Acórdão nº 08A272 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, por si e em representação de BB e mulher, CC, intentaram em 17.9.2002, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 4ª Vara - acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: DD, S.A.

Pedindo que seja proferida sentença que substitua a declaração negocial da Ré operando a transmissão para o Autor, AA, da propriedade da moradia nº216/28, a que corresponde o artigo 423 da matriz predial urbana, do conjunto turístico designado "Á....... P...", sito na ............., Machico, Ilha da Madeira, atento o teor do contrato promessa de 26.11.1993; ou, se assim não se entender, a favor de BB e, subsidiariamente, caso não proceda o pedido anterior, reconhecer-se que AA adquiriu a propriedade do prédio pelo exercício da posse, por si e pelo seu antecessor e transmitente BB, desde 1971 até 2002.

Alegaram para tanto, e em síntese, que por contrato-promessa assinado em Lisboa, em 17 de Maio de 1969, a Ré prometeu vender a BB e este prometeu comprar-lhe uma moradia a implantar no lote 177 de um conjunto turístico designado "Água de Pena" sito na Queimada, ........., Ilha da Madeira.

O preço ajustado foi de 532.000$00 (€2.653,60) e foi pago com a assinatura do contrato-promessa, que constitui documento de quitação.

A moradia, com a área coberta de 82,79875m2 veio a ser construída, ficando concluída em Julho de 1971, sendo-lhe atribuído o art. 423 da matriz predial urbana da freguesia de A.....P, concelho de Machico.

Só em 1987 foi definitivamente aprovado o loteamento que a Ré dizia ter à data do contrato promessa, tendo o prédio sido descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz pela ficha 00039/100987 e nessa data foi também inscrita a autorização de loteamento, passando a ser descrita como moradia n2 16/28, mas mantendo o artigo matricial n2 423.

Foi liquidada e paga a sisa pela transmissão a favor de BB, por termo de declaração de 08 de Julho de 1974.

BB passou a exercer os direitos de possuidor, nomeadamente pagando a contribuição autárquica e recebendo a remuneração devida nos termos do "contrato para arrendamento e administração de habitação e loteamento de Á... P........" a que se refere a cláusula 12 § único do contrato promessa.

Por esse contrato, BB "autoriza a sociedade (a Ré) a arrendar o andar ou moradia, por ele adquirido no loteamento de A.....P, no sítio da ......., Machico, Ilha da Madeira, pelo contrato promessa identificado na cláusula 1 do presente contrato.

Entre 1971, data da conclusão do prédio, de acordo com a inscrição matricial, e 1993, BB exerceu os direitos de posse sobre o referido prédio, pagando a sisa, as contribuições devidas e recebendo em dinheiro ou notas de crédito, a remuneração prevista no "contrato para arrendamento...", correspondente a 10% do preço de aquisição.

A Ré, por sua vez, procedia ao arrendamento do prédio a terceiros, nomeadamente para fins turísticos, nos termos do sobredito contrato, cujo § único da cláusula 8 expressamente reconhece a qualidade de "proprietário" ou possuidor ao Autor! BB.

Por contrato-promessa assinado em 26-11-1993, BB e mulher prometeram vender ao Autor, AA, o referido prédio, que este prometeu comprar, pelo preço de 6.500.000$00 (32.421,86€), cabendo a este regularizar a situação junto da DD e diligenciar pela obtenção das chaves do prédio e entrar na posse e fruição deste, bem como promover a outorga da escritura notarial.

Em 26 de Novembro de 1993, BB e mulher outorgaram a favor do Autor, AA, procuração irrevogável conferindo-lhe poderes para outorgar a escritura de compra e venda relativa ao prédio, podendo substabelecer tais poderes em advogado.

A posse de BB e mulher foi continuada entre 1971 e 1993 e foi por estes transmitida ao Autor, AA pelo referido contrato-promessa.

Em todo este período a Ré limitou-se a administrar o prédio em nome e representação daqueles, ao abrigo do contrato celebrado em 1969.

Em 12 de Dezembro de 1993, munido do contrato-promessa e procuração outorgados por BB e mulher, o Autor, AA, dirigiu-se à recepção do Complexo da DD e solicitou a entrega das chaves.

A entrega das chaves foi efectuada de imediato, após confirmação do titular inscrito e exibição da procuração.

O Autor procedeu à reparação das portas interiores, à reparação dos tacos, que estavam levantados ou danificados; à reparação e pintura das paredes interiores; à reparação da rede de esgotos; à reparação do pavimento exterior de pedra e passou a utilizar a moradia, o que aconteceu até 2002.

BB, após o contrato-promessa que celebrou com o Autor, este, em seu nome e em representação daquele, sempre pretenderam e solicitaram por diversas vezes a marcação da escritura, mas a Ré nunca se dispôs a outorgar na escritura de compra e venda da referida moradia.

