Acórdão nº 692/05.4TBGDL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2012
Magistrado Responsável | MARTINS DE SOUSA |
Data da Resolução | 06 de Março de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.
AA, BB e CC intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra DD - CLUB INTERNACIONAL DE FÉRIAS, S.A. (actualmente EE - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS. S.A.
) e, invocando serem titulares de um direito real de habitação periódica (DRHP) sobre apartamentos do Aparthotel FF, sito em Tróia, de que a Ré é concessionária e administradora, o qual se encontra inserido no empreendimento turístico "conjunto GG” e futuro "EE" e que em Março de 2005 a Ré iniciou obras em todo o empreendimento no âmbito do Plano de Pormenor UNOP I, provocando com isso a emissão de poeiras, ruídos e maus odores, afectando as condições de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança e animação que estiveram na base da aquisição de tais direitos pelos Autores, além do que procedeu ao encerramento de supermercado, restaurantes e espaços e instalações de cariz lúdico, impossibilitando assim os Autores de utilizar os referidos apartamentos, concluíram pedindo a condenação desta: a) a indemnizá-los pelos prejuízos causados, em valor equivalente ao que tiverem de pagar para usufruírem de idênticos apartamentos pelo período de tempo correspondente ao número de semanas de que são titulares e pelo tempo que durarem as obras, cuja liquidação relegaram para execução de sentença; b) a abster-se de lhes cobrar o valor da taxa pecuniária anual referente ao ano de 2005 em resultado da não fruição dos apartamentos objecto de Direitos Reais de Habitação Periódica (doravante DRHP).
Citada, a Ré contestou invocando que o referido aparthotel constitui um empreendimento autónomo e, por isso, dele não fazem parte todos os demais espaços e serviços de cuja utilização os Autores afirmam terem ficado privados. Por isso, mantendo-se o FF em pleno funcionamento e em condições de ser utilizado pelos clientes da Ré durante o ano de 2005, não assiste aos Autores o direito a qualquer indemnização ou ao não pagamento da contra-prestação devida. Por outro lado, as obras em causa, além de obedecerem à legislação em vigor, são indispensáveis à requalificação da península de Tróia.
Deduziu, ainda, reconvenção contra todos os Autores, e com fundamento no facto de os apartamentos reunirem condições de utilização e de terem sido utilizados em 2005 pelos AA, sendo que em algumas semanas de 2005 os próprios Autores os utilizaram, pediu a condenação: - da Autora AA no pagamento de € 2.278,48 a título de prestações pecuniárias vencidas até 18.11.2005 e juros vencidos, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento; - do Autor BB no pagamento de € 2.951,82 a título de prestações pecuniárias vencidas até 18.11.2005 e juros vencidos, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento; - do Autor CC no pagamento de € 1.445,67 a título de prestações pecuniárias vencidas até 18.11.2005, juros vencidos e € 70,09 de IVA que deveria ter sido pago até 19.10.2004, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento.
Houve réplica e tréplica, pois os AA. alegarem a excepção de não cumprimento do contrato, impugnada pela Ré.
Proferido despacho saneador e decorridos demais trâmites, inclusive ampliação dos pedidos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção e condenados, “a Autora Reconvinda AA a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 6.992,95 (seis mil, novecentos e noventa e dois euros e noventa e cinco cêntimos), a que acrescem juros de mora sobre cada uma das prestações em dívida, contados à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento; o Autor/Reconvindo BB a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 15.824,91 (quinze mil. oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimos) a que acrescem juros de mora sobre cada uma das prestações em dívida, contados à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento; o Autor/Reconvindo CC a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 2.403,84 (dois mil. quatrocentos e três euros e oitenta e quatro cêntimos), a que acrescem juros de mora sobre cada uma das prestações em dívida, contados à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento”.
Inconformados com esta decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, mas a Relação de Évora, por acórdão, muito embora tenha alterado, a decisão da matéria de facto no que tange à resposta dada aos quesitos 1º e 2º da base instrutória, manteve a sentença e negou provimento ao recurso.
Inconformada outra vez, recorre, ora, de revista a A. AA que conclui a sua alegação, do modo seguinte: 1) Na sequência do recurso interposto pelos AA., o Tribunal da Relação alterou a resposta dada à matéria de facto, considerando provado que: 1) O Aparthotel FF encontra-se inserido no, denominado pela Ré, "Complexo Turístico de Tróia"; e que 2) O "Complexo Turístico de Tróia" é composto por Aparthoteis, Piscinas, Minimercado, Serviços de Restauração, Esplanadas, Estacionamento Privativo e Espaços Verdes. Porém, não quis retirar daí qualquer consequência útil.
2) Para o Tribunal da Relação, é perfeitamente possível que num processo judicial, sejam provados factos opostos um ao outro, numa solução dada à matéria de facto quesitada que arrepia às mais primárias regras de experiência comum, e é atentatória do princípio da coerência, ferindo todas as expectativas de justiça dos particulares e a confiança depositada no poder jurisdicional.
3) Isto, sobre a protecção da inalterabilidade da matéria de facto em Recurso interposto para o STJ... Mas omitindo completamente a aplicação dos artigos 712º, n°1 e 690°A, do CPC.
