Acórdão nº 349/06.8TBOAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra CC e marido, DD, pedindo a condenação destes a: - reconhecerem-nos como donos e legítimos proprietários do imóvel identificado nos arts. 1º e 7º da petição inicial, abstendo-se de praticarem qualquer acto ou facto que os impeça do exercício do seu direito de propriedade; - reconhecerem que o prédio urbano dos Réus se encontra, em parte, numa área coberta de 60 m2, edificado na parcela de terreno que lhes pertencente a eles, Autores e, consequentemente, condenados a procederem à demolição de tal construção; - reconhecerem que a porção de terreno com a área de 40 m2, situada entre o alçado nascente da casa dos Autores e o poente da casa dos Réus faz parte integrante da parcela de terreno que lhes foi doada (a eles, Autores); - reconstruírem a expensas suas a canalização subterrânea que destruíram, repondo a ligação dessas águas à fossa existente no prédio dos Réus, como até então.

Alegaram, para tal, que: . são donos e possuidores do prédio que identificam no artigo 1º da p. i., com a área de 394,25 m2, por lhes ter sido doado, encontrando-se o mesmo registado a seu favor, no qual construíram a sua casa de habitação, com uma área coberta de 99 m2 e uma área descoberta de 295,25m2; . tal prédio confina do lado nascente com outra parcela de terreno, pertencente aos Demandados, onde estes edificaram a sua casa de habitação, numa parcela igualmente com 394,25m2, igualmente objecto de doação àqueles pelo mesmo doador (pai do A. marido e da R. mulher); . entre o alçado poente da casa dos Réus e o alçado nascente da casa dos Autores existe uma parcela de terreno em forma rectangular, com uma área de 40m2 (4m x 10m), que é parte integrante da parcela de terreno doada aos Demandantes, mas de que os Réus se reclamam donos; . estes edificaram a casa de habitação ocupando uma porção de terreno que pertence à parcela dos Autores, numa extensão de 60m2; . em Junho de 2005, os Réus destruíram a canalização de água subterrânea de águas residuais, existente há mais de 20 anos, para condução dessas águas desde o seu prédio até à fossa existente no prédio daqueles, a qual foi construída, para esse efeito, a expensas de ambas as partes; . e antes de Junho de 2005 destruíram parte do portão existente no prédio dos AA., junto à via pública.

Os Réus contestaram a acção e deduziram reconvenção.

No primeiro caso, impugnaram a essencialidade da matéria de facto alegada na p. i..

No segundo, alegaram factualidade tendente a demonstrar que são eles, e não os Autores, os donos das parcelas reivindicadas por estes, por as terem adquirido por usucapião ou, pelo menos (invocação feita a título subsidiário), por acessão industrial imobiliária e sustentaram, ainda, que a pretensão dos AA. não poderá proceder em caso algum por se traduzir num manifesto abuso de direito.

Concluíram pugnando pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, declarando-se que eles (Réus): . são os donos e legítimos proprietários das porções de terreno reivindicados pelos autores, por as terem adquirido por usucapião; . e que é ilegítimo e abusivo o exercício do direito invocado por aqueles; - ou, caso assim não se entenda, que se reconheça que adquiriram, por acessão industrial imobiliária, as mesmas porções de terreno, sem nada terem que pagar aos autores por ter prescrito o direito destes exigirem o respectivo valor.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu: “I) Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os réus a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano, correspondente a uma casa de habitação de rés-do-chão, andar e quintal, sito em Cruz, confrontando a norte com caminho de servidão, a sul com EE, nascente com CC e poente com estrada, registado na CR Predial de Oliveira de Azeméis, freguesia de P..., nº .../..., absolvendo-se aqueles dos restantes pedidos.

II) Julga-se parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelos réus, condenando-se os autores a reconhecer estes como donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito no lugar da C..., composto por casa de habitação de meia cave ampla, rés-do-chão, águas furtadas e quintal, a confrontar de norte com caminho particular, sul com EE, nascente com FF e poente com AA, inscrito na matriz sob o art. ... e registado na CR Predial de Oliveira de Azeméis, freguesia de P..., sob o nº .../..., absolvendo-se os mesmos dos restantes pedidos”.

Mediante apelação dos Autores, a Relação decidiu: “1º) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, também em parte, a sentença recorrida, condenando os réus-apelados a reconstruírem, a expensas suas, a dita canalização que destruíram, repondo a apontada ligação à fossa existente no seu prédio, como acontecia em Junho de 2005 (antes de a terem destruído).

  1. ) Manter, no mais, o que ali se decidiu”.

    Ambas as Partes pedem agora revista, fazendo-o os Autores subordinadamente.

    Os Réus reclamam a revogação do acórdão recorrido na parte em que conheceu no instituto do "abuso de direito" e deu provimento ao pedido da alínea d) do pedido da petição inicial, a coberto da seguinte argumentação conclusiva: “1 - Recorrente esposa e recorrido marido são irmãos.

    2 - Os recorridos apresentaram na Câmara Municipal, em 1 de Junho de 1982, pedido de construção de moradia que previa a construção de uma fossa do tipo oficial com capacidade para 10 habitantes e de um poço roto com pedra seca.

    3 - Os recorridos apresentaram no processo de obras as plantas relativas à fossa e poço roto.

    4 - Os recorridos não construíram a fossa e o poço roto previsto no processo de obras.

    5 - Os recorridos continuaram a despejar as águas residuais da sua casa directamente para a fossa dos recorrentes.

    6 - Não obstante isso, os recorridos, em 24-01-2005, denunciaram na Câmara Municipal que os recorrentes haviam construído uma garagem e arrumos sem licença, 7 - O que fizeram por pura maldade, sem disso retirarem qualquer benefício.

    8 - Os recorrentes tomaram conhecimento da denúncia e da informação dos serviços em 29- 04-2005.

    9 - Ficaram magoados com o comportamento do irmão e cunhado, na sequência do que destruíram a canalização subterrânea de águas residuais do seu terreno.

    10 - A canalização de águas residuais do prédio dos recorridos para o prédio dos recorrentes representa um ónus sobre o prédio dos recorrentes e um grande encargo financeiro, pois que obriga ao regular despejo das águas residuais por entidade especialmente licenciada para o efeito.

    11 - A forma como os recorridos agradecem o silêncio e a tolerância dos recorrentes é denunciando à Câmara Municipal um anexo que os recorrentes fizeram sem licença 12 - Os recorrentes praticaram o acto, assumiram a responsabilidade e viram improceder os pedidos formulados pelos recorridos tanto na petição como nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

    13 - Os recorridos, de "boa fé", não podiam admitir que a condução de águas residuais para o prédio dos recorrentes fosse uma situação para sempre.

    14 - Os recorrentes nunca admitiram que o seu comportamento pudesse integrar o conceito de "abuso de direito" pelo que foi com surpresa que tomaram conhecimento da decisão com fundamento no abuso de direito, conhecido oficiosamente.

    15 - Os recorridos, de "boa fé", não podiam admitir que estavam dispensados de construir a fossa no seu prédio. 16 - Os recorridos, de "boa fé", não podiam impor à irmã e cunhado um ónus e encargos, para sempre.

    17 - Os recorridos, considerando os "bons costumes", deviam manter boa relação de vizinhança e fraternidade.

    18 - Os recorridos, considerando os "bons costumes" deviam mostrar sentimentos de gratidão e respeito para com os vizinhos para cujo prédio tinham conduzidas as águas residuais do seu prédio.

    19 - Os recorridos estavam obrigados à construção de uma fossa no seu prédio, o que não fizeram.

    20 - O fim social ou económico do direito impunha que os recorridos construíssem a fossa a que se obrigaram.

    21 - O fim social ou económico do direito impedia que os recorridos obtivessem licença de habitabilidade sem cumprirem as obrigações a que estavam sujeitos.

    22 - O abuso de direito constitui um último recurso, algo a que só se pode lançar mão à falta de outro meio, com vista a evitar a produção de situações clamorosamente injustas .

    23 - Não se verifica abuso de direito por parte dos recorrentes mas tão só o exercício de direito inerente ao direito de propriedade sobre imóveis.

    24 - Os recorridos não tinham construído a fossa e o poço roto a que estavam obrigados mas conseguiram que lhes fosse concedida licença de habitabilidade.

    25 - Os recorridos imputaram aos recorrentes um facto ilícito culposo gerador de responsabilidade civil, que improcedeu.

    26 - Improcedeu, além do mais, porque os recorridos não alegaram, nem provaram, a factualidade necessária a esse pedido .

    27 - Os recorridos pretenderam a constituição de uma servidão, mas não alegaram, nem provaram, os elementos constitutivos para a mesma.

    28 - Os recorridos invocaram um contrato, que não provaram e que só seria válido se celebrado por escritura pública.

    29 - Os recorridos lançaram mão de várias soluções, tinham várias soluções possíveis, pelo que o "abuso de direito" nunca seria o "último recurso".

    30 - Os recorridos não invocaram o abuso de direito nem na petição inicial, nem nas alegações de recurso, cientes de que esse caminho não era viável nem seria o "último recurso".

    31 - Os recorridos tinham, e ainda têm, um outro recurso, que é construírem a fossa a que se obrigaram.

    32 - A situação em causa não é uma situação de irreversibilidade pois os recorridos têm outra solução, que é construírem uma fossa no seu prédio.

    33 - O "último recurso" que o "abuso de direito" representa é algo de que só se pode lançar mão à falta de outro meio, o que não é manifestamente o caso dos autos.

    34 - Não existe uma situação de clamorosa...

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