Acórdão nº 08A183 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, com distribuição à 5ª Vara, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BBe sua mulher CC.

Pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 80.892.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 10%, contados desde a citação e até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que: - entregou filamentos extraídos do tecido da sua próstata no laboratório do médico anatomopatologista, ora réu, para que procedesse à sua biópsia, o que este fez, tendo-lhe entregue o respectivo resultado, em que é diagnosticado um "adenocarcinoma de grau médio de diferenciação (G 2 na classificação UICC e 2+3 na classificação de Gleason)"; - em face de tal diagnóstico, veio a ser submetido a intervenção cirúrgica - prostatectomia radical - por via da qual lhe foi extraída a próstata na sequência do que ficou impotente e incontinente; - a análise feita às peças extraídas do seu corpo revelou a inexistência de qualquer sinal de cancro; - analisada a lâmina da biópsia - com cinco filamentos - que o réu oportunamente forneceu ao autor, a pedido deste, confirmada foi a inexistência de cancro; - o réu cometeu um grosseiro erro médico que veio a causar uma ofensa muito séria no corpo e na saúde do autor, devendo indemnizá-lo pelos danos causados, indemnização que colhe abrigo, quer no instituto da responsabilidade civil - arts. 483° e segs. do Código Civil -, quer no âmbito da responsabilidade contratual, já que entre as partes foi firmado um contrato de prestação de serviços - art. 798° do mesmo diploma -, sendo caso de concurso de responsabilidades; - teve gastos no valor de 892.000$00, sendo desse montante os danos patrimoniais sofridos e as enormes dores físicas e psicológicas por si sofridas reclamam uma indemnização por danos de natureza não patrimonial no valor de 80.000.000$00; - a ré é também responsável, já que o réu, seu marido, além de professor da Faculdade de Medicina, exerce a profissão de médico anátomo-patologista, sendo com os honorários auferidos no exercício desta profissão que ocorre às despesas do seu agregado familiar, nomeadamente de sua mulher; Houve contestação onde o réu impugnou factos e afirmou que mantinha "o seu diagnóstico acerca do carcinoma que detectou no material biopsado do Autor." (sic).

Seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória, realizaram-se vários exames periciais, tendo depois tido lugar a audiência de discussão e julgamento, no final da qual se proferiu despacho respondendo à matéria de facto controvertida.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os Réus a pagarem ao Autor a quantia de (20.000.000$00) € 99.759,58, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

Apelaram o Autor e os Réus para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por douto Acórdão de 11.9.2007 - fls. 1160 a 1175 - decidiu: " Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação dos réus e parcialmente procedente a do autor e, consequentemente, alterando-se a sentença, condenam-se os réus a pagar ao autor a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 299.278,74 (60.000.000$00), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo pagamento.

No mais mantém-se a sentença recorrida...".

Inconformados, recorreram os RR. para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

  1. Provado que o autor entregou ao réu marido, na qualidade de médico anatomopatologista, filamentos de tecido prostático recolhidos em prévia biópsia para que este os analisasse histologicamente, mediante o pagamento de honorários, com o objectivo de diagnosticar a existência ou não, nos mesmos, de células cancerosas, é de concluir que foi celebrado entre ambos um contrato de prestação de serviços, nos termos do art. 1154°, do Código Civil, cujo incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte do prestador de serviços das obrigações assumidas gerará, verificados os restantes pressupostos, responsabilidade contratual, pelo que decidindo de outro modo, a sentença recorrida violou o disposto nos art. 798° do Código Civil.

  2. A indemnização de € 299.278,74 (60.000.000$00) a título de danos não patrimoniais, reportada a 14 de Outubro de 1998, é excessiva, porque não equitativa, apesar de o lesado ter sido sujeito a operação que não realizaria sem um diagnóstico deficiente feito pelo réu marido, que teve lugar em 31 de Março de 1998, ter estado 6 dias internado, 17 com algália, passando depois a usar fraldas, situação que à data da petição (o mais tardar no início de Outubro de 1998) já apresentava melhoras, ter ficado com disfunção eréctil, com impotência absoluta, cicatriz entre o umbigo e a púbis, dores durante cerca de seis meses, angústia, depressão durante cerca de seis meses e impedido até ao início de Outubro de 1998 de manter a vida social.