O Autor mantém interesse na transmissão da propriedade da moradia objecto dos contratos-promessa.

A Ré foi citada, invocou a prescrição do direito do Autor de pedir o cumprimento do contrato-promessa, por terem decorrido mais de 20 anos sobre a data em que era possível dar cumprimento à promessa de compra e venda, tendo ainda impugnado a matéria alegada pelos Autores.

O Autor respondeu.

Foi proferido despacho saneador que relegou para a decisão final a apreciação da excepção da prescrição invocada pela Ré; julgou extinta a instância quanto a BB e CC, por falta de poderes de AA para os representar na acção e julgou improcedente a excepção de caso julgado suscitada pela Ré.

Foi fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal.

Foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e, consequentemente, declarou a transmissão a favor do Autor, AA, do direito de propriedade da Ré, "DD - Sociedade de Empreendimentos Turísticos da Madeira, S.A.", sobre a moradia sita no concelho de Machico, A.....P, com terraço a nascente, designada por moradia 16/28, com um piso, implantada num lote de terreno com 86,35 m2, que confronta a norte com os lotes nº....e .../25, sul com o lote .../29 e oeste com o lote nº 16 e inscrito na respectiva matriz sob o nº......

Inconformada com tal sentença, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 13.9.2007 - fls. 375 a 384 - revogou a sentença recorrida e, apreciando o pedido subsidiário, julgou-o improcedente.

Inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal e Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões.

A) Nos termos do contrato-promessa celebrado entre o BB e a R., ora recorrida, era a esta que competia notificar aquele para assinar a escritura, logo que concluída a construção, o que esta não fez; B) Posteriormente deixou de ser possível a celebração da escritura pública de compra e venda sem o registo do loteamento, a cargo da R. e que ela só veio a efectuar em 1987; C) Após a celebração do contrato-promessa entre o BB e o Autor e a outorga de procuração irrevogável a favor deste, ele, A. solicitou as chaves da moradia, querendo entrar na respectiva posse material e regularizar, mediante escritura, a situação jurídica da mesma; D) Este comportamento não pode deixar de ser equiparado a interpelação da R. para assinar a escritura de compra e venda; E) A Ré, ao invés, após entrega das chaves ao Autor, interpôs acção de reivindicação e subsequente execução para entrega da moradia; F) Tais factos não podem deixar de integrar o conceito de incumprimento definitivo do contrato-promessa pela Ré e, G) Consequentemente, reconhecer-se que o Autor tem direito à execução específica e à prolação de decisão judicial que substitua a escritura, nos termos designadamente do n°1 do art. 830º do Código Civil, disposição que o acórdão recorrido expressamente ofende e, H) Deverá interpretar-se a vondade do Autor e do BB, na outorga do contrato- promessa entre si e da procuração irrevogável, como integrando uma venda, a da moradia, que só não foi formalizada por escritura pública por impossibilidade legal, I) mas tendo como efeito a transmissão de todos os direitos e obrigações referentes à moradia, incluindo a sucessão na posse, J) posse que o Autor exerceu material e volitivamente entre 1993 e 2002, o que, k) adicionado à posse do BB (entre 1971 e 1993) corresponde a mais de 30 anos de posse contínua e pública.

L) Termos em que deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, por Acórdão que, reconhecendo o incumprimento da Ré, ora recorrida, do primitivo contrato-promessa, produza os efeitos da escritura pública, transmitindo a propriedade da moradia para o Autor ou, a não ser assim julgado, M) reconheça que a posse do BB se transmitiu ao Autor, por efeito do contrato-promessa e procuração irrevogável e que, por isso, a posse deste perdurou por mais de 20 anos, tendo direito a adquirir a propriedade da moradia, por aquisição originária, por usucapião.

A Ré contra-alegou e, nas suas alegações - fls. 426 - requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 684º-A, nºl, do Código de Processo Civil, pretendendo a apreciação da alegada existência de excepção de caso julgado, fundamento em que ficou vencida.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos.

1) - Por contrato-promessa assinado em Lisboa em 17 de Maio de 1969 a ré prometeu vender a BB e este prometeu comprar uma moradia a implantar no lote .....de um conjunto turístico designado "Á.........P....." sito na Queimada, Machico, Ilha da Madeira.

2) - O preço ajustado foi de 532.000$00 (€ 2.653,60) e foi pago com a assinatura do contrato-promessa.

3) - A moradia com a área coberta de 82,79875 m2 foi construída, tendo sido concluída em Julho de 1971, sendo-lhe atribuído o art. 423 da matriz predial urbana da freguesia de A.....P, concelho do Machico.

4) - Após o loteamento o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz pela ficha nº............./.............

5) - E a moradia passou a ser descrita como moradia nº..../.. mas mantendo o artigo matricial nº.......

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