacção anterior, dando-se como não escritas as novas redacções dadas pelo Acórdão recorrido; 2ª - Da referida correcção resulta, nomeadamente, que, contrariamente ao que foi decidido no douto Acórdão recorrido, as parcelas de terreno ocupadas pelos R.R. fazem parte da terra ou gleba da C....., propriedade dos A.A. e por eles reivindicadas na presente acção; 3ª- O Acórdão recorrido, ao julgar improcedente a acção proposta pelos A.A. aqui recorrentes, incorreu em erro de julgamento decorrente da violação do art° 371° e 372°, n° 1 do Código Civil.

  2. - Independentemente da questão anterior, acresce que a posse exercida pelos R.R sobre as parcelas de terreno reclamadas pelos A.A., ora recorrentes, não se manteve pelo prazo mínimo de 15 anos consecutivos para que pudessem determinar a aquisição das respectivas propriedades, por usucapião por se ter dado a interrupção do referido prazo de 15 anos, com a citação dos R.R. para a presente acção judicial, o que, aliás, está reconhecido no douto Acórdão recorrido.

    4º - Mas também não podem os R.R. beneficiar da acessão das posses dos alegados ante-possuidores para completarem o prazo de que necessitam para beneficiarem da usucapião, uma vez que estes exerceram a sua posse sobra as glebas "E........., C........." e "F..." enquanto os R.R. exerceram a sua sobre a gleba das C....., propriedade dos A.A., agora recorrentes, portanto, sobre gleba diferente, como resulta da primeira parte das presentes alegações.

  3. - Mas, mesmo que assim não fosse, o que só por hipótese se está a admitir, também nunca os R.R. poderiam nem podem beneficiar da acessão de posse dos ante-possuidores porquanto as posses dos R.R. não foram adquiridas de outrem através de título válido, já que "adquiriram" imóveis por documento particular e não por escritura pública contrariamente ao que impõem o art° 1256°, n° 1, conjugado com o art° 875° do Código Civil, com a cominação de nulidade por falta de forma do art° 220° do mesmo Código.

    6º - O douto Acórdão recorrido, ao decidir de forma diversa, considerar a acessão de posses e, portanto, declarar a produção de usucapião pelos RR., ora recorridos, considerando procedente o pedido reconvencional da acção, incorreu em erro de julgamento decorrente de erro na aplicação do direito, designadamente das normas citadas na conclusão anterior e contrariamente à jurisprudência e doutrina dominantes.

    Na sua exaustiva contra-alegação pugnam os RR pela manutenção do acórdão recorrido, suscitando à margem dele a questão da legitimidade dos Reconvindos para recorrerem da procedência da reconvenção bem como a do abuso de direito de acção que imputa aos AA por intentarem a acção no limite do tempo da interrupção da usucapião por efeito da citação.

    Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    A revista concentra-se nas questões relativas à alteração da matéria de facto e à acessão de posses com eventual repercussão sobre o prazo da usucapião.

    II.

    A – Preliminarmente, dir-se-á que não faz qualquer sentido a pretensão dos RR. Recorridos de, ora, em sede de revista, virem colocar em questão a legitimidade dos Recorrentes para impugnarem a procedência da reconvenção: a sua legitimidade substantiva e processual nunca foi objecto de tergiversação no decurso da acção e sendo eles parte principal na acção e na reconvenção, não há dúvida que ficaram vencidos na apelação (artº680º,1 do CPC) que interpuseram para o Tribunal da Relação. O gravame (Manuel de Andrade, Noções Elementares…,198) daí resultante, justifica o seu interesse em agir e confere o devido suporte à impugnação que levam a cabo com a interposição da revista. Tanto basta para que sua legitimidade para recorrer se mostre verificada.

    B – Factos que as instâncias deram como provados: 1.

    . O prédio rústico, com a área de 7.800 m2, composto de terra de semeadura e horta, sito no C......., freguesia de Caneças, confrontando a Norte com LL, e a Sul, Nascente e Poente com AA, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, sob o n.º 0000000000 da freguesia de Caneças, a favor de AA e mulher BB, por usucapião, sendo parte do inscrito na matriz predial rústica sob o n.° .. da Secção B, da Repartição de Finanças do Concelho de Odivelas.

    1. O prédio rústico, referido em 1, resultou da desanexação das glebas "C....a" e "Horta de .........", do prédio n°... da Conservatória de Registo Predial de Odivelas, o qual era parte inicialmente do artigo matricial 6-B.

    2. O prédio rústico, com a área de 19.800 m2, composto das glebas denominadas "C....", "Horta de ........" e "Detrás ......", sito no...

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