Acórdão nº 5817/07.2TBOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, advogado, com residência profissional na Rua C..., nº ..., ...º, Lisboa, propôs a presente acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra “BB Editora, Ldª”, com sede na Rua C... de M..., nº ..., L..., P... de A... entretanto, substituída, por acto de fusão, pela “CC – Sociedade Jornalística e Editorial, Ldª”, com sede na Rua R... S..., nº ..., Lisboa, e DD, jornalista, com domicílio profissional na mesma morada, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe quantia não inferior a €50000,00, para compensar os danos não patrimoniais, e €100000,00, para compensar os danos patrimoniais por si sofridos, alegando, para o efeito, e, em síntese, que foi alvo da publicação de um artigo, redigido pelos réus, no dia 7 de Outubro de 2004, subordinado ao título «O despertar do Presidente?», pela Revista V..., pertencente à ré sociedade, que veicula considerações desprestigiantes e indignas sobre o autor, induzindo na opinião pública portuguesa a ideia de que este, então, Primeiro-Ministro, era um potencial consumidor de drogas duras e, assim, colocando em causa, de forma grave e séria, a consideração pessoal do autor, junto da sua família, bem como a consideração profissional de que gozava no seio da comunidade portuguesa, e, ainda, a sua capacidade para exercer o aludido cargo, provocando-lhe prejuízos sérios, em consequência dos quais sofreu danos, patrimoniais e não patrimoniais, que computa nos valores supramencionados.

Na contestação, os réus concluem no sentido de que a acção deve ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido, invocando, além do mais que aqui não interessa considerar, com vista à apreciação do objecto da revista, que a única finalidade da utilização da expressão «consumo de drogas duras» é manifestar um juízo de crítica severo à possibilidade de, na futura regulação sobre a comunicação social, se poderem vir a alterar as normas que regem o comentário político, sujeitando o mesmo ao princípio do contraditório, não visando, de forma alguma, a pessoa do autor, sendo certo que a peça jornalística em questão lançou mão de uma figura de estilo, de uma imagem, de uma metáfora, sustentando que a equiparação do comentário político à notícia, por não ser racional, apenas poderia ser justificada por factores anómalos, como seja, o disparate, a originalidade nacional ou o delírio por intoxicação.

Na réplica, o autor conclui como na petição inicial.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, condenando os réus a pagar, solidariamente, ao autor a quantia de €30.000,00, a título de danos morais.

Desta sentença, os réus e o autor interpuseram recurso, este, subordinadamente, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedentes ambas as apelações e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.

Deste acórdão da Relação de Lisboa, os réus interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que os absolva de todos os pedidos deduzidos pelo autor, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª – Estando em causa a responsabilidade extracontratual por alegado facto ilícito praticado através da imprensa, e sendo demandada a entidade proprietária do órgão de publicação periódica, são aplicáveis as disposições da Lei da Imprensa, designadamente o artigo 29º, que, no nº 1, prevê a observância dos princípios gerais em sede de responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa, e, no nº 2, prevê um requisito especial e concreto para a efectivação da responsabilidade civil solidária da empresa jornalística com o autor do escrito, o caso de escrito inserido em publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal.

  1. – Atentos os princípios gerais do direito e o espírito do legislador, tal preceito ínsito no nº 2, do artigo 29º, da Lei de Imprensa, é especial e afasta a lei geral, portanto, o artigo 500º do Código Civil, no caso da responsabilidade da empresa jornalística, pelo que para que a recorrente CC fosse responsável solidariamente com o recorrente DD, seria necessário que o recorrido tivesse invocado e provado que o escrito em causa tinha sido publicado com conhecimento e sem oposição do director da empresa, o que não aconteceu nos presentes autos, não podendo, por isso, a recorrente CC ser solidariamente responsável com o recorrente DD.

  2. – O artigo de opinião em causa consubstancia uma crítica objectiva à actividade política e governativa do país, portanto, com interesse público e nacional, inserida no campo da análise política, dirigida à actuação do Governo e/ou Assembleia da República, no que toca à futura regulação da comunicação social.

  3. – A crítica feita à proposta de previsão do princípio do contraditório no comentário político, ainda que possa ser qualificada como indelicada, acintosa e feroz, é proporcional e adequada ao contexto em causa – sendo que tal proposta afronta a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e comentadores políticos - , e portanto, mesmo que afronte a consideração e respeito do autor de tal comportamento, ainda se encontra dentro da crítica objectiva, ou seja, atípica e lícita (cfr. Acórdãos desse STJ de 7.3.2007; da RL de 21.10.2007 e de 20.3.2006; da RC de 23.4.1998, de 24.9.2003 e de 24.3.2004; da RG de 30.10. 2006, e da RP de 28.6.2006 e de 31.10.2007; e sentença do TEDH, no caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, de 28.9.2000, queixa nº 37698/97, 4ª secção) não se encontrando, por isso, preenchido o pressuposto ilicitude da responsabilidade civil extracontratual.

  4. – A única matéria dada como provada relativamente a danos é “V) o autor sentiu-se profundamente ofendido na sua credibilidade, prestígio, crédito, reputação e imagem (resposta ao art. 23º da base instrutória)”.

  5. – Tais expressões são de direito, genéricas e conclusivas, não demonstrando que tipo de sofrimento ou perturbação o recorrido efectivamente sofreu, em que consistiu ou se manifestou esse estado (cfr. Acórdãos do STJ de 24.5.2007 e da RL de 24.3.1994).

  6. – Pelo que, o recorrido não demonstrou nem provou, nem o tribunal a quo o reflete na fundamentação da sua decisão, que tenha sofrido danos que assumam uma relevância justificativa da tutela do direito, nos termos do estipulado no nº 1 do artigo 496º do CC, não se encontrando, por isso, verificado o pressuposto dano da responsabilidade civil extracontratual.

  7. – Ao decidir como decidiu, em sentido contrário ao defendido nas conclusões supra – o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da lei substantiva, designadamente do disposto no artigo 29º, nºs 1 e 2, da Lei de Imprensa, 496º, nº 1, do CC, 37º e 38º, ambos da Constituição da República Portuguesa e 10º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Nas suas contra-alegações, o autor conclui no sentido de que o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão impugnado.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça reproduz: 1. A V... é uma revista nacional, com periodicidade semanal, de grande tiragem, na sua edição impressa, cuja média de circulação tem excedido, mensalmente, os 40.000 (quarenta mil) exemplares, cf. Doc. 1 (fls. 52) que se deu por reproduzido, e, também, disponibilizado, a todo o Mundo em geral, através da sua versão electrónica na Internet, tendo uma fortíssima implantação no mercado português - A).

  1. O réu DD assinou um escrito, designado de "O despertar do Presidente?" publicado na Revista V... ID 9016157, em 7 de Outubro de 2004, pág. 66, cf. Doc. 2 (fls.53) que se deu por reproduzido, e no qual constava, para além do mais, que: "(. . .) EE encheu o copo de fel do Governo, com o seu último comentário, na TVI. O professor não é um santo. Mas, descontando-lhe alguma leviandade imaginativa e factos políticos cozinhados no seu laboratório de «cientista maluco», EE tem sido extremamente certeiro quando se limita a trabalhar sobre os factos e as asneiras do Governo e da oposição. É verdade que ele tem um problema com AA. Ou AA com ele. Talvez por isso, o primeiro-ministro mandou, um tanto covardemente, o seu mais fiel servidor, FF, ministro dos Assuntos Parlamentares, acusar EE de mentiroso e deturpador, ameaçando com queixas à Alta Autoridade. E é apenas por que não se pode voltar aos tempos da censura que já se propõe que, na futura regulação da Comunicação Social, se preveja o princípio do contraditório para...o comentário político! Ou seja, a opinião deixa de ser subjectiva para ter de submeter-se às regras das notícias! Uma lei à medida para EE! Será um delírio provocado por consumo de drogas duras, uma nova originalidade nacional ou apenas um disparate sem nome? No meio de tudo isto, quem é digno de pena é FF. Esta foi uma grande maldade que AA lhe fez. Como se verá, domingo, quando uma serpente chamada EE se deliciar a destilar todo o seu veneno sobre o pobre. " - B).

  2. O autor AA é uma pessoa de conhecido renome, que já desempenhou as mais altas funções de Estado, em Portugal, tendo assumido as funções de Primeiro-Ministro (PM) de Portugal, em 17 de Julho de 2004, as quais desempenhava, à data do escrito, aludido em B) cf. Decreto do Presidente da República n.°35-0/2004, de17 de Junho, publicado no DR n° 50-A, I-A, de 12/03/2005 disponível em http://www.dre.pt - C).

  3. O autor desempenhou as funções de Adjunto do Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro (GG), no IV Governo Constitucional, entre Outubro de 1978 e Junho de 1979 – D).

  4. O autor desempenhou as funções de Assessor Jurídico do Primeiro Ministro (HH), no VI Governo Constitucional, entre Abril e Dezembro de 1980 - E).

  5. O autor desempenhou as funções de Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, no X Governo Constitucional (sendo Primeiro Ministro II), entre...

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