Acórdão nº 45/1999.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recorrente: AA.

Recorrida: BB.

I. – RELATÓRIO.

Em dissensão com o julgado prolatado na apelação que havia sido interposta da decisão da 1.ª instância traz o recorrente, AA, o presente recurso de revista, para o que fá de atender ao sequentes, I.1. – ANTECEDENTES PROCESSUAIS.

BB instaurou contra AA a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a reconhecer que a autora é comproprietária do prédio urbano sito na Fontinha, Porto Santo, e a entregá-lo à autora, livre e desocupado, bem como a abster-se de quaisquer actos de violência contra a A.

Para tanto, alega, em síntese, que, por óbito de seus pais, o prédio identificado na p.i. ficou a pertencer à autora e demais herdeiros.

A autora habita o prédio desde 1986, e desde Março de 1993 até Março de 1996, ali viveu com o réu, com quem mantinha um relacionamento amoroso.

Este, porém, aproveitando-se da ausência da autora no estrangeiro, introduziu-se novamente na casa, tendo mudado as fechaduras da porta.

O réu recusa sair da casa, ameaçando agredir e matar a autora se lá entrar.

Na contestação apresentada, o réu defende-se, por excepção – ilegitimidade da A., conquanto desacompanhada dos demais herdeiros – e por impugnação, tendo, nesta sede, alegado, em síntese, que: As anteriores proprietárias, após a realização de escritura de compra e venda, procederam à divisão da casa – que era constituída por um único quarto, tendo construído uma parede que dividiu a divisão ao meio ficando cada um com a área de 9 m22, bem como o quintal adjacente do prédio, com um muro divisório, tendo sido constituídas duas unidades prediais distintas e autónomas, passando a casa virada a sul a ser habitada pela CC, mãe da Autora.

Desde 1947, a casa virada a Sul passou a ser utilizada exclusivamente pelos pais da autora e seus filhos, à vista de todos, como se fosse coisa sua, sem oposição de ninguém, continuadamente e de boa fé.

Em 1992, a mãe da autora e os respectivos filhos autorizaram o réu a construir, no terreno da sua casa, virada a Sul, uma nova casa para servir de habitação à autora e ao réu.

Em 1996, a autora saiu de casa e ausentou-se para a Venezuela, deixando o réu a viver sozinho.

Regressada do estrangeiro, a autora forçou a entrada na dita casa, não tendo o réu consentido.

Em reconvenção, alegando que construiu de raiz a casa acima referida, suportando integralmente o respectivo custo, pede que: - A autora seja condenada a reconhecer que o réu adquiriu a casa, por acessão; - Subsidiariamente, seja a autora condenada a indemnizar o réu pelas benfeitorias feitas no imóvel, no valor de Esc. 7.000.000$00.

Foi requerida a intervenção principal dos demais herdeiros, DD e outros, conforme consta de fls. 51 e segs., tendo o incidente sido admitido – cfr. fls. 58.

Foi apresentada réplica, na qual se invocou a compensação. O réu treplicou – cf. fls. 81 e 84.

Após vicissitudes processuais que para a sorte do presente recurso não relevam – cfr. relatório do acórdão revidendo - veio a acção ser decidida pela forma seguinte: a) - Julgou a acção totalmente improcedente, absolveu o réu do pedido; - Julgou a reconvenção totalmente procedente, declarou que o R. é o proprietário do prédio urbano inscrito da respectiva matriz predial urbana sob o art. ...º (por o ter adquirido mediante acessão industrial imobiliária) e condenou a A. e os intervenientes a reconhecer o direito de propriedade do réu; - Determinou a entrega à A. e chamados do quantitativo depositado pelo réu (ou seja, EUR 1.750,00), correspondente ao valor do terreno.

Na apelação mereceram apreciação as sequentes questões: “saber se pode conhecer-se do recurso interposto dos despachos de fls. 438 e ss. e 449; - Na afirmativa, saber se devem, ou não, ser revogados; - Saber se a sentença enferma de nulidade; - Saber se procede a excepção de caducidade invocada pelo apelante; - Saber se o prédio em causa reveste a natureza de «bem comum»; - Saber se estão verificados os requisitos da acessão industrial imobiliária.” Da apelação que “concedendo provimento ao recurso” se acordou “em revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou a reconvenção procedente e determinou a entrega à A. e chamados do quantitativo depositado pelo réu”, vem interposta a presente revista de que cujas alegações se dessume, em sinopse, o sequente, I.2. – QUADRO CONCLUSIVO.

“I.

Verificam-se todos os pressupostos da acessão industrial imobiliária, a favor do recorrente, como invocou em sede de Reconvenção e assim foi julgado em 1.ª Instância.

II.

Designadamente, acha-se verificado o pressuposto da boa fé, uma vez que a obra ou incorporação feita pelo ora recorrente, Réu na acção, foi autorizada pelos donos do terreno, a A. BBe chamados.

