Acórdão nº 121/04.0TTSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução31 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1--- AA, residente em Queluz, intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra BB SA, com sede no Cacém, pedindo a sua condenação no seguinte:

  1. Reconhecer que a relação jurídica que manteve com a R. tinha natureza laboral; B) Reconhecer que a rescisão que levou a cabo foi com justa causa; C) No pagamento na indemnização de antiguidade no montante de € 5.611,28; D) Que a R. seja condenada a pagar-lhe, a título de créditos salariais devidos e não pagos, a quantia de € 10.760,41; E) Que a R. seja condenada a pagar todas as contribuições devidas para a Segurança Social e apuradas sobre o montante que auferiu a título de retribuição, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais; F) Que a R. seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos morais, uma quantia nunca inferior a € 8.000,00; G) E que a R. seja condenada a pagar-lhe os juros de mora sobre todas as quantias vencidas e vincendas peticionadas e objecto de sentença condenatória, desde a data da citação até integral pagamento.

    Alegou para tanto que, em Janeiro de 2002, celebrou um contrato de trabalho verbal com a R, para, sob sua autoridade e direcção, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor ou “Técnico de vendas”, conforme designação usada pela própria R, embora esta sempre o tenha tratado como prestador de serviços, sem lhe reconhecer os direitos inerentes à relação laboral que mantinham.

    Efectivamente, a R. nunca procedeu ao pagamento de quaisquer subsídios de férias e de Natal, nem efectuou os devidos descontos para a Segurança Social.

    Por isso, em 21 de Fevereiro de 2003 enviou à R, através de correio registado, com aviso de recepção, uma carta através da qual rescindiu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, com fundamento na falta de cumprimento das referidas obrigações e na falta de pagamento de outras verbas devidas.

    A R. recusou proceder a qualquer pagamento, pelo que lhe deve a indemnização de antiguidade prevista no art.36º, nº 2º do DL n.º 64-A/ 89, de 27/02, que ascende a € 5.611,28; subsídio de férias de 2002, no valor de € 680,15 e subsídio de Natal de 2002, no valor de € 680,15; férias e subsídio de férias vencidas a 1 de Janeiro de 2003, no valor de € 1.870,42, e que não gozou; proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos até 21 de Fevereiro de 2003, no valor de € 467,60, e retribuições de Dezembro de 2002 e Janeiro e Fevereiro de 2003, no valor de € 3.321,25, o que perfaz o montante total de € 10.760,41.

    Alegou ainda que o comportamento da R lhe provocou diversos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que lhe conferem direito a uma indemnização no valor de € 8.000.

    Realizada audiência de partes e como a mesma não resultou na sua conciliação, veio a R contestar, alegando que entre ambos existiu um contrato de prestação de serviço, conforme proposta do A, concluindo assim pela sua absolvição do pedido.

    À cautela, e caso seja outro o entendimento do Tribunal, requer que sejam tidos em conta todos os pagamentos que fez ao A. e, em atenção ao princípio da igualdade, que sejam refeitos os cálculos dos valores que lhe sejam devidos, pois deverão ser calculados tendo em conta os direitos dos demais trabalhadores da empresa naquela data.

    Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, que não foram alvo de reclamações.

    Efectuada audiência de julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, que tendo sido objecto de reclamação apresentada pelo A, foi esta indeferida.

    E proferida sentença foi a acção julgada improcedente, sendo a R absolvida do pedido.

    E querendo recorrer desta decisão, veio o A requerer, ainda antes da interposição da apelação, que gozando do apoio judiciário, deveria ser o Tribunal a ordenar a transcrição imediata e urgente dos depoimentos de todas as testemunhas, o que solicitava Entretanto, e antes de qualquer decisão sobre este requerimento, veio o A apelar da sentença, recurso que foi admitido.

    E como o Tribunal indeferira o requerimento de transcrição dos depoimentos das testemunhas, veio o A agravar deste despacho, recurso que também foi admitido, mas como agravo.

    Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa proferiu este acórdão a julgar improcedentes os dois recursos.

