Acórdão nº 3075/05.2TBPBL.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução24 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, propôs a presente acção com processo ordinário contra a Companhia de Seguros BB, S.A.

e a Câmara Municipal de …, pedindo que a 1ª R., como seguradora estradal, seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 1.159.468,90, composta por € 859.468,90 de danos patrimoniais e € 300.000,00 de danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo pagamento. Subsidiariamente, para o caso de se vir a concluir que a 1ª R. não responde por via do seguro de acidentes de viação outorgado, pede a condenação da 2ª R. nos mesmos termos, por o veículo ser utilizado por sua conta e interesse.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 13 de Janeiro de 2003, sendo funcionário da 2ª R. e quando esta o fazia transportar na carroçaria de uma carrinha com destino a um estaleiro de brita (que é pertença da mesma R.), ao proceder à descarga de uns bidões junto ao taipal traseiro, após o respectivo condutor haver imobilizado tal veículo, foi surpreendido com o súbito e descuidado arranque deste, o que lhe provocou a queda desamparada no solo. Não obstante o imediato transporte para o Hospital, desta queda advieram-lhe, como consequência adequada, gravíssimas lesões na coluna vertebral, as quais, além de lhe terem ocasionado uma IPP de 100%, o tornaram totalmente dependente de terceiros, uma vez que ficou impossibilitado de andar – tem de deslocar-se em cadeira de rodas – e sem ajuda de outrem não consegue comer, beber, vestir-se calçar-se, barbear-se, padecendo ainda de incontinência urinária e fecal, que o força ao uso de fraldas. A 1ª R. deverá satisfazer a indemnização dos danos sofridos pelo A. visto ter oportunamente assumido por via de contrato de seguro titulado válido e eficaz, celebrado com a 2ª R., proprietária do veículo, a sua responsabilidade pelos danos provenientes de acidentes de viação a este respeitantes. Porém, se assim se não entender, deve a 2ª R. responder, visto ser, à data do acidente, a proprietária do veículo e detentora da sua direcção efectiva.

Contestaram ambas as RR., invocando a 2ª R. a responsabilidade exclusiva da 1ª, por virtude do contrato de seguro de acidentes de trabalho e da indemnização já paga, e, bem assim, a culpa do lesado, devido às particulares condições em que se fazia transportar no momento do sinistro, e à imprevidência que por ele foi cometida, ao proceder à descarga dos bidons sem respeitar as instruções do condutor da carrinha.

Termina, por isso, com a improcedência da acção.

Por seu turno, a 1ª R. BB aduziu, por excepção, que o acidente não foi de viação mas meramente de trabalho, pelo que está fora do âmbito da garantia contratual invocada pelo A.. Além disso, o A. seguia no veículo por forma não permitida na lei, e que o acidente se deu em moldes diversos dos que por ele vêm descritos, pelo que os danos sofridos não gozam da cobertura contratual pretendida. De todo o modo, a contestante já suporta o pagamento de pensões e outros valores fixados ao abrigo de um seguro de acidentes de trabalho que tinha com a 2ª R., não sendo cumuláveis as duas indemnizações. O capital seguro é de apenas € 625.000,00, pelo que a hipotética condenação da R. contestante está limitada a esse valor. Impugna parte da matéria da petição atinente à versão do acidente e às condições de transporte do A., e também dos danos que este relata.

Termina pedindo a improcedência total da acção.

Replicou o A., mantendo as suas posições iniciais e concluindo como na petição.

A final foi a acção julgada totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se as RR. do pedido.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, recurso que viria a ser julgado improcedente.

Interposto pelo A. recurso de revista para este STJ, veio a mesma a ser concedida, determinando-se aí reenviar o processo ao tribunal recorrido para que fosse calculada a indemnização devida.

No acórdão deste STJ considerou-se não se poder considerar que o acidente tenha resultado de culpa do A., mas sim por culpa efectiva do condutor, procedendo o pedido da condenação da R. BB SA até ao limite de € 625.000 e respondendo o Município de … pelo eventual excesso.

Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferido (novo) acórdão com a seguinte decisão: “Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, julgam a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em função disso, condenam a Ré Companhia de Seguros BB SA a pagar ao A., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 224.567,50, e, bem assim, as quantias que se apurarem em incidente liquidação relativamente às despesas que não foram concretamente apuradas e que para o A. resultam dos factos provados em 27, 28 e 30; condenam igualmente o Réu Município de …, em solidariedade, mas apenas no pagamento do montante que, após a liquidação, venha a exceder o capital seguro - de € 625.000,00; impõem, que, em qualquer caso, a indemnização a satisfazer tem como limite global final € 1.159.468,90; condenam ainda os Réus a pagar, em relação às quantias que assim lhes são imputadas, os inerentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a citação quanto à verba de € 39.567,50, desde esta decisão sobre € 185.000,00, e desde a decisão que profira a liquidação das restantes parcelas no que aos respectivos valores concerne”.

1-2- Irresignados com este acórdão, dele recorreram a R. Seguradora e o A. para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.

A recorrente Seguradora alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- As indemnizações por acidente de viação e de trabalho não se somam, antes se completam por forma a que o dano seja integralmente ressarcido.

2ª- No caso vertente vem provado que o A., ora Recorrido, tem necessidade de remodelar a casa, tendo já efectuado algumas obras concretas não determinadas, o que imporá, entre o que se realizou e o a realizar, o dispêndio de € 39.567,50.

3ª- Mas vem igualmente provado, como resulta da alínea T) dos Factos Assentes que, no âmbito do foro laboral, foi decidido atribuir ao Autor um subsídio para readaptação da habitação até ao valor de € 4.279,206.

4ª- Assim, a Recorrente, nos presentes autos, apenas deverá ser condenada a satisfazer o montante correspondente à diferença entre aquelas duas quantias, ou seja, € 35.288,30.

5ª- Não o entendendo assim, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483º e 562º do Código Civil.

6ª- A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em equidade, tendo em consideração os critérios expressamente referidos na lei e as circunstâncias que emergem da factualidade provada tudo com o objectivo de, após adequada ponderação, se poder concluir a respeito do valor pecuniário considerado justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.

7ª- O "dano morte" vem sendo considerado como o prejuízo supremo, a lesão de um bem que sobreleva todos os outros bens imateriais ou não patrimoniais, dano esse que vem sendo fixado em valores que se situam entre os € 50.000,00 e os € 70.000,00.

8ª- Sem prejuízo do referido na conclusão anterior igualmente vem sendo entendido que em "situação limite" de numerosas lesões físicas, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundas sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação, por danos não patrimoniais não tem necessariamente como limite as quantias geralmente arbitradas a titulo de compensação da lesão do direito à vida.

9ª- No caso dos autos vêm demonstrados graves lesões e pesadas sequelas onde avultam as de que o Recorrido ficou incapacitado de andar, movendo-se em cadeira de rodas, necessitando da ajuda de terceira pessoa para os actos normais do dia-a-dia, tem incontinência urinária e fecal sofrendo frequentes infecções urinárias o que o obriga ao uso permanente de fraldas, encontra-se portador de uma incapacidade para o trabalho e para os restantes actos normais da vida, que se manterá para sempre em 100% e tem consciência da total dependência da sua vida em relação aos que o rodeiam (cfr. alíneas M), N) e O) dos Factos Assentes e resposta ao artigo 36° da B.I.).

10ª- Face a tais lesões, de óbvia gravidade e das sequelas que delas resultaram, tem de se concluir que embora não tenha havido uma total falência de qualidade de vida ela é hoje muito reduzida.

11ª- Consequentemente, a indemnização a arbitrar ao A. como compensação pelo dano não patrimonial deve situar-se em parâmetros idênticos aos da perda do direito à vida e ser, assim, fixada em € 70.000,00.

12ª- Sendo certo que a compensação pelo dano não patrimonial abrange o dano biológico quando, como é o caso, ele reveste esta vertente pelo que não há que adicionar qualquer montante a este título.

13ª- Ao valorar em € 115.000,00 o dano não patrimonial do A, o douto Acórdão recorrido pecou por excesso, violando assim, os critérios de equidade que presidem à determinação do computo indemnizatório e, consequentemente, as normas dos artigos 483°, 496 nºs 1 e 3, 562° e 566° do Código Civil.

Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, alterar-se o douto Acórdão recorrido na parte que se deixa referida, ou seja, reduzindo a € 35.288,30 a quantia a satisfazer ao Recorrido para realização das obras de remodelação da sua casa e a € 70.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, mantendo-se, no mais o decidido.

O recorrente AA também alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões...

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