4) É o que ocorre, quando um Tribunal reconhece que ficou provado que: 5) VV) Os Autores adquiriram os direitos de utilização das fracções para usufruírem das condições proporcionadas pelo Aparthotel FF e pelo espaço urbanístico e natural em que aquele se encontra inserido, em termos de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança, repouso e animação; Que, 6) «O Aparthotel FF encontra-se inserido no, denominado pela Ré, / "Complexo Turístico de Tróia"»; o qual, «é composto por Aparthoteis, Piscinas, Minimercado, Serviços de Restauração, Esplanadas, Estacionamento Privativo e Espaços Verdes»; Provando-se ainda que, 7) «WW) Em Maio de 2005, a Ré iniciou obras noutros edifícios de que é proprietária na península de Tróia, provocando a emissão de poeiras, ruídos gerados pelas máquinas em laboração, e maus odores.» e «xx) Em consequência das obras diminuíram substancialmente as Condições de higiene e limpeza na urbanização de Tróia» e ainda que «YY) Aquando do início das obras, a Ré encerrou algumas unidades de alojamento e serviços de que era proprietária, tais como piscinas, minimercado, alguns restaurantes; instalações do Bowling, e deixou de promover espectáculos de animação.», 8) E conclua, a talhe de foice, em manifesta contradição, que: « não se provou que: O FF não reunia condições para ser fruído pelos AA. em condições de tranquilidade e repouso», ignorando olimpicamente que ficou provado que uma tal situação é diametralmente oposta àquelas que são as legítimas expectativas dos AA., de «usufruírem das condições proporcionadas pelo Aparthotel FF e pelo espaço urbanístico e natural em que aquele se encontra inserido, em termos de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança, repouso e animação». Certamente, quando uma pessoa quer «condições de tranquilidade e repouso», escolhe um local onde exista «emissão de poeiras, ruídos gerados pelas máquinas em laboração, e maus odores»! 9) O Acórdão recorrido violou o disposto no Art.21.° do Regime Jurídico da Habitação Periódica, que prevê que o direito real de habitação periódica confere ao respectivo titular o direito de: «b) Usar as instalações e equipamentos de uso comum do empreendimento e beneficiar dos serviços prestados pelo titular do empreendimento.», ou seja, consubstancia um direito de utilização de edifício ou sua fracção, integrados em empreendimento turístico, e não, singelamente, o direito a ocupar uma fracção, independentemente do respectivo "espaço envolvente", conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-05-2007.
Por outro lado E sem conceder 10) Ficou provado que a Ré arruinou as condições naturais do espaço envolvente ao Aparthotel FF, quando «Em Maio de 2005, a Ré iniciou» obras que causaram a «emissão de poeiras, ruídos gerados peias máquinas em laboração, e maus odores», e «Em consequência (...) diminuíram substancialmente as condições de higiene e limpeza na urbanização de Tróia».
11) Ficou provado que «a Ré encerrou algumas unidades de alojamento e serviços de que era proprietária, tais como piscinas, minimercado, alguns restaurantes; instalações do Bowling, e deixou de promover espectáculos de animação», bem como, «a animação cultural, jogos e festas», que «até então levava a cabo nos locais que tinha afectos a tal fim», principalmente «nas passagens de ano, Páscoa e épocas altas de Verão (todos os fins-de-semana de Junho a Setembro)».
12) Ficou provado que «VV) Os Autores adquiriram os direitos de utilização das fracções para usufruírem das condições proporcionadas pelo Aparthotel FF e pelo espaço urbanístico e natural em que aquele se encontra inserido, em termos de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança, repouso e animação.»; E como se isso não bastasse, provou-se ainda que «KKK) Na data em que os Autores adquiriram as semanas de férias passaram a integrar o denominado "HH".», e que «LLL) O "HH" emitia para cada titular de Direito Real de Habitação Periódica um cartão (vitalício), que lhe conferia 20% de desconto na utilização do Campo de Golf, dos courts de ténis, do Club Náutico e no acesso às piscinas.».
13) E como se tudo isto não fosse suficiente, na sequência da parcial provimento do Recurso interposto pelos AA., foi julgado provado que «1) O Aparthotel FF encontrasse inserido no, denominado pela Ré, "Complexo Turístico de Tróia";» e que «2) O "Complexo Turístico...
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Acórdão nº 972/09.0TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Junho de 2015
...STJ, de 04/03/2004, Proc. 04B074 (Cons. Oliveira Barros), disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Ac. STJ, de 06/03/2012, Proc. 692/05.4TBGDL.E1.S1 (Cons. Martins de Sousa), também em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «O direito real de habitação periódica, classificado como ......
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Acórdão nº 4262/13.5YYLSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Junho de 2020
...da excepção do não cumprimento. E assim ocorre porque, conforme se ponderou no acórdão do STJ de 6/3/2012 (proferido no processo 692/05.4TBGDL.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt), sendo a “excepção do não cumprimento a faculdade que cada um dos contraentes tem de, nos contratos bilaterais com ......
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