    Novamente inconformado recorreu o A de agravo interposto na 2ª instância, na parte em que o acórdão manteve o despacho a indeferir a transcrição dos depoimentos das testemunhas, tendo concluído a sua alegação do seguinte modo: 1- O Recorrente tem interesse, legitimidade e beneficia de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, encontrando-se o recurso interposto no prazo legal para o efeito; 2- O Acórdão objecto de recurso é recorrível; 3- Vem o presente Recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou totalmente improcedente o Recurso de Agravo apresentado pelo ora Recorrente; 4- O Acórdão recorrido fundamentou a sua decisão de indeferimento total do recurso do ora Recorrente nos artigos 522°-B, 522°- C e 690°- A do Código de Processo Civil, na versão anterior àquela que foi conferida pelo Decreto-Lei n°303/2007, de 24 de Agosto, os quais, salvo melhor e diversa opinião, não são aplicáveis ao caso concreto; 5- Os artigos 522°- e 522.°- C do Código de Processo Civil, na sua versão anterior, não podem fundamentar qualquer decisão de indeferimento do Recurso, uma vez que apenas dizem respeito à forma como são efectuadas as gravações e não à transcrição das mesmas; 6- O artigo 690°-A do Código de Processo Civil, na sua versão anterior, também não pode fundamentar qualquer decisão de indeferimento do Recurso, já que não exclui a competência do Juiz do Tribunal de 1ª Instância para ordenar a transcrição dos depoimentos proferidos em audiência de julgamento, quando requerido por uma parte que goza de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de encargos com o processo, direito que o Recorrente, inequivocamente tinha face ao apoio judiciário que goza; 7- Uma vez que o ora Recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo e tendo requerido que fosse ordenada a transcrição dos depoimentos das testemunhas de modo a instruir recurso de apelação no que refere à impugnação da matéria de facto, tem este direito a que a referida transcrição seja efectuada de modo a permitir ao Recorrente usar da prerrogativa assegurada pela lei processual civil para o efeito; 8- Não incumbe ao recorrente, gozando de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, proceder à transcrição dos depoimentos, tarefa que o mesmo não consegue sequer suportar; 9- A decisão recorrida violou, multiplamente, o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 20°, n°1, 2, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa e artigos 522°-B, 522°- C e 690°- A do Código de Processo Civil. Pede-se assim a revogação do acórdão, com todas as legais consequências daí resultantes.

    A R não contra-alegou.

    E tendo o A recorrido também de revista, rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1- A decisão proferida é recorrível, o recorrente tem legitimidade para interpor recurso, mostrando-se o mesmo tempestivo; 2-Vem o presente Recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou totalmente improcedente o recurso de apelação apresentado pelo A, e que incide sobre a parte que decidiu pela improcedência de todos os pedidos formulados pelo A; 3- No entanto, a relação jurídica que vigorava entre A e R constitui um verdadeiro contrato de trabalho, na acepção do artigo 10º do Código do Trabalho de 2003, e conforme resulta da matéria de facto apurada.

    Por isso e tendo o acórdão violado o artigo 10º daquele Código do Trabalho, pede-se a sua revogação, devendo concluir-se como na petição inicial. A R não contra-alegou.

    Subidos os autos a este Supremo Tribunal, proferiu o relator despacho a não admitir o recurso de agravo, admitindo-se apenas a revista.

    A Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu proficiente parecer, opinando pela improcedência da revista, o qual não suscitou qualquer reacção das partes.

    E mostrando-se corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    2--- Para tanto, as instâncias tiveram em conta a seguinte matéria de facto:

  2. A partir de Janeiro de 2002, o A. exerceu a actividade de promoção e venda dos produtos comercializados pela R., nos distritos de Faro, Évora, Beja e parte do distrito de Portalegre.

  3. O A. visitava os clientes da R., procedia ao transporte e entrega junto dos mesmos de material promocional e publicitário daquela e dos seus produtos e informava-os dos novos produtos comercializados pela R e de todas as alterações técnicas neles ocorridas e/ou mudança das condições contratuais de aquisição, se fosse esse o caso.

  4. O A. também recebia e encaminhava para a R. os pedidos de aquisição de mercadoria efectuados pelos clientes da R., bem como as reclamações que pudessem existir relativamente aos produtos e modos de aquisição, entrega, pagamento ou reparação dos mesmos.

  5. O A. acompanhava as necessidades de fornecimento dos clientes da R., recolhendo junto daqueles e encaminhando para a R. a informação obtida.

  6. Bem como dava assistência e informações técnicas, na medida dos seus conhecimentos, aos clientes da R, sempre que para tal fosse solicitado.

  7. O A. efectuava cobranças dos produtos vendidos pela R. e elaborava mapas de cobranças, os quais enviava para a R.

  8. O A. constatava, anotava e enviava à R. as alterações relacionadas com os clientes.

  9. Ao A. foram distribuídos cartões de apresentação comercial, os quais foram concebidos, elaborados e pagos pela R., que os entregou ao A.

  10. Nesses cartões, para além da morada e...

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