Acórdão nº 07A4313 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução15 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, e mulher,BB, deduziram, em 30.10.2001, Embargos de Executado à Execução Ordinária Para Pagamento de Quantia Certa, pendente no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, que contra si e DD, foi intentada em 26.5.6.2001 pelo exequente: CC.

Alegando que nada devem, nem nunca deveram ao embargado, tendo apenas subscrito e entregue ao embargado os cheques e a declaração de dívida dados à execução porque este se lhes apresentou como portador de um cheque no valor de 3.000.000$00 que EE, pai do embargante marido, lhe entregou e que, entretanto, se havia extraviado, exigindo-lhes o pagamento deste cheque sob pena de recorrer à via judicial.

Foi apenas porque pretenderem evitar a consumação de tal ameaça que aceitaram a proposta do embargado de pagamento de tal dívida em cinco prestações de 500.000$00 tituladas pelos cheques dados à execução, para o que aceitaram assinar a declaração de dívida junta a fls.5-6 do processo executivo, tendo-se em contrapartida o embargado comprometido a devolver-lhes o referido cheque de 3.000.000$00 juntamente com uma declaração de pagamento do mesmo que lhes entregou, e que juntaram.

Concluíram pela procedência dos embargos.

Regularmente notificado o embargado deduziu oposição aos embargos, alegando que o documento - declaração de dívida - dado à execução foi assinado e entregue pelos embargantes para substituição de um outro cheque no valor de 3.000.000$00, assinado pelo pai do embargante marido, e que lhe havia sido entregue por um terceiro para pagamento de uma dívida e que, apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão.

Que então foi contactado pelos embargantes que lhe solicitaram a devolução de tal cheque, juntamente com uma declaração de o mesmo ter já sido pago, por forma a regularizar a situação do pai do embargante junto do Banco de Portugal, e como contrapartida, assumido a dívida titulada em tal cheque, entregando-lhe para o efeito a declaração de dívida e os cheques dados à execução para pagamento fraccionado desta dívida, o que aceitou, pelo que entregou aos embargantes a declaração de pagamento do anterior cheque junta aos autos, a qual apenas subscreveu para prorrogar o prazo de pagamento da dívida que os embargantes assim assumiram.

Conclui pela inexistência de qualquer coacção moral e, consequentemente, pela improcedência dos embargos.

Foi fixada a matéria ausente e organizada a base instrutória.

*** A final, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, tendo-se considerado, essencialmente, que não houve coacção moral exercida pelos oponentes, mas que estes, ao subscreverem a declaração invocada como título executivo, no circunstancialismo em que o fizeram, assumiram a dívida que o pai do embargante tinha para com o embargado - art.595º do Código de Processo Civil.

*** Inconformados, os embargantes recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 11.6.2007, confirmando a decisão singular do Relator, revogou a decisão apelada, julgando procedente a oposição e considerando extinta a execução.

Considerou-se essencialmente ter havido coacção moral "(1).

*** Inconformado, recorreu o exequente/embargado para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões; . No que à coacção moral tange determina o Código Civil, na subsecção relativa à falta de vícios de vontade, art. 255º, que se considera feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração (nº1).

  1. E mais determina que, a referida ameaça pode respeitar à pessoa e à honra e fazenda do declarante ou de terceiro, mas não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial (n°2 e 3).

  2. Assim, para a coacção só releva a ameaça ilícita, o que não ocorre, por exemplo, dada a respectiva licitude, a relativa ao exercício de um direito.

  3. Como é o caso dos autos, 5. O recorrente não adoptou qualquer tipo de comportamento ilícito, ele apenas se propunha exercer o seu direito de crédito plasmado no cheque do qual era legítimo portador.

  4. No entanto, mal, entendeu o Tribunal da Relação do Porto que no caso dos autos existiu coacção moral porque a ameaça da execução de um cheque extraviado contra um familiar próximo do embargante é, no conhecido contexto social do Peso da Régua, uma pressão psicológica grave, de um mal incontornável.

  5. Com tal interpretação do supra citado comando legal é caso para concluir que sempre que o credor ameaçar recorrer a tribunal haverá coacção moral a ser exercida, pelo menos se o devedor for do meio social do Peso da Régua.

  6. Perante a matéria de facto dada como provada nos autos a conclusão extraída pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, de que o documento de assunção de dívida em apreço foi assinado pelo recorridos porque estes foram coagidos a fazê-lo pelo recorrente, constitui um manifesto erro.

  7. A ameaça de dar à execução um determinado título não constitui uma ameaça ilícita, nem muito menos configura uma ameaça nas circunstâncias em que o documento executivo dos autos foi assinado pelos recorridos.

  8. O recorrente era dono e legítimo portador do original do cheque cuja cópia consta a fls. 23 dos autos de execução, entregue por um terceiro que ele identificou nos autos, tendo tal ficado provado nos autos, conforme acta de audiência de julgamento realizado no dia 22 de Maio de 2006.

  9. Posse legítima que nunca sequer foi posta em causa nestes autos ou no âmbito de um qualquer outro processo judicial.

  10. Resulta, ainda, dos autos que os Recorridos assumiram, mediante a assinatura do documento de assunção de dívida constante de fls. 5 e 6 dos autos, a obrigação de pagamento da quantia inscrita nesse documento porque queriam reaver o cheque que era do pai do recorrido marido e não porque foram ameaçados pelo recorrente.

  11. E que, os recorridos exigiram que o recorrente assinasse e lhes entregasse a declaração constante de fls. 22 dos autos.

  12. Só há coacção se a ameaça for feita com a cominação de um mal ilícito, isto é, de um mal que a parte ameaçada não esteja juridicamente vinculada a suportar.

  13. Até porque, accionado judicialmente que fosse o "cheque da ameaça", sempre o seu emitente do mesmo, o pai do recorrido marido (que nunca pôs em causa ter assinado este ou os outros cheques), se poderia, legitimamente, defender em sede do competente processo de execução ou procedimentos criminais que se afigurassem adequados ao caso em concreto.

  14. Acresce ainda que, nosso entendimento, a decisão em crise não tinha que se pronunciar sobre a existência de coacção moral na assinatura do documento dado à execução nos autos porque nenhum facto ficou provado nos autos que permita considerar anulável por coacção moral o mesmo.

  15. A Relação incorreu assim em erro na interpretação dos factos ao considerar que os Recorridos agiram no seguimento de vontade que não foi livremente formada, e aplicou incorrectamente os artigos 255º e 256º, ambos do Código Civil.

  16. Incorreu, ainda, em erro de interpretação o Tribunal da Relação ao não efectuar uma aplicação do disposto do preceituado no...

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