III.

Sendo que a boa fé deve existir no momento da incorporação e o recorrente iniciou as obras em 1992 e estas foram concluídas cm 1993.

IV.

Também é certo que a aquisição da propriedade, por via da acessão, é o da verificação dos factos referidos (início e termo das obras) – arts. 1 317.º, alínea d) e 1340.º, n.º 1, do C.C.

V.

No momento em que se afere a boa fé, correspondente ao momento de incorporação, ou melhor dizendo, após a conclusão da obra, a A. BBe R. AA mantinham ainda um relacionamento amoroso, que só terminou em 1996, ou seja, três anos após a conclusão das obras.

VI.

Um e outro, assim como os chamados, não poderiam ter em mente que a autorização para a incorporação dependia de uma condição "imprópria", qual seja a de os litigantes manterem o relacionamento amoroso, pelos tempos fora e assim, eternamente vinculados a terem que viver no prédio, ambos eles, o que sempre conduziria a uma restrição da liberdade deles, em violação do disposto no art. 271.º, do C.C.

VII.

A aquisição, por via da acessão, que é uma aquisição originária não se compadece com a consideração feita no acórdão, de que o R. AA não podia prevalecer-se da incorporação para "extrair benefícios que não lhe haviam sido concedidos". Isto porque, a A. BBe chamados não poderiam transmitir ao R. direitos sobre a casa que não lhes pertencia, mas antes ao R., e desde o momento da incorporação.

VIII.

Desde Abril de 1947 que os primitivos proprietários haviam dividido a propriedade, sendo que as casas adquiriram, desde então, individualidade, sendo uma inscrita na matriz sob o art. ....º e outra sob o art. ....º.

São prédios distintos e autónomos, que já o eram muitos anos antes da entrada em vigor do primeiro dos diplomas citados no acórdão em apreço; o DL 46673, de 29 de Novembro de 1965.

IX.

Mesmo que, por absurdo, o autor da incorporação tivesse agido de má fé, valeria o disposto nos arts. 216.º, 1273.º e 479.º, do C.C.. Na verdade, tratam-se de benfeitorias úteis (art. 216.º, n.º 3) e tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a levantá-las, se tal for possível, ou, não o sendo, como acontece nos autos, tem que ser satisfeito pelo valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273.º).

Ora, a solução que a Relação encontrou, com a qual se discorda totalmente, conduz a que a A. BBe chamados fiquem donos do prédio (terreno e construção) sem nada pagarem a quem teve o encargo de construir de raiz o prédio urbano.

Mesmo que tivesse existido má fé, não se poderia deixar de atender ao pedido subsidiário feito pelo R. AA, na sua Reconvenção, de ver então satisfeito o seu direito a ser indemnizado pelas benfeitorias feitas.

X. Tendo o douto acórdão decidido como decidiu, desatendendo por completo o pedido reconvencional, feito pelo R. AA, violou as disposições citadas (arts. 1317.º, alínea d); 1340.º; 271.º; 216.º; 1273.º e 479.º, do C.C.).” I.3. – QUESTÃO A SER OBJECTO DE APREECIAÇÃO.

Em vista das conclusões extractadas supra, estima-se dever ser objecto de apreciação, as questões a seguir enunciadas.

- Acessão Industrial Imobiliária; Requisitos; Boa fé; Benfeitorias.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Está definitivamente adquirido a factualidade que a seguir vai transcrita.

“1 - Por escritura pública outorgada em 08.04.1947, na Secretaria da Câmara Municipal do Concelho e Ilha de Porto Santo, EE declarou vender a FF e a CC, que declararam comprar, o direito e acção a três quartas partes de um prédio urbano que serve de moradia, sito no Lugar da F..., P... S..., sobre terreno de GG, cuja casa confina em todas as direcções com o dito GG e o terreno deste confina pelo Norte com HH, Sul com GG, Leste com a Rua da F... e Oeste com o Doutor II, inscrito na respectiva matriz sob o art. 377º – Alínea A).

2 - CC faleceu em 09.01.1993, no estado de viúva de JJ – Alínea B).

3 - A Autora, BB, e as chamadas, DD, LL, MM, NN, OO e PP, são filhas de CC e de JJ – Alínea C).

4 - Na data da escritura referida em A), o prédio ali identificado era composto apenas por uma casa com um quarto com cerca de 3 metros de largura por 6 metros de cumprimento (18 m2) e um quintal com cerca de 119 m2 – Alínea D).

5 - Após a escritura referida em A), FF e a CC dividiram o interior da casa, erguendo uma parede a meio, ficando a casa com dois quartos incomunicáveis, cada um deles com uma área de 9m2 – Alínea E).

6 - FF e CC dividiram, ainda, o quintal em duas partes com um muro divisório – Alínea F).

7 - Na sequência da divisão referida em E) e F) passaram a existir duas casas...

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