  3. Pois é necessário considerar ainda que em 1998 as indemnizações arbitradas em situações idênticas ou até mais graves eram então significativamente inferiores a tais montantes, que o réu marido responde apenas por culpa presumida por não se ter provado qual a ofensa concretamente causada ao padrão de conduta profissional de um médico satisfatoriamente competente, prudente e informado", que a responsabilidade por acto médico é essencialmente uma responsabilidade pela violação de deveres de meios, que a ré mulher responde por efeito da mera regra excepcional da comunicabilidade da responsabilidade, não sendo ela própria lesante, que o réu marido é pessoa que vive do produto do seu trabalho e que a ré mulher é doméstica e que o autor, lesado, tinha à data dos factos a idade de 58 anos, estando a três meses de perfazer os 59 anos.

  4. Fixando a indemnização, por referência a 1998, em montante superior a € 35.000,00, a sentença recorrida violou o disposto no art. 496°/3, 1ª parte, do Código Civil.

  5. E tal obrigação de indemnização não vence juros desde a data da citação, mas apenas desde a data da decisão que fixe a indemnização, pois trata-se de crédito ilíquido, porque quantitativamente indeterminado até à decisão que puser termo à causa e consubstancia um caso de responsabilidade obrigacional ou contratual, pelo que decidindo de outro modo, a sentença recorrida violou o disposto no art. 805°, do Código Civil, particularmente o respectivo n°3.

    Nestes termos, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene os réus a pagarem ao autor a quantia de € 35.000,00, acrescida de juros vincendos, desde a data da decisão e até integral cumprimento.

    O Autor contra-alegou, batendo-se pela confirmação da sentença.

    Colhidos os vistos legais, tendo em conta que as Instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1. O Autor nasceu em 18 de Junho de 1939. -a) 2. Casou em 4 de Setembro de 1965.

    -b) 3. O Autor sempre gozou de excelente saúde.

    -c) 4. A análise do PSA pode detectar precocemente o cancro na próstata.

    -d) 5. Um PSA de 9.10 é considerado um valor alto e significativo. -e) 6. Entre os 50 e os 59 anos, o normal do PSA situa-se entre os 0.5 e 2.9. -1) 7. A intervenção cirúrgica de prostatectomia radical é uma operação para remover a próstata com vista à cura do cancro localizado nesse órgão.

    -g) 8. O cancro da próstata é o mais frequente dos tumores malignos, no homem adulto. -h) 9. A biópsia permite colher, com uma agulha conduzida ecograficamente, pequenos cilindros de tecido prostático posteriormente analisados histologicamente por forma a determinar as características das células do eventual tumor, podendo estabelecer-se um prognóstico em conformidade com a maior ou menor diferenciação celular, sendo este o único método que garante a certeza do diagnóstico, isto é, que garante se se trata de cancro. -i) 10. Como princípio geral, os filamentos do tecido da próstata devem ser identificados de acordo com os locais de onde foram retirados para que, em caso de se detectar um tumor canceroso, seja possível determinar a sua localização. -j) 11. A seguir, cada conjunto de filamentos é colocado em parafina líquida, a qual, depois de solidificada, fica constituindo um bloco no qual está integrado o filamento.

    -k) 12. Este bloco é, em seguida, cortado em fatias de microns de espessura sendo essas fatias colocadas em lâminas para observação ao microscópio.

    -1) 13. Um bloco pode ser seccionado de forma semelhante a uma peça de fiambre a que se retiram fatias -m) 14. É possível, segundo a técnica descrita, retirarem-se várias lâminas para observação ao microscópio.

    -n) 15. Em termos gerais, que podem variar em cada caso concreto, na boa técnica, além dos cilindros de tecido prostático recolhidos serem identificados, deverá, no caso de diagnóstico positivo, indicar-se quais os cilindros atingidos e qual a percentagem de tecido afectado.

    -o) 16. Quando é encontrado cancro, a intervenção cirúrgica, apesar das graves consequências que normalmente desencadeia, é, de acordo com os conhecimentos actuais, a única solução recomendável se o cancro estiver confinado à próstata.

    -p) 17. Se houver células cancerosas fora da próstata, a solução recomendada não é cirúrgica.

    -q) 18. Esta operação chama-se prostatectomia radical e é feita por incisão entre o umbigo e a púbis. -r) 19. Em princípio, os gânglios são então vistos em análise extemporânea, ou seja, são analisados, durante a operação, por um médico anátomo-patologista que se encontra na sala de operações ou junto a esta. -s) 20. Quase sempre esta intervenção, de acordo com os conhecimentos existentes à data da operação, dá origem a impotência e algumas vezes a incontinência urinária; no entanto, e em virtude das muito rápidas evoluções que a medicina está a registar, essas situações podem, a curto prazo, ser alteradas. -t) 21. Ao invés, quando no exame histológico extemporâneo dos gânglios se verifica haver já metástases, a cirurgia deve ser interrompida.

    -u) 